The Macallan 25 – Bolo Real

Abro, com o cuidado de quem desarma uma bomba, a fatura de meu cartão de crédito. O fim do ano não ajudou. Faço uma apostinha mental: se for menor que certo valor, fico sem beber hoje. Confiro o número com perplexidade. Clonaram meu cartão – sussurro, severamente, para minha esposa. Não é isso não, é que eu passei o cabelo e a maquiagem da festa de fim de ano nele. Pisco de incredulidade. Mas a turma da maquiagem usou fulerenos endoédricos pra fazer o brilho e justificar esse preço?

O que sucedeu foi uma discussão conjugal que culminou numa reflexão óbvia, mas necessária. Cada um tem uma percepção diferente de valor das coisas. Pra mim, é um absurdo pagar o equivalente às reservas de capital de Honduras em uma maquiagem. Mas beber este valor é justificável. E tem gente ainda mais louca. Teve um cara que pagou 7.500 (sete mil e quinhentas libras) por um pedaço de bolo de frutas do casamento da Kate com o Príncipe William. Isso foi em 2014, três anos depois do casamento.

Aliás, bolos de frutas e whisky tem vários pontos de tangência. O perfil de sabor é um deles. Outra coisa, é que bolos de frutas podem durar décadas. Isso tem a ver com a pouca umidade, e talvez com o fato de que tem tão pouca coisa interessante lá dentro, que o doce é desprezível até para bactérias. De acordo com alguns malucos, bolos de frutas ficam até melhores depois de alguns anos. Algo que é verdade para whisky.

Fica, vai ter bolo.

É o caso, por exemplo, do The Macallan 25 Sherry Oak, que desembarcou oficialmente no Brasil há alguns meses. O rótulo é conhecido com um dos melhores da famosa e luxuosa destilaria. É também um dos mais caros à venda no Brasil, apenas atrás do 30 anos e do The Macallan M Decanter. Uma garrafa custa aproximadamente 27 mil reais. Ou seja, o equivalente a meio pedaço de bolo do casamento real – para você ver que preço é algo realmente relativo.

O The Macallan 25 anos é maturado exclusivamente em barricas de carvalho europeu que antes contiveram vinho jerez. A The Macallan, inclusive, encomenda um jerez produzido especialmente para temperar – ou melhor, curar – estas barricas. Não há informação se são de primeiro ou segundo uso. Entretanto, considerando o equilíbrio sensorial do malte, o palpite educado é que tais barris já tenham sido previamente usadas para maturar alguma expressão mais jovem da destilaria. Isso permite que se chegue ao ponto de equilíbrio mais tarde, tornando o whisky mais delicado.

EXPLICA ESSA HISTÓRIA DE TEMPERAR

Vou transcrever, a seguir, três parágrafos que já estiveram na prova do The Macallan 18 anos Sherry Oak, porque eu sei que este é um assunto polêmico e que merece atenção. Se você não quiser saber, ou já tiver lido antes, só pula pro próximo capítulo. Nos vemos lá. Ou não.

A The Macallan utiliza, de uma forma um pouquinho confusa, a palavra “seasoned” em seus rótulos – traduzido para cá como temperado – para explicar as barricas da linha Sherry Oak. “Maturados em barris temperados de vinho jerez”, dizem os rótulos. Essa é uma situação irônica. Uma destilaria que guarda tantos segredos, ao tentar esclarecer algo para o consumidor, causou ainda mais confusão. A confusão foi ainda maior porque a frase foi incluída após um rebranding da marca. O que poderia indicar que havia também uma guinada de processo. Mas nada disso aconteceu. Ao menos, não no mesmo momento do emprego da expressão.

A introdução da expressão “seasoned” serviu apenas para apontar algo que a The Macallan já fazia. E demonstra seu cuidado especial com as suas barricas. A destilaria encomenda de tanoarias espanholas, como a Tevasa, Vasyma e Hudosa, barris de carvalho europeu temperados com um jerez produzido sob medida para a The Macallan. Em outras palavras – o controle sobre o processo passa pela padronização do jerez também. Aquele jerez não é produzido para ser comercializado. Mas, tão somente, para trazer sabor às barricas que mais tarde serão preenchidas com o new-make da The Macallan.

Armazéns da Macallan

O tempo, aqui, também é chave. Há um equilíbrio fino entre a potência do barril e a influência de jerez. O prazo que o barril deve guardar o vinho espanhol deve ser somente suficiente para que este entre em seus poros, e influencie no sabor do whisky. Mas, não grande o suficiente para roubar a potência da madeira. É um tradeoff, numa progressão bem ardilosa. Mais tempo pode, discutivelmente e até certo limite, trazer mais influência do indrink, mas menos da madeira. Seja como for, a própria The Macallan diz que o prazo de cura – que aliás, é um termo bem melhor do que tempero – é de um a dois anos.

EXCLUSIVIDADE E SABOR

Assim como ocorre com o The Macallan 18 anos, o 25 anos é uma edição limitada anual. A a justificativa oficial é que, como barricas se comportam de formas distintas, cada ano trará um perfil sensorial levemente diferente para o whisky. Este Cão, entretanto, suspeita que seja uma razão mais comercial. Estampar o ano no rótulo faz com que o ávido colecionador se veja obrigado a comprar uma – ou três – garrafas anualmente, ao invés de apenas uma vez na vida. Ainda mais considerando a altíssima capacidade de padronização e qualidade da The Macallan.

A destilaria

Sensorialmente, o The Macallan 25 anos traz notas de – wait for it – bolo de frutas, alcaçuz, pimenta do reino e cravo. É um whisky curiosamente delicado para a The Macallan, fruto do quarto de século de maturação. Mas é também oleoso, com um sabor resinoso, típico dos maltes mais maturados. Dizer que é um whisky único que vale o investimento seria uma hipérbole. Mas é um líquido que, indiscutivelmente, tem sabor de caro.

Por vinte e sete mil reais, é difícil recomendar o The Macallan 25 anos. Apelar para a lógica, neste caso, é um exercício de futilidade. Nada que eu disser justificará o preço. E obviamente a The Macallan sabe disso. Macallans são produtos de luxo, criados para mexer com o desejo, status e exclusividade. Nada de errado aqui. Um bolo de frutas ordinário dificilmente custará mais do que poucas dezenas de reais. Já o – e note o artigo definido aqui – bolo de frutas do casamento real é algo diferente. Ele não é um bolo de frutas. Ele é um objeto que transmite muito mais sobre seu comprador do que sobre si mesmo.

Mas, se me permitem um último sussurro, e que ninguém me ouça, é bom demais.

THE MACALLAN 25 ANOS SHERRY OAK

Tipo: Single Malt

Destilaria: The Macallan

Região: Speyside

ABV: 43%

Notas de prova:

Aroma: uvas passas, especiarias, gengibre, frutas cristalizadas, açúcar mascavo.

Sabor: Frutas secas, ameixas secas, uvas passas, figos secos. Final longo e delicado, puxado para o açúcar mascavo e passas.

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