Tipperary – Passaportes

O Jean Reno não é francês. Quer dizer, ele é francês, mas é o ator mais essencialmente francês menos francês que eu conheço. Seu nome verdadeiro é Juan Moreno y Herrera-Jimenez. Seus pais eram espanhóis. Quando o pequeno Jean nasceu, o casal vivia em Casablanca, no Marrocos – na época que o país ainda era um protetorado da França. O que o torna francês, tecnicamente falando.

E apesar da ascendência espanhola, é difícil imaginar um ator que represente melhor alnguém nascido na terra do queijo e vinho. Talvez Gérard Depardieu, Alain Delon ou Vincent Cassel. Pensando bem, não. Pra ser mais francês do que o Jean Reno, tem que ser o Gérard Depardieu vestido de Obélix, segurando aquele terrier que representou o Dogmatix no filme do Astérix de 2002. Cliché assim. Aliás, a palavra “cliché” também me parece menos francesa que o Jean Reno.

Muito menos francês que o Jean Reno

Um fenômeno parecido acontece com um coquetel chamado Tipperary. O Tipperary é o coquetel com irish whiskey menos irlandês que eu conheço.

O Tipperary é aquele tipo de clássico pouco conhecido, mas bem documentado. Ele fez aparições no Recipes for Mixed Drinks de 1916, de um obscuro Hugo R. Ensslin, que não era irlandês, e que trabalhou no hotel Wallick, de Nova Iorque; bem como no ABC of Mixing Drinks de um – bem mais conhecido – Harry McElhone em 1922; e finalmente no Savoy Cocktail Book de Harry Craddock, em 1930. Este último, tão famoso quanto o Jean Reno, para a maioria dos apaixonados por coquetelaria.

A receita mais antiga, de Ensslin, pede partes iguais de irish whiskey, vermute doce e Chartreuse verde (Green Chartreuse), um licor francês – mas não tão francês quanto o Jean Reno – herbal, produzidos por monges desde 1737 e todo aquele papo que você já conhece sobre licores centenários produzidos por homens de Deus.

Este Cão, porém, prefere uma receita levemente modificada, que coloca o whiskey em evidência, e reduz o dulçor do coquetel. Veja bem, na época que o Tipperary foi criado, o paladar médio era bem mais doce do que hoje em dia. Além disso, Chartreuse é um licor intenso e complexo – o oposto do que um whiskey delicado, como o irlandês, precisa. Então, para evitar que o Irish Whiskey suma de vez do drink, reduzi o Chartreuse e elevei a proporção daquele.

Durante as pesquisas para elaborar esta matéria, me deparei com dois fatos curiosos. Curiosos não, dotados de pouquíssimo sentido.

O primeiro, é que as pessoas recomendam que se consuma Tipperary durante as festividades de St. Patrick’s, talvez por conta da cor do Chartreuse. Acontece que o coquetel não fica nem esverdeado. Ele fica vermelho mesmo, por causa do vermute. Então, se você porventura resolver degustar um Tipperary durante o St. Patrick’s Day, você será só mais um doido com um drink vermelho num monte de gente tomando cerveja verde. E nem me venha dizer que é pelo Irish Whiskey. Porque, se fosse aplicar essa lógica, você deveria tomar cerveja irlandesa também, e não aquela qualquer coisa que você encontrou na rua com corante verde.

O segundo é que a maioria das receitas que colocam o whiskey em evidência recomenda o uso de Redbreast, um Single Pot Still Irish Whiskey, mas bastante intenso pela maturação em barricas de ex-jerez, e que pouquíssimo tem a ver com o perfil sensorial tradicional dos Irish Whiskeys. Me parece um contra-senso: para se equilibrar um coquetel produzido com irish whiskey, é preciso um irish whiskey que não se parece com irish whiskey.

Redbreast

Para remediar a questão do whiskey, propus o uso do Jameson Caskmates IPA. É um irish vendido no Brasil – ao contrário do Redbreast, que não desembarca por aqui – e que representa com muito mais precisão o estilo de seu país de origem. Além disso, traz uma nota vegetal amarga bem delicada, que funciona bem com o Chartreuse.

E, finalmente, para evitar qualquer relação com o dia de São Patrício, resolvi lançar esta matéria agora. Assim, no meio de outubro mesmo, bem longe da segunda quinzena de março – só porque tenho real apreço por você, querido leitor, e não quero ver você fazendo papel de bobo. Então, tomem nota do coquetel com Irish Whiskey menos irlandês da história. O delicioso Tipperary.

TIPPERARY

INGREDIENTES

  • 60ml (2 doses) de Irish Whiskey (este Cão usou Jameson Caskmates IPA, pelos motivos supra expostos)
  • 30ml (1 dose) de vermute tinto (este Cão usou o Martini Rosso)
  • 15ml (1/2 dose) Chartreuse verde (Green Chartreuse).
  • parafernália para misturar
  • Taça coupé
  • Gelo

PREPARO

  1. Adicione todos os ingredientes líquidos em um Mixing glass, com bastante gelo e mexa com uma colher bailarina por aproximadamente 4 segundos
  2. Utilizando um strainer (a.k.a. peneira) desça o conteúdo em uma taça coupé, separando o gelo do líquido.
  3. Slainté, quero dizer, a la santé, digo, saúde.

3 thoughts on “Tipperary – Passaportes

  1. Olá,
    Uma pequena correção no seu texto. Eu diria que a ascendência dele é espanhola, visto que os pais dele, seus antecedentes ou quem está acima na árvore genealógica são espanhóis. A descendência de alguém são os filhos que essa pessoa deixa.

    De resto o texto ficou muito legal e o coquetel promete à beça.

    Abraço

  2. Uma pena não termos Redbreast por aqui, mestre.
    Mas o Jameson IPA está em rota de colisão comigo e consequentemente o Tipperary, sempre que possível aumentando um pouco a proporção do whisky no drink hahaha.
    Abraço.

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