Suntory Hibiki 21 – Escassez

For Relaxing Times, make it a Suntory Time. Quando assisti Encontros e Desencontros da Sofia Coppolla pela primeira vez, nem conhecia whisky direito, mas achei a referência engraçada. O filme explorava justamente a sensação de estranhamento, alienação e isolamento entre as pessoas. Relações, aliás, realçadas pela sensação de distanciamento cultural do Japão. E nada melhor para potencializar este estranhamento do que whisky. Em 2003, o whisky japonês estava longe da febre que é atualmente – e eu tinha apenas dezoito anos. E um ficcional ator decadente americano estrelando um comercial para um produto que parecia tão desconectado daquele país quanto ele próprio era uma analogia genial. O que eu não sabia, no entanto, é que o whisky japonês era excepcional. Um dos exemplos mais claros é o premiadíssimo Suntory Hibiki 21 anos – aliás, o irmão mais velho do whisky que aparece no filme. O Hibiki 21 anos é um blended whisky cujo coração é o single malt Yamazaki, e que leva whiskies das destilarias Hakushu – single malt – e Chita – grain whisky. Whiskies, estes, maturados em barricas de carvalho americano, europeu e japonês – o famoso Mizunara. O blend foi lançado em 1994, cinco anos após a […]

Angel’s Envy Bourbon – Fascínio

Possuir um site de whisky exige um certo foco. Ainda que seja totalflex, o mundo etílico é muito vasto, e os recursos hepáticos e financeiros, limitados. Me vejo muitas vezes obrigado a escolher frentes, e, naturalmente, minha zona de combate favorita é o whisky. Mas isso não significa que não aprecie outros campos. Como sabem, sou um apaixonado por coquetelaria, sempre gostei de cerveja, e tenho um fascínio ignorante por rum e cachaça. No campo dos vinhos, assumo que sou do time dos fortificados. Especialmente porto. E às vezes, eu nem preciso escolher. Porque há centenas de whiskies que são finalizados nas barricas de tais vinhos. E isso para mim é quase um megazord etílico.. Basta ver um whisky que passou por essa barrica, que me sinto irremediavelmente compelido a prová-lo. Imagine então, quando descobri um bourbon que passa pelo mesmo processo – O Angel’s Envy Bourbon. O maior diferencial do Angel’s Envy Bourbon – assim como seu irmão, o Angel’s Envy Finished Rye, já revisto por aqui – é justamente sua maturação um tanto incomum. O whiskey, depois de passar em torno de cinco anos em barris de carvalho americano virgens e tostados, é finalizado por um período de […]

Visita a Woodford – Portas em Automático

Tripulação, portas em automático. Afivelo o cinto, cruzo os braços e respiro fundo. Eu nunca tive medo de voar. Aliás, pelo contrário. Acho aeroporto um programa. A única coisa que, remotamente, me incomoda, é ter que ficar sentado no avião por tanto tempo. Não tem muita coisa pra fazer, e, como dizem, cabeça vazia é oficina do capiroto. Observo o comissário de bordo apontando as saídas de emergência. Repentinamente, minha mente reduz o volume do som do abiente, e um pensamento intrusivo aparece. E se eu sair correndo e abrir a porta de emergência logo que o avião decolar Você devia deixar o pensamento intrusivo ganhar, ao menos uma vez, diria um amigo meu. Abafo o diálogo entre a razão e a entropia em meu cérebro. Dessa vez não, dessa vez todo mundo morreria. Vou deixar ganhar quando for pra fazer um bundalelê no meio de um restaurante, ou um pirocóptero na igreja. Aí, o máximo que vai acontecer é perder o réu primário. O comissário se aproxima de mim. Pequeno momento de pânico. Indago para mim mesmo se ele é telepata e ouviu meus pensamentos. Aceita suco ou água – ele pergunta. Respiro aliviado. Quando o Boeing 737-900 começa […]

The Macallan Night On Earth – Tempestividade

Tento acessar o painel de controle do Cão Engarrafado, mas não me lembro a senha. Chuto uma, qualquer. Não foi. Tento outra, também sem sucesso. Na terceira, o navegador leva mais tempo para me dar uma negativa, e enche meu coração de esperança. Precisamos confirmar que você é humano – escolha todas as fotos que têm escadas. Entro em pânico. Sei lá se é um negócio de atenção, ou de pura tensão. Mas o desafio já me deixa desconcertado. Calma. Isso aí na foto é um navio. Tem escada dentro do navio não? Mesma coisa com aqueles semáforos com cronômetro. Prefiro a ignorância ao conhecimento. Saber quanto tempo eu tenho para cruzar a próxima rua me faz acelerar, não ser mais prudente. É por isso que os seres humanos não podem saber quando exatamente irão morrer – seriam divididos entre os que aceleram e os que permanecem inertes. Pensando aqui, semáforos inteligentes são uma ótima parábola existencialista. E tem o pior de todos, o token do banco. Quarenta e cinco segundos para escrever quatro dígitos não é o suficiente. Não sob a flagrante ameaça de ter o acesso à minha conta bloqueado. Sem pressão, faço cinquenta cliques em um minuto. Sem nem olhar para […]

Macallan Classic Cut – Elegância Violenta

Esta matéria foi originalmente publicada em 04 de Setembro de 2018. Em vista de sua chegada ao Brasil, a matéria foi atualizada em 23 de maio de 2024, com a nova edição. Fígado, favas e um bom chianti. Ou um grande amarone, se você preferir a versão literária à película. Literatura clássica, em especial a Divina Comédia de Dante. As Variações Goldberg de Johann Sebastian Bach. A belíssima cidade italiana de Florença. Parecem gostos de uma pessoa de sofisticação e cultura extraordinárias. E, na verdade, são mesmo. Incrivelmente, estes também são os interesses de um dos mais famosos vilões da ficção. O psiquiatra Hannibal Lecter, que aparece em obras como Dragão Vermelho e O Silêncio dos Inocentes. Lecter seria um cavalheiro quase perfeito, não fosse um pequeno detalhe. Ou melhor, um único gosto, que não tem nenhuma sofisticação. Hannibal gosta de comer gente. Gastronomicamente falando. Aliás, o sucesso de seu personagem, na opinião deste canídeo, está justamente aí. No equilíbrio entre a erudição e a mais gráfica e selvagem violência. Entre a polidez e a agressividade. Hannibal é Jekyll e Hyde, com o bônus do canibalismo. Em um mesmo personagem estão características aparentemente antagônicas, mas que se complementam lindamente. Se […]

Royal Salute 21 The Blended Grain – Conceitos

Pense em uma viagem luxuosa. Não continue a ler, até efetivamente imaginá-la. Não vou me atrever a adivinhar – cada um de nós tem um conceito diferente da coisa. Para alguns, é uma semana em uma palafita, erigida sobre um recife de coral no mar cristalino. Para outros, é o ritmo frenético de alguma metrópole como Londres ou Paris, com restaurantes, bares, museus e compras. Ou uma road trip em algum carro de luxo pela Toscana ou Costa Amalfitana. Aliás, permita-se o mesmo exercício com automóveis de luxo. Muitos devem ter imaginado um Porsche ou algum outro superesportivo, como uma Ferrari ou Lamborghini. Outros, porém, talvez tenham concebido, na televisão mental, um sedan enorme, cuja experiência ao volante é mais náutica do que automobilística. Uma limo cheia de amenidades – frigobar, televisão, massagem na batata da perna. Dependendo de seus gostos, seu conceito de viagem e carro de luxo são bem distintos. Para nós, apaixonados por whisky, o conceito de luxo também é relativo. Alguns procuram intensidade. Whiskies de alta graduação alcoólica, ou extremamente turfados. Outros inovação. Maturações em barricas improváveis e inéditas. Outros, porém, querem suavidade, delicadeza, equilíbrio. E é aí que está o mercado dos blends de luxo. […]

The Macallan 25 – Bolo Real

Abro, com o cuidado de quem desarma uma bomba, a fatura de meu cartão de crédito. O fim do ano não ajudou. Faço uma apostinha mental: se for menor que certo valor, fico sem beber hoje. Confiro o número com perplexidade. Clonaram meu cartão – sussurro, severamente, para minha esposa. Não é isso não, é que eu passei o cabelo e a maquiagem da festa de fim de ano nele. Pisco de incredulidade. Mas a turma da maquiagem usou fulerenos endoédricos pra fazer o brilho e justificar esse preço? O que sucedeu foi uma discussão conjugal que culminou numa reflexão óbvia, mas necessária. Cada um tem uma percepção diferente de valor das coisas. Pra mim, é um absurdo pagar o equivalente às reservas de capital de Honduras em uma maquiagem. Mas beber este valor é justificável. E tem gente ainda mais louca. Teve um cara que pagou 7.500 (sete mil e quinhentas libras) por um pedaço de bolo de frutas do casamento da Kate com o Príncipe William. Isso foi em 2014, três anos depois do casamento. Aliás, bolos de frutas e whisky tem vários pontos de tangência. O perfil de sabor é um deles. Outra coisa, é que bolos […]

Old Pulteney Huddart – Mitologia

“Não abre essa janela, você está de cabelo molhado, pode entrar um golpe de ar e você ficar resfriado” – todos já ouvimos essa frase de alguém. Provavelmente, no seio de infância, de algum adulto mal-informado. “Cuidado para não engolir o chiclete, porque ele vai ficar grudado pra sempre no seu estômago” é outra. Que é mentira também. O chiclete sai por baixo em alguns dias, totalmente incólume – como o milho. São tantos exemplos que dá pra fazer um texto só deles. Boa parte envolve água, ou a praia. Não pode nadar por uma hora depois de comer qualquer coisa. Depende, se você não comer um boi inteiro e depois bancar o Michael Phelps, não tem muito perigo. Tomar banho quando está chovento forte é arriscado, porque você pode ser eletrocutado por um raio. Não vira o olho esquisito, porque se bater um vento, você fica assim pra sempre – e ainda pega um resfriado, considerando o primeiro mito. A gente acredita em um monte de besteira. São noções passadas de geração a geração, que, em boa parte, servem para não precisar explicar algo complicado. Ou só por estupidez, mesmo. Existem noções assim em todas as áreas de conhecimento, […]

Glenfiddich Grand Cru 23 – Ano Novo

Ah, chegou o ano novo. E com ele, aquelas tradicionais simpatias. Pular sete ondinhas, comer lentilha, assoprar canela, comer romã e guardar as sementinhas junto com a folha de louro na carteira. Colocar dinheiro no sapato e usar branco. Por mais inofensivo que possa parecer, devo, porém, declarar que não vou fazer nada disso. Do jeito que sou azarado, provavelmente espirraria com a canela, tropeçaria e cairia no mar. Arrotaria lentilha de susto, sujaria a roupa e o sapato. O dinheiro na sola ficaria ensopado, assim como minha carteira. Que depois de um tempo começaria a mofar, devido à folha de louro e sementes de romã úmidas, guardadas lá dentro. E meu ano seria péssimo. Por isso, decidi que não vou fazer simpatia nenhuma. Aliás, para não correr riscos, resolvi passar o ano novo bem longe do mar. Num hotel da cidade, vendo algum filme. E sem champagne também, porque a chance de eu acertar meu olho com a rolha é razoável. Ao invés disso, escolhi um single malt maturado em barricas que antes contiveram champagne. Ou quase isso. O Glenfiddich Grand Cru 23 anos. O Glenfiddich Grand Cru 23 chegou ao Brasil sem grandes explosões de rolhas, no final […]

Jack Daniel’s Single Malt – Coincidências

A história é cheia de gente importante que morreu de forma estúpida. Vou dar aqui exemplos de dois indivíduos notórios, mas que comprovaram que uma vida extraordinária não exime ninguém de uma morte trivial. Aliás, a mesma morte trivial. O primeiro deles é o compositor francês Jean Baptiste Lully. Lulli nasceu na cidade de Florença em 1632, de uma família com poucas posses. Seus pais possuíam um moinho, numa época de guerra e praga na Itália. Na infância, Lully recebeu pouca educação formal e musical. Um pouco mais velho, aprendeu a tocar violão com um padre franciscano. Tornou-se autodidata no violino e na dança – e passou a se apresentar em público, vestido de arlequim, cantando e dançando. E foi assim que em 1646, Lully chamou a atenção de Roger de Lorraine, filho do Duque de Guise. Roger devia ter algum senso de humor, porque gostou de Lully mesmo em trajes ridículos, e o convidou para se tornar valet de chambres de sua sobrinha, a Mademoiselle de Montpensier. Jean Baptiste, entretanto, mirava mais alto. Atraiu a atenção do rei Luís XIV, e, em 1653 foi nomeado “compositor real”. Naquele ponto, Lulli havia se tornado um exímio dançarino e compositor, e […]