Bruichladdich Octomore 8.2 Masterclass – Drops

Algumas memórias são mais perenes que outras. Para whiskies também. Há rótulos que nem lembro de ter bebido – o que, na verdade, é ótimo e não é. Porque, por um lado, é uma desculpa pra beber de novo. Por outro, se eu não lembro, então é porque não era nada demais. Então é só uma desculpa pra beber de novo algo medíocre. Mas enfim, há outros tão arraigados em nossa memória que se tornam quase marcos etílicos. Um deles, para mim, é o Octomore – conhecido como o whisky mais defumado do mundo. Experimentei o Octomore (a edição 3.1) quando fui para a Escócia há uns bons anos. Vou contar como foi. Como um apaixonado por whiskies defumados, quando estive por lá, procurei o Octomore por toda parte, mas sem sucesso. Comentei isso com um rapaz de uma loja de roupas – não me pergunte por que entrei no assunto de whiskies com um vendedor de uma loja de vestuário masculino, talvez por ser a Escócia – que se compadeceu com meu ébrio sofrimento e recomendou um bar que possuía uma garrafa – o The Abbotsford. Corri tanto que quase me teleportei para lá. Apontei para o Octomore na […]

Union Malt Extra-Turfado – Fitzcarraldo

Fitzcarraldo, dirigido por Werner Herzog, é um dos mais incríveis e insensatos filmes de todos os tempos. Lançado em 1982, a película conta a história baseada em fatos reais de Brian Sweeney Fitzgerald – apelidado de Fitzcarraldo – um barão da borracha do começo do século vinte. Fitzgerald é admirador de música erudita e do tenor Enrico Caruso. Seu sonho maluco é construir uma enorme casa de espetáculos em Iquitos, no alto da selva amazônica, para ouvir seu ídolo cantar. Para tanto, Fitzcarraldo está obstinado a arrastar um navio a vapor completamente montado sobre uma grande montanha – subindo de um lado, descendo do outro. Seu plano é utilizar a embarcação para explorar as riquezas de certa bacia hidrográfica com a ajuda de indios, se capitalizar e construir o luxuoso teatro. Se o sonho de Fitz parece estupidamente ambicioso, o de Herzog foi além. É que o diretor, recusando-se a utilizar miniaturas e efeitos especiais, arrastou um barco a vapor de verdade, pesando mais de trezentas toneladas em seu set de filmagem. E ainda que o resultado na tela seja magistral, a sua execução foi trágica. Membros da equipe de Herzog morreram e índios sabotaram as filmagens. Mais tarde, o […]

World Class Community – Johnnie Walker 200 & Brazil

Uma pequena pausa para um anúncio que nos trouxe muita alegria. Mauricio Porto, nosso autor, foi convidado para participar de um painel no World Class Community Week Brasil, Da Diageo, com a participação dos incríveis Nicola Pietroluongo (@scotchnick ), Tom Jones (@whiskyexplorer ) Ewan Gunn (@ewangunn) e Arturo Savage (@arturosavage)! Falaremos dos 200 anos da Johnnie Walker, sua conexão com o Brasil e da importância da marca na categoria de scotch whisky.. Abordaremos alguns temas bem atuais, como a flexibilização das regras da Scotch Whisky Association em relação ao uso de certas barricas, como as de tequila, por exemplo. Além do painel dedicado à mais famosa marca de blended scotch whisky do mundo, haverá outros papos incríveis. Como um sobre harmonização de pratos e coquetéis, com Oscar Bosch, do Tanit, Lauren Mote, Mark Moriarty e Nicola; e outro sobre coquetéis ready-to-drink, com Alexandre D’Agostino, do Apothek, Fabio La Pietra, do SubAstor, Tai Barbin, do Liz, Nicola e Jenna Ba. Serão três dias de eventos virtuais Quer saber a programação completa e como assistir? Veja abaixo a programação completa. E para saber mais detalhes, acesse o site oficial do evento virtual. Nosso painel acontece na quarta-feira, dia 17, às 18:00. Nos vemos por […]

Laphroaig Select – Dissonância

Sem nenhuma dúvida, um dos maiores compositores da virada do século 19 foi Igor Stravinsky. Mais do que um excelente músico, o maestro desafiou dogmas seculares da música clássica. Seu trabalho revolucionou a estrutura rítmica da música erudita, e foi largamente responsável pela consagração do dodecafonismo e serialismo como técnicas de composição. Mas fique tranquilo, isso não é um texto sobre música clássica. Além de gênio musical, Stravinsky era também um homem de bom gosto, e muito espirituoso. A prova disso é sua frase “Meu Deus, tanto gosto de beber whisky que as vezes penso que meu nome é Igor Stra-whisky”. Mas nem sempre as coisas foram fáceis para Stra-whisky. Durante sua vida, muitos de seus trabalhos geraram enorme polêmica. A história mais conhecida é da estreia do ballet “A Sagração da Primavera”, que ocorreu em 1913 no Théâtre des Champs-Élysées de Paris, e foi uma das primeiras obras dissonantes do mundo. Já no início do espetáculo, a plateia assoviava e vaiava. Até que, em uma escalada de fazer inveja a qualquer torcida organizada de futebol, os ouvintes começaram a chutar-se mutuamente, aos berros, arrancando poltronas e as arremessando nas cabeças uns dos outros. Enfim, um ballet tranquilo, com gente equilibrada. […]

Whiskies jovens (ou sem idade declarada) muito bons

“O tempo é a substância da qual sou feito. O tempo é um rio que me arrebata, mas eu sou o rio; é um tigre que me devora, mas sou o tigre; é um fogo que me consome, mas sou o fogo” escreveu Borges em sua Nova Refutação do Tempo. Desgraçadamente – para continuar no tema Borgiano – tenho tido bastante tempo para pensar nele mesmo. Não em Borges. Mas no tempo. Ultimamente, a passagem do tempo tem me trazido ansiedade. Almejo que tudo passe logo, para voltar àquele status quo. Trabalho normal, vida corrida. Aquele em que o tempo passa tão rapidamente que nosso anseio se torna justamente o contrário – que ele demore mais. Normalmente, a passagem do tempo não é muito querida. Exceto quando em quarentena e durante alguma aula chata de matemática. E – de acordo com o senso comum – com whiskies. É que muita gente acha que idade é sinônimo de qualidade em whisky. Mas este pensamento está absolutamente equivocado. Há características sensoriais de whiskies jovens que são praticamente irreplicáveis em whiskies mais maturados. A turfa, por exemplo. Whiskies turfados são, sensorialmente, muito mais turfados quando há pouca maturação. A influência sensorial da turfa […]

San Basile White Dog – Raio X

Quando era criança, bati a cabeça bem forte. O que, num parêntesis, é uma explicação bem verossímil para certos comportamentos que tenho hoje. Eu estava me preparando para dormir, saí correndo e pulei na cama, mas devia estar empolgado demais, porque errei o alvo e fui direto na parede. Quanto aterrizei no travesseiro, não sentia metade da testa, mas percebia um líquido quente e viscoso que descia pelas minha têmpora esquerda, até a orelha. O resto foi drama. Mãe gritando, carro, hospital, raio-x. Raio-X. Quando o médico chegou com a imagem do raio-x na mão, minha mãe ficou aliviada. Nada demais, apenas uma meia dúzia de pontos na testa, que mais tarde se tornariam uma pequena cicatriz. Mas, mais do que isso, eu fiquei maravilhado com aquela foto. Então era assim que eu era por dentro. Uma intrincada combinação de pedaços que mais pareciam um vaso de porcelana quebrado e depois colado. Anos mais tarde – e sem qualquer relação direta com o acidente – vi uma série de outras imagens de raio-x, de coisas e bichos aleatórios. Achei bem legal. Um celular não é muito mais do que uma chapa cheia de furinhos e circuitos. E um pinguim – […]

Suntory The Chita – Carpe Diem

Uma amiga colocou uma imagem bonita. Fonte cursiva, aurora do dia, com a mensagem “que o hoje seja aproveitado sem o peso do ontem ou a expectativa do amanhã“. Balancei a cabeça com desgosto. Isso não é catártico, é infantil e egoísta. Se eu aproveitar o hoje sem o peso do ontem ou a expectativa do amanhã, vou torrar minha conta bancária com whisky sem pensar na minha família. Não vou tomar banho e vou esquecer de cortar a unha, porque, poxa, que perda de tempo cortar a unha, deixa pra amanhã, hoje tá boa pra coçar atrás da orelha. Aquilo que pode aparentar libertador, talvez seja apenas infantil e irresponsável. Quase todas as nossas atitudes são alicerçadas em experiências passadas. Recorremos ao passado para planejar nosso futuro. Não viver no presente é ser racional. Nós não vencemos como espécie por viver no presente – mas por planejar nosso futuro. E tem a parte do whisky. É que se todos pensássemos assim, somente no agora, não haveria whisky. Whisky demanda planejamento e paciência. Talvez o exemplo mais clássico aqui seja o fenômeno que ocorreu, há alguns anos, com os whiskies japoneses. Os bons whiskies japoneses – ao menos single malts e […]

Fettercairn 12 – Brilho do Sol

A vida moderna, também, é geralmente uma opressão mecânica, e o álcool é o único alívio mecânico” uma vez escrever o velho Ernst, em tom quase profético. Opressora e compressora, essa vida moderna. Ainda mais no último mês. Comprimido em casa, sem poder sair, realmente, uma dose de whisky é quase um abraço – hábito que, aliás, também está oprimido. Talvez seja por isso que tenha bebido tanto whisky ultimamente. Graças à quarentena, meu novo hábito etílico prescinde horários. Uma da tarde é um momento totalmente aceitável para começar. O sol a pino, escondido por trás da laje, exige algo floral e delicado. Algo com um certo frescor, sofisticado, porém com um perfil de sabor casual. Como, por exemplo, o single malt Fettercairn 12 anos, recém chegado ao Brasil. O Fettercairn 12 anos é um whisky perfeito para qualquer momento. Sensorialmente, traz frutas maduras e cítricas, e um toque de pimenta do reino. Não chega a ser um whisky delicado, mas está aquém da intensidade de um Dalmore, ou algum monstro defumado de Islay. De certa forma, faz sentido. A Fettercairn está posicionada como uma marca super-premium. Nada mais natural que, sensorialmente, seja acessível mesmo para o leigo, acostumado com […]

Code Nine Single Malt – Produtividade

Shakespeare escreveu King Lear durante a quarentena da peste bubônica. Já Isaac Newton desenvolveu o alicerce de sua teoria da gravidade. E Giovanni Boccaccio escreveu uma de suas mais famosas obras. O Decameron: uma coletânea de mais de cem contos contados por um grupo de sete pessoas que se refugiavam da Morte Negra em Florença. O livro, mais tarde, tornou-se também uma das mais clássicas obras do cinema, dirigido por Pasolini. Eu, por outro lado, ganhei um quilo e meio e fiz uma porção de descobertas. Todas elas, baseadas na mais pura e entediante contemplação. Como, por exemplo, que o rei de copas é o único dos quatro naipes que tem bigode. Que morcegos ficam de ponta cabeça mas fazem xixi com o rabo pra baixo. E também que crianças fazem em torno de duzentas e noventa perguntas por dia – exceto pelas minhas, que devem fazer umas quatro mil. Quatro mil cada uma. E tem também a tensão do bar fechado. Só de pensar no Caledonia de portas cerradas, me dá uma angústia e falta de ar mesmo sem COVID-19. Para aliviar um pouco a tensão, estabeleci uma meta. De experimentar – no sentido amplo de experiência – uma […]

Balvenie Portwood 21 – Quarentena

Estou há nove dias de quarentena. Mas talvez sejam onze. Os dias da semana não importam mais. A quarentena deu todo um novo sentido para o carpe diem. Eu acordo quando acordar, durmo quando dormir e como quando tiver fome. Minha agenda é do mais cândido vazio. Não há mais horário para nada. É socialmente aceitável beber whisky às nove horas da manhã. Não tenho feito muito exercício, também. A única coisa que tenho exercitado ultimamente é meu ódio. Por exemplo, pelas pessoas que em breve morrerão de inanição mas com a bunda limpa, depois de terem saqueado todo papel higiênico do supermercado. Já tentei uma série de passatempos, dos mais sofisticados – xadrez com a Cã – até os mais triviais, como tentar engolir a própria língua e tentar não pensar em nada, mas continuar pensando em não pensar. Há, porém, algo positivo. Tenho aproveitado o tempo para provar whiskies que há tempos tinha em casa, mas jamais abrira. Talvez por falta de coragem. Talvez por aguardar um momento especial. Bem, não há momento mais especial do que agora, uma segunda-feira. São nove e trinta e dois da manhã, e todo mundo aqui em casa está dormindo. Para melhorar, […]