“Pronto, morri“, foi o que pensei, à medida que o cavalo galopava em direção a uma curva fechada, depois de disparar, contra minha vontade, numa estradinha de terra que levava à cocheira. Eu tinha uns doze ou treze anos de idade, e costumava passar as férias de julho em um sítio que minha família tinha no interior. Como todo pré-adolescente revoltadinho sem motivo, e apesar de protestos de minha progenitora, eu insistia em montar um pangaré mal-adestrado que se chamava Danúbio. Ele andava meio de lado e, claramente, tinha um sério problema com autoridade.
Meu fascínio pelo bicho talvez se explicasse pelo compartilhamento de características. Exceto por andar reto, eu também era mal-humorado, meio chucro, e pouco obediente. Mas a parte mais interessante da história não é essa. É a que descobri que não era o tipo que lutava pela vida. Ao perigosamente me aproximar da curva, já me consolara que não teria forças para segurar a rédea. De fato, ela já descansava, totalmente solta, ao lado do pito, enquanto o estribo também balançava sem qualquer tensão de minha perna.
“a gente se sente mais vivo quando está perto da morte” – disse uma vez James Hunt. Não, eu não. Eu já estava morto segundos antes de sentir um empurrão brusco para frente. Resultado da inércia do cavalo, que estancara as quatro patas no chão, ao notar a iminência da curva. Bati o peito no pito, mas, sobrevivi, ainda que desmoralizado ao descobrir que tenho zero instinto de sobrevivência.
O mesmo não pode ser dito sobre o Irish Whiskey. Antes de ser completamente obliterado por uma conjunção maluca de fatores na década de 20, a bebida passara por uma época gloriosa. Mais vivo do que nunca, e amplamente consumido na Europa e nos Estados Unidos, tornara-se também matéria prima de coquetéis clássicos importantes, como como Blackthorn, Tipperary e o – um pouco menos famoso – Brainstorm, tema da prova atual.
O Brainstorm foi criado por Hugo Richard Ensslin, um bartender alemão expatriado, que trabalhou no Wallick Hotel, de Nova Iorque, por 1915. Em 1916, Ensslin publicou seu livro de receitas “Recipes for Mixed Drinks” que ganhou notoriedade por conter a primeira versão escrita do famigerado Aviation. Curiosamente, o livro se tornou o último guia de coquetelaria publicado em Nova Iorque antes do Volstead Act entrar em vigor – a famosa lei-seca norte-americana.
A receita publicada de Ensslin pede partes iguais de Benedictine e Vermute – lá, descritos como “dois dashes” – e uma parte generosa – “one drink” – de irish whiskey. Mais tarde, com a lei seca revogada, o coquetel figurou no The Savoy Cocktail Book de Harry Craddock de 1930. Craddock manteve as mesmas proporções, mas traduziu “one drink” para “1/2 wine glass”. Se me permitem uma digressão, boa parte dos coquetéis de Craddock foram, justamente, espólio da era pré-lei seca, mas, certas vezes, com ingredientes vigentes na época de sua publicação.
O Brainstorm ganhou (novamente) fama contemporânea nas mãos de Al Sotack, bartender que trabalhou em bares como Death & Co, Pouring Ribbons e Jupiter Disco. De acordo com Sotack, em matéria para a Punch Drink, os bartenders da época do Volstead Act usavam o Irish Whiskey de uma forma muito específica. “O Irish Whiskey é leve, e a razão pela qual ele não é muito usado em coquetéis é porque ele é facilmente superado”. Mas, não no Brainstorm. Esse, nenhuma curva segura.
BRAINSTORM
INGREDIENTES
- 60ml Irish Whiskey (é gente, só tem Jameson. Mas sintam-se a vontade de usar outra coisa, se tiver em casa).
- 15ml vermute seco (Sotack usa Dolin Dry)
- 15ml Benedictine (esse licor sumiu de nosso mercado há alguns meses. Mas era algo relativamente fácil de encontrar)
- Parafernália para misturar
- taça coupe ou de martini
PREPARO
- Adicione todos os ingredientes no mixing glass e mexa com bastante gelo
- desça em uma taça coupe ou de martini
- finalize com os óleos essenciais de uma casca de limão siciliano