Drops – Ardbeg Kelpie

Minha filha estava estudando folclore brasileiro na escola. Ontem, ela veio me contar que seu animal folclórico preferido é o Saci. Faz sentido, pensei, já que ela não para quieta por um segundo sequer, e adora aprontar com tudo e todo mundo. Aí ela me perguntou qual era o meu preferido. E eu, para não dar uma resposta genérica sem graça e também ensiná-la algo novo, resolvi pesquisar. Recorri ao google. E não é que nosso folclore realmente é riquíssimo? Além dos conhecidos boto, curupira, lobisomem, mula e saci, há uma pletora de seres fantásticos que eu jamais poderia imaginar que existissem. Um deles é a Pisadeira. A pisadeira é uma velha que pisa na barriga das pessoas enquanto elas dormem, e causa falta de ar. Especialmente quando as pessoas comeram demais à noite. Olha, quando eu era criança, devo ter dado um belo trabalho pra essa tal Pisadeira. Mas não é apenas o Brasil que possui criaturas folclóricas, claro. Todos os países têm, e a Escócia não é exceção. Por lá, uma das lendas mais conhecidas é o Kelpie. O Kelpie é um espírito que muda de forma, e habita os lagos escoceses. Normalmente, toma forma de um cavalo. […]

Especial Escócia – Visita à Bunnahabhain

O diferente é o destaque. Atualmente, buscamos sempre uma experiência nova. Algo que fuja do usual, que seja criativo, ou que desponte por algum motivo. Somos compelidos a experimentar o novo, ou destoante. Numa sociedade que valoriza a experiência, ser diferente compensa. A Bunnahabhain é a exceção dentro da exceção, e o exemplo perfeito disto. Em uma ilha conhecida por produzir predominantemente whiskies turfados e medicinais, a maioria dos single malts da destilaria não tem qualquer traço de turfa. São leves, florais e pouquíssimo desafiadores. Se Ardbeg é bravura; Bruichladdich, inovação e Lagavulin, nobreza; entao Bunnahabhain é sutileza. Em um passado próximo, quase tudo produzido na Bunnahabhain era dedicado à industria dos blended whiskies. Ele era um dos componentes chave do conhecido Cutty Sark, bem como do Famous Grouse – pertencentes ao Edrinton Group, que também detinha a destilaria. A mudança veio na década de oitenta – após quase vinte anos praticamente inativa, quando os primeiros single malts da Bunnahabhain começaram a surgir no mercado. Por fim, em 2003, a destilaria foi vendida pelo Edrinton Group para a Burns Stewart, que, por sua vez, a vendeu para o grupo Distell em 2013. Atualmente, aproximadamente trinta por cento da produção da destilaria […]

Especial Islay – Visita à Bowmore

O poeta James Russell Lowe uma vez escreveu que apenas os tolos e os mortos nunca mudam de opinião. Platão, por sua vez, disse que a opinião é a mediatriz entre a ignorância e o conhecimento. Se James Russel Lowe e Platão pudessem saber de minha experiência na destilaria Bowmore, em Islay, certamente ficariam ainda mais orgulhosos de suas frases, agora elevadas a aforismos. Antes de visitar a Bowmore, seus whiskies não eram, para mim, nada demais. Havia expressões ótimas, claro, como o dezoito anos. Mas havia também muitos single malts desequilibrados que na minha irascível opinião não passavam de honestos. Era o caso do Bowmore Darkest ou o Enigma, por exemplo. Achava que a Bowmore colhia os frutos do passado, mas que atualmente havia sido rebaixada para uma destilaria que produzia maltes defumados para todos aqueles que não suportavam maltes defumados. Bem, durante a visita, minha opinião não se sustentou por mais de quinze minutos. Se Bruichladdich é inovação, Ardbeg é bravura e Lagavulin é aristocracia, então Bowmore seria detalhismo. Todos os processos, da maltagem à maturação, são pensado nos mínimos detalhes. A destilaria está localizada dentro da cidade de Bowmore, e seu armazém colado na costa da ilha. Há uma incrível vista […]

Especial Escócia – Visita à Ardbeg

Tenho um amigo que comprou uma Harley Davidson. O problema é que ele não comprou apenas a motocicleta. Ele comprou duas jaquetas de couro da Harley Davidson também. E um capacete vintage da Harley Davidson. E um par de luvas da Harley Davidson. Dois adesivos, para colar no carro, dizendo que tem uma Harley, e, por fim, mas não menos importante, uma caneca, um abridor de latas e um jogo de bolachas de copo. Itens que não tem nada a ver com a moto. Mas que, para ele, fazem todo sentido. A verdade é que meu amigo nem gosta tanto de andar de moto assim. De moto. Mas de Harley sim. Porque, nas palavras dele, ela não é apenas uma moto. É praticamente um estilo de vida, que possui uma legião enorme de fãs alucinados ao redor do mundo. Se houvesse uma destilaria comparável à Harley Davidson no mundo do whisky, ela seria a Ardbeg. Para os admiradores da marca, a Ardbeg é praticamente um culto. Há embaixadas internacionais e dias dedicados a ela. E não é para menos. Este Cão Engarrafado teve a oportunidade de conhecê-la em sua recente viagem à Escócia. A destilaria é inacreditável. Se a Bruichladdich é […]

Especial Escócia – Visita a Bruichladdich

Disse uma vez Fernando Pessoa que tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Por mais que eu deteste utilizar quase clichés por aqui – independente e sua origem – não poderia deixar de começar este texto com a citação. É que depois de quase vinte e quatro horas viajando, finalmente chegamos à terra dos whiskies enfumaçados. Islay. Foram doze horas de voo, divididos por uma conexão. Mais seis horas em um micro-ônibus, que, por sua vez, passou outras duas horas dentro de uma balsa. Ao chegar na ilha, não conseguia me decidir se o que queria mais era dormir, tomar um banho ou beber. Por sorte, os habitantes possuem uma curiosa forma de resolver tais dilemas. Ao chegar a meu hotel, me deparei imediatamente com o bar. Após toda higiene pessoal, refeição, algumas doses e, por fim, uma boa noite de sono, estava pronto para conhecer a primeira das destilarias da ilha que visitaríamos. A Bruichladdich. A Bruichladdich foi fundada por William, John e Robert Harvey, irmãos em uma família já veterana no ramo dos whiskies e proprietária das destilarias Yoker e Dundas Hill. O trio, entretanto, tinha uma ideia ambiciosa. Construir uma destilaria que, desde o […]

Da Alegria e Escuridão – Macallan Oscuro

Sabe, sempre fui uma criatura das sombras. Apesar de não ser um notívago, algo na noite sempre me atraiu. Talvez fosse seu silêncio, ou sua calma. Ou a falta de obrigações. Não, acho que não. Provavelmente é a sensação de melancolia trazida por aquele horário do dia. Faz sentido quando penso que meu livro preferido, por muito tempo, foi Memórias do Subsolo, de Dostoievski e uma das minhas obras clássicas mais caras, a Sinfonia nº 3 de Gorecki. Ambas, obras que ilustram a queda e a total ausência de esperança, em um tom taciturno e profundo. Na verdade, desde cãozinho sempre gostei mais daqueles dias de céu dramático, com nuvens plúmbeas entremeadas por raios de sol fugazes. E da consequente tempestade, tão agitada, mas que a tudo mais impunha um certo ar de calma. Uma noite antes do sol se por. Uma paradoxal sensação de conforto melancólico difícil de explicar. h Tive sensação parecida quando soube da existência de um single malt de uma das mais respeitadas destilarias da Escócia. O nome – muito apropriado – me parecia irresistível. Macallan Oscuro. Mas, por um dramático preço de aproximadamente setecentas libras, resolvi que seria prudente até que uma oportunidade de o […]

Especial Escócia – Visita à Oban

Este é o primeiro post de uma série sobre a visita em 2017 deste canídeo à terra sagrada do whisky. A Escócia – em especial, a terra da fumaça. Islay. No primeiro dia, a caminho de Islay, visitamos a destilaria Oban, localizada na cidade de mesmo nome. Literalmente dentro de Oban. A destilaria está no meio da cidade, em um prédio histórico, e muito próxima ao oceano. A destilaria é dividida em uma série de prédios, e há uma rua – uma rua ativa da cidade – que a cruza. O que deixa este Cão levemente apreensivo de que alguma barrica possa, porventura, ser atropelada ao olhar para o lado errado da rua ao atravessar. Nosso guia, porém, sempre solícito, me assegurou que isto jamais acontecera. Um dos maiores diferenciais alardeados pela própria Oban é a fermentação de seu mosto. Ele leva em torno de cento e vinte horas, o que é quase o dobro do que seria um absurdo para outra destilaria. Segundo eles, isso traz a seu destilado uma leveza e oleosidade bastante características. Os washbacks – os tanques de fermentação – da Oban são feitos de madeira de pinho. Algo também bastente incomum atualmente. A maioria das […]

Novidade do Cão – Lançamentos – Dewar’s e Aberfeldy

O que você faria se fosse convidado para beber com um de seus ídolos? Nunca havia pensado na resposta para esta pergunta. Mesmo porque, até semana passada, era uma questão totalmente hipotética e etérea. Afinal, a grande maioria dos famosos que admiro já morreu, ou habita um local altíssimo, de atmosfera rarefeita e muito pouco acessível para um Cão. Assim, este era problema que imaginava que jamais fosse ter. E que, portanto, não era um problema. Ocorre, no entanto, que graças a um magnífico convite da Bacardi, me vi obrigado a sair da zona de conforto e enfrentar este excelente – porém um pouco temeroso – problema. É que nos dias 04 e 05 deste mês de setembro, Fraser Campbell, bartender e embaixador mundial do whisky Dewar’s esteve de passagem pelo Brasil. Sua missão foi a de divulgar duas linhas de whisky pertencentes à empresa, que em breve estarão em nosso mercado. E este Cão, orgulhosamente, foi convidado a encontrá-lo, para provar, em primeira mão, estas novidades. São duas expressões dos já conhecidos blended whiskies da Dewar’s – sendo um inédito – e mais um single malt, o Aberfeldy 12 anos.  Como diria um amigo deste Cão, em um momento […]

Drops – Puni Alba – Single Malt Italiano

Antes de começar a escrever este texto, resolvi fazer um teste. Perguntei a dez pessoas – dentre elas a Cã, o Pai Cão e certos amigos – qual a primeira coisa que vinha à mente quando falava-se daquele curioso e comunicativo país que é a Itália. E a resposta, para minha total estupefação, foi gondoleiros. Gondoleiros. Dentre todas as coisas pelas quais a Itália é famosa, gondoleiros foi a resposta de quatro entre dez pessoas a quem fiz a indagação. Os gondoleiros remaram na frente dos automóveis superesportivos. Dos pratos ricos em carboidratos. De Dante, Virgílio, Correggio – com os cumprimentos do Cão Pai – Da Vinci, e da Mona Lisa. Superaram a tarantella. Sobrepujaram Fellini, Spaghetti Western e Bernardo Bertollucci. Era um resultado que eu jamais esperaria. Eu sabia, por exemplo, que jamais alguém falaria whisky. E esse era justamente o motivo daquele meu experimento. Queria saber quantas coisas poderiam ser evocadas antes de chegar à bebida. Porém, o resultado me demonstrou uma curiosa obsessão de meus conhecidos por estes tão caricatos choferes de canoa. Acontece que, para mim, os gondoleiros ocupam uma posição bem baixa da lista daquilo que define a essência italiana. Uma posição certamente abaixo de […]

Irmão do Meio – Glenlivet 15 anos

Sou filho único. O que, para falar a verdade, não quer dizer muita coisa. Crescer sem irmãos não significa que tenha conseguido tudo que quero. Nem que seja mimado ou estragado, e tampouco egoísta. Quer dizer, exceto com comida. Comida é algo realmente difícil de dividir. Ser filho único, porém, significa que tive que responder mais de um sem fim de vezes a clássica indagação. Se eu não sinto falta de ter irmãos. E minha resposta, desde a mais tenra idade, sempre foi a mesma. É claro que não, afinal, não poderia sentir falta de algo que nunca tive. Minha mãe, no entanto, possui irmãos. E ela está na pior posição possível. Ela é a irmã do meio. O que, para ela, significava ter as refeições roubadas pelo irmão mais velho enquanto era solenemente ignorada pelos pais, em favor do irmão mais novo. Significava não ter idade para fazer algumas coisas que o primogênito fazia, mas ser velha demais para se envolver com as atividades de criancinha do caçula. Segundo ela, galgar espaço como a irmã do meio não era nada, nada fácil. Relembrei disso ao experimentar novamente, após bastante tempo, o Glenlivet 15 anos. O Glenlivet 15 é a expressão […]