Singleton of Dufftown – Curva de Aprendizado

Quando tinha uns quatorze, quinze anos, resolvi que aprenderia a falar russo. Sei lá porque decidi aprender russo. Talvez porque eu não fosse esquisito o suficiente já, trinta quilos acima do peso, jogando RPG e desenhando no intervalo das aulas do que outrora era conhecido como colegial. Meus pais, sempre dispostos a estimular meus interesses mais excêntricos, logo encontraram uma excelente professora. Fazia duas aulas por semana. Falar já era bem difícil, mas o pior de tudo mesmo era ler. E o alfabeto cirílico não ajudava nem um pouco. Depois de um ano, minha professora me deu um livro pra ler sozinho. Três Porquinhos. Indaguei se não havia uma leitura mais interessante. Meu querido, todo mundo precisa começar do básico. Você não vai entender, se eu te der um Pushkin, Maiaskovski ou Dostô. Acenei com a cabeça. No final, não entendia direito nem mesmo a história do trio de suínos. Mas conhecia a versão em português, e assim consegui preencher as lacunas de minha inabilidade linguística. Essa semana, me vi recordando do conto infantil na língua eslava ao provar um single malt recém chegado ao Brasil. O Singleton of Dufftown – mais um da tríade (não posso deixar de notar […]

Mortlach 16 anos – Drops

Deixe-me começar o texto de hoje com um pouco de autoajuda. O importante é reconhecer os próprios erros. Mas não apenas isso. Porque, bom, eu reconheço uma infinidade de coisas, como que exagerei no almoço ou que bebi demais certo dia. E apesar disso, apesar de jurar, de barriga estourando e embriagado, que jamais farei isso novamente, sei que isso é uma mentira tão efêmera quanto minha sensação de enfastiamento e vertigem. O importante não é perceber que errou. O importante é mudar. E ainda que meu empenho não seja dos melhores, o da Mortlach – famosa destilaria localizada em Speyside – é. É que há alguns anos, um dos rótulos mais disputados da linha Flora & Fauna da Diageo era um certo Mortlach 16 anos – já revisto aqui. Era um whisky pungente, vínico e ao mesmo tempo sulfuroso. Tão bom que elevou a fama da Mortlach e levou sua proprietária e reformular seu portfólio, dando destaque à destilaria. O problema é que a outrora nova linha não era, nem de perto, tão boa quanto a expressão predecessora. A maturação em ex-bourbon – predominante naquela linha – não agradou. Tampouco o preço, que se elevara a ponto de tornar […]

Glenfiddich Fire & Cane – Drops

A primeira dose de 2019 para o Cão Engarrafado. Queria algo que fugisse do óbvio, mas que, ao mesmo tempo, trouxesse alguma familiaridade. Algo que se relacionasse com o espírito do ano novo. Aquela sensação de renovação, mas alicerçada nas mesmas convicções e atitudes. Enfim, algo que soasse novo, experimental, mas que na verdade fosse apenas uma visão, por outro ângulo, de algo conhecido. Não demorou muito para me decidir. Escolhi o Glenfiddich Fire & Cane. O Glenfiddich Fire & Cane é a quarta expressão da Glenfiddich Experimental Series – da qual fazem parte também o Project XX, Winter Storm e IPA Cask, já revisto nestas páginas caninas. Como sua intuição semântica já deve ter indicado, a série se dedica a whiskies com alguma característica considerada, pela Glenfiddich, como experimental. Uma finalização incomum – como no caso do IPA – ou um processo de blending inusual, como o Project XX. No caso do Glenfiddich Fire & Cane, o alegado experimento fica por conta de duas características. A primeira delas é o uso de barricas de rum para finalização – provavelmente Wood’s ou Sailor Jerry, que fazem parte do portfólio da William Grant & Sons. A destilaria não divulga o tempo […]

Drops – Mortlach 16 Flora & Fauna

Alguns whiskies são bons. Outros são muito bons. Alguns, excelentes. Mas há poucos que são tão formidáveis que conseguem retirar da obscuridade sua destilaria, outrora quase negligenciada – ou melhor, subvalorizada – e torná-la uma das mais desejadas entre os apreciadores e engarrafadores independentes. Este é o caso do Mortlach Flora & Fauna, um despretensioso rótulo lançado pela Diageo há algumas décadas. A linha Flora & Fauna da Diageo tem como objetivo colocar em foco as destilarias menos conhecidas de seu enorme portfólio, e dar a chance ao público de provar, como single malts, muitos dos whiskies utilizados em sua seleção de blended whiskies. Ao longo dos anos, foram vinte e seis rótulos diferentes. A série contou com destilarias hoje bem conhecidas, como Caol Ila e Clynelish. E até mesmo destilarias que atualmente não fazem mais parte do cluster da Diageo participaram, como Aultmore – hoje, pertencente à Bacardi. Dentre estes vinte e seis rótulos, porém, um dos mais bem recebidos foi o Mortlach 16 anos Flora & Fauna. Maturado principalmente em barricas de ex vinho jerez espanhol, e com um caráter oleoso e sulfúrico, a expressão tirou a Mortlach da quase obscuridade. Por conta do sucesso, a própria Diageo lançou, […]

The Macallan Edition No. 3 – Aroma Exclusivo

Dama-da-noite tem cheiro de dente quebrado. Não para todo mundo, mas para mim. Sempre que sinto o aroma da flor, passo discretamente a língua sobre minha arcada, enquanto sinto um descompasso de alívio no coração. Ufa, é só a flor, nada caiu dessa vez. É que aos oito anos de idade, quebrei um dente. Corria no jardim da minha avó, ao entardecer, ao lado de alguns vasos de dama da noite. Lembro-me vividamente da luz crepuscular, do aroma de jasmim, e do desequilíbrio sucedido pelo apagão e o gosto de ferrugem na boca. Até hoje, se sinto o aroma de dama-da-noite, sou remetido, involuntária e automaticamente àquela lembrança. A memória olfativa é algo poderoso. Essa clareza de reminiscência tem um nome. Fenômeno Proustiano. É uma homenagem ao escritor francês Marcel Proust, que descreveu em seu “Em Busca do Tempo Perdido” como o aroma de biscoitos molhados no chá remontava a casa de sua tia. A ciência, inclusive, já se debruçou sobre este fenômeno. De acordo com pesquisadores ingleses, a vividez de lembranças trazidas por odores ocorre por conta de nossa conformação cerebral. A região do cérebro que processa odores está situada no interior do sistema límbico, ligado às emoções. E […]

Autoindulgência – Glenfiddich 26 anos Excellence

Dia desses estava no carro, dirigindo da forma que sempre faço. Como se tivesse roubado o automóvel do tinhoso, e este me perseguisse montado em um míssil tomahawk. Estava na pista expressa de uma marginal sem muito transito, e precisava entrar na local, que estava parada – mas que possuía uma pista de conversão absolutamente livre. Esta pista era pequena, e terminava em um muro. O que fiz teria sido genial, não fosse totalmente ridículo. Continuei na expressa até o último momento, dando pequenos toquinhos no breque, simulando estar perdido e indeciso. Aí, no último momento, reduzi bastante a velocidade e entrei, agradecendo efusivamente ao carro de trás, que havia me salvado de minha simulada imperícia. Furei fila e ninguém ficou bravo. Naquela hora, não me preocupei muito. Eu estava atrasado para minha reunião, e precisava chegar a tempo. Em outra oportunidade, estava em uma faixa de conversão numa grande avenida. Minha fila estava parada, mas aquela contígua à minha andava bem. Tão bem que outro carro resolveu abraçar a oportunidade. Ele seguiu por aquela faixa até o momento de virar à direita, e, rapidamente e sem muito sinal, entrou na minha frente. Eu fiquei furioso. Meu caro motorista, você […]

Da Alegria e Escuridão – Macallan Oscuro

Sabe, sempre fui uma criatura das sombras. Apesar de não ser um notívago, algo na noite sempre me atraiu. Talvez fosse seu silêncio, ou sua calma. Ou a falta de obrigações. Não, acho que não. Provavelmente é a sensação de melancolia trazida por aquele horário do dia. Faz sentido quando penso que meu livro preferido, por muito tempo, foi Memórias do Subsolo, de Dostoievski e uma das minhas obras clássicas mais caras, a Sinfonia nº 3 de Gorecki. Ambas, obras que ilustram a queda e a total ausência de esperança, em um tom taciturno e profundo. Na verdade, desde cãozinho sempre gostei mais daqueles dias de céu dramático, com nuvens plúmbeas entremeadas por raios de sol fugazes. E da consequente tempestade, tão agitada, mas que a tudo mais impunha um certo ar de calma. Uma noite antes do sol se por. Uma paradoxal sensação de conforto melancólico difícil de explicar. h Tive sensação parecida quando soube da existência de um single malt de uma das mais respeitadas destilarias da Escócia. O nome – muito apropriado – me parecia irresistível. Macallan Oscuro. Mas, por um dramático preço de aproximadamente setecentas libras, resolvi que seria prudente até que uma oportunidade de o […]

Irmão do Meio – Glenlivet 15 anos

Sou filho único. O que, para falar a verdade, não quer dizer muita coisa. Crescer sem irmãos não significa que tenha conseguido tudo que quero. Nem que seja mimado ou estragado, e tampouco egoísta. Quer dizer, exceto com comida. Comida é algo realmente difícil de dividir. Ser filho único, porém, significa que tive que responder mais de um sem fim de vezes a clássica indagação. Se eu não sinto falta de ter irmãos. E minha resposta, desde a mais tenra idade, sempre foi a mesma. É claro que não, afinal, não poderia sentir falta de algo que nunca tive. Minha mãe, no entanto, possui irmãos. E ela está na pior posição possível. Ela é a irmã do meio. O que, para ela, significava ter as refeições roubadas pelo irmão mais velho enquanto era solenemente ignorada pelos pais, em favor do irmão mais novo. Significava não ter idade para fazer algumas coisas que o primogênito fazia, mas ser velha demais para se envolver com as atividades de criancinha do caçula. Segundo ela, galgar espaço como a irmã do meio não era nada, nada fácil. Relembrei disso ao experimentar novamente, após bastante tempo, o Glenlivet 15 anos. O Glenlivet 15 é a expressão […]

Drops – Aultmore 18 anos

A Escócia possui muitas destilarias. Algumas delas são amplamente conhecidas, como Ardbeg, Laphroaig, Macallan, Glenfiddich e Glenlivet. Estas brilham com single malts já bastante renomados e conhecidos até mesmo do público que não é assim, tão fascinado por whiskies. Outras, porém, não são tão conhecidas. E sair da obscuridade para cair nas graças do público não é exatamente uma tarefa simples, ainda que, certas vezes, aconteça. É o caso da Mortlach, que adquiriu fama com seu Flora & Fauna 16 anos, a ponto de ser reposicionada pela Diageo – sua detentora – como um malte super premium, precificado ombro a ombro com The Macallan. Às vezes é preciso um pouco mais do que um bom malte. Um empurrãozinho do pessoal de marketing, por exemplo, ajuda bastante. E aí é que está o Aultmore. Mais especificamente, o Aultmore 18 anos. O Aultmore era – quer dizer, ainda é – um malte bastante usado nos blended whiskies da Bacardi, como o Dewars, mas que não aparecia muito em voo solo. Até que aquela resolveu que o destacaria também como um single malt. Reunindo outras destilarias sob seu comando, a Bacardi criou um grupo com um nome bastante modesto. Os  The Last Great […]

Drops – The Macallan Whisky Maker’s Edition

Roger Moore faleceu. Mas você já sabe disso. E você provavelmente sabe também que o ator que tornou-se mundialmente famoso por representar o agente secreto mais conhecido do cinema: James Bond. Foi ele que participou de mais filmes da franquia – sete ao todo – concorrendo apenas com Sean Connery. Roger apresentou um James Bond menos irônico, mais sisudo e menos nonsense – ainda que isso não signifique muita coisa para James Bond. O que você talvez não saiba é que durante os sete filmes em que viveu Bond, Moore nunca pediu um Martini de Vodca batido e não mexido. E que, curiosamente, seu contrato com a franquia possuía uma cláusula que lhe dava direito a um estoque ilimitado de charutos Montecristo. E, por fim, que Roger Moore morria de medo de armas de fogo. Algo, que, convenhamos, é plenamente justificável, mas que talvez seja um pequeno empecilho quando se é encarregado de representar um agente secreto com licença para matar. Outra coisa que, incrivelmente, nunca contracenou com Moore foi whisky. A paixão de Bond pela destilaria The Macallan surgiu muito mais tarde. Apenas com o advento do novo milênio que 007 incluiu o single malt em sua lista de bebidas preferidas – […]