Drops – Mortlach 16 Flora & Fauna

Alguns whiskies são bons. Outros são muito bons. Alguns, excelentes. Mas há poucos que são tão formidáveis que conseguem retirar da obscuridade sua destilaria, outrora quase negligenciada – ou melhor, subvalorizada – e torná-la uma das mais desejadas entre os apreciadores e engarrafadores independentes. Este é o caso do Mortlach Flora & Fauna, um despretensioso rótulo lançado pela Diageo há algumas décadas.

A linha Flora & Fauna da Diageo tem como objetivo colocar em foco as destilarias menos conhecidas de seu enorme portfólio, e dar a chance ao público de provar, como single malts, muitos dos whiskies utilizados em sua seleção de blended whiskies. Ao longo dos anos, foram vinte e seis rótulos diferentes. A série contou com destilarias hoje bem conhecidas, como Caol Ila e Clynelish. E até mesmo destilarias que atualmente não fazem mais parte do cluster da Diageo participaram, como Aultmore – hoje, pertencente à Bacardi.

Dentre estes vinte e seis rótulos, porém, um dos mais bem recebidos foi o Mortlach 16 anos Flora & Fauna. Maturado principalmente em barricas de ex vinho jerez espanhol, e com um caráter oleoso e sulfúrico, a expressão tirou a Mortlach da quase obscuridade. Por conta do sucesso, a própria Diageo lançou, em meados de 2014, um conjunto de rótulos próprios de Mortlach. Mas talvez o Flora & Fauna tenha elevado demais as expectativas, porque as garrafas da série oficial nunca alcançaram grande sucesso. Engarrafadores independentes – como a Gordon & McPhail – porém, têm lançado rótulos incríveis da destilaria.

Como o singelo Mortlach Generations, de 75 anos de idade.

Diz-se que os Mortlach são 2,81 vezes destilados. Não é um processo muito fácil de ser explicado, mas deixe-me tentar. Se não tiver interesse em ler esta torturante descrição do processo de destilação da Mortlach, pule três parágrafos. Ou esmere-se com minha capacidade de tornar qualquer assunto empolgante extremamente enfadonho.

Vamos começar com a parte fácil. A Mortlach possui três alambiques de primeira destilação (conhecidos como wash stills) e três de segunda (spirit stills). O wash – o mosto fermentado, proveniente dos washbacks – é dividido igualmente e carregado nos três wash stills. Os low wines – o resultado da primeira destilação – do wash still no. 3 é carregado normalmente no spirit still de no. 3, e destilado. Cabeça e cauda são cortados, e temos o new-make spirit (ou white dog) do par de alambiques de número 3.  Até aí, nada fora do normal.

O problema é a dança das cadeiras dos dois primeiros alambiques de primeira e segunda destilações. Os low wines dos alambiques de número 1 e 2 são divididos em duas partes desiguais. Os primeiros 80%  dos low wines da primeira destilação são carregadosno spirit still de número 2. Os 20% restantes (compostos principalmente de cauda) são colocados no spirit still de número 1, conhecido como “The Wee Witchie” – em português, a Bruxinha Pequenininha, o que prova que muitas palavras realmente perdem toda a mágica quando traduzidas.

E tem mesmo uma bruxinha (fonte: misswhisky.com)

Essses 20% de cauda são então destilados três vezes, e somente seu coração é coletado e aproveitado. Ele é então misturado com o new-make spirit dos demais alambiques de segunda destilação. Por conta desse processo maluco, e fazendo uma conta igualmente doida, tem-se que o new-make da Mortlach é destilado 2,81 vezes. Isto, aliado a uma destilação rápida, uma alta carga nos alambiques e o uso de worm tubs (ou serpentinas) para condensar os vapores, traz uma característica bastante particular aos Mortlach, que muitos definem como “carnuda”. É um aroma que remete a enxofre, só que gostoso.

Se você se interessou, trago boas notícias. Ao final de 2018, o portfólio da Mortlach foi novamente revisto. E, de acordo com a destilaria, os whiskies lançados remontam bastante o querido Mortlach 16 anos Flora & Fauna. A nós – e a este ansioso canídeo, que tem no Mortlach Flora & Fauna um de seus whiskies preferidos – basta esperar. E torcer que os novos lançamentos estejam à altura do legado daquele então tão singelo rótulo.

MORTLACH 16 FLORA & FAUNA

Tipo: Single Malt Whisky com idade definida – 16 anos

Destilaria: Mortlach

Região: Speyside

ABV: 43%

Notas de prova:

Aroma: frutado, com influência vínica clara. Frutas vermelhas e passas. Levemente sulfúrico

Sabor: Oleoso. Frutado e vínico. Jerez oloroso, chocolate, frutas secas. Final longo e progressivamente mais seco e sulfúrico.

Preço: 200 GBP

Disponibilidade: Lojas internacionais

11 thoughts on “Drops – Mortlach 16 Flora & Fauna

  1. Prezado cão, o que achas do Glenfiddich 15 anos? até hoje, o máximo que bebi foi Red e Black Label, mas a curiosidade sobre single malt é grande. Já comprei a garrafa do Glenfiddich.

  2. Caro Maurício,

    Não sei se entendi plenamente sua descrição para o processo da Mortlach, mas seu texto provocou uma viagem no tempo. Por anos mantive a curiosidade sobre o destino da ‘calda’ e da ‘cabeça’ no processo de destilação pot still. Eu tinha convicção que em ambas permaneceria grande quantidade de etanol que não se transformaria em whisky. Finalmente li em algum lugar (ou foi delírio?) que uma parte é reciclada juntando-se ao mosto que será a carga do wash still (primeira destilação). Considerando que minha história é verdadeira, nenhum whisky é produzido com um número inteiro de etapas de destilação. Tanto a ‘calda’ da primeira destilação quanto a ‘calda’ e a ‘cabeça’ da segunda (spirit still) possuem substâncias indesejadas no produto final, mas eu teria coragem de fazer o que fiquem sabem que no final das contas fazem. O que não passaria na minha cabeça era reciclar calda na segunda destilação. Isso na primeira metade do século passado, porque hoje devem possuir unidades piloto e cromatógrafos para ensaios que garantam o sucesso das heterodoxias.

    O Mortlach 16 ys – Fauna & Fauna certamente está entre os melhores single malts que já tomei. Meu palpite é que a turma inventou essa conversa de 2,81 destilações e uma bruxa porque ficaria meio esquisito falar a verdade: “Nós produzimos um whisky excepcional porque somos bons nisso”.

    Abraços

    1. Caro Sócrates,

      Simplificando a explicação – parte da cauda é coletada e redestilada uma terceira vez. Isso é que traz um certo aroma sulfúrico para o Mortlach, bem característico da destilaria.

      Sobre a cauda – você pode fazer duas coisas. A primeira é adicionar ao mosto que será fermentado, para acelerar o processo e economizar matéria prima (talvez haja alguma explicação sobre o PH, mas não sei ao certo, já que a propria cevada maltada já ajusta o PH para uns 5,5, ideal para as saccharomyces). A segunda opção é re-destilar a cauda e a cabeça (foreshots and feints) na proxima destilação. destilarias diferentes usam metodos diferentes, mas a maioria das escocesas escolhe a segunda alternativa.

      E concordo com você. Ou melhor “somos bons e destemidos, mas vocês não querem saber porque, então fiquem com a explicação da bruxa e desse número doido”.

    1. Marcos, preciso de um pouco mais de ajuda para recomendar. Me diga alguns whiskies que você gosta e que sejam bem amadeirados!

      1. certo amigo…
        O que eu tenho tomado com muita frequência é o Jim Beam Devil’s Cut, exageradamente amadeirado e eu curto isso!
        Tenho interesse em alguma “linha” parecida (bourbon) ou até mesmo um single malt, desde que a madeira fosse muito evidente na bebida. Então, recomendações assim que são bem vindas.
        Pra mim o Devil’s cut seria a bebida perfeita se ele fosse um pouco mais “premium”.
        Forte abraço Cão!

        1. Marcos, talvez você goste dos bourbons mais maturados. Infelizmente, aqui no Brasil, as opções são escassas. Já tentou o Woodford Reserve? Se sim, o que achou?

          Fora do Brasil, procure Bourbons cuja maturação seja igual ou superior a dez anos. O clássico custo-beneficio é o Eagle Rare!

  3. Como vai, mestre?
    Uma vez falávamos sobre o Mortlach e seu preço exorbitante. Gosto bastante de ex sherry. Na verdade é meu quinto tipo de whisky preferido, logo após o Defumado, Defumado, Defumado e Defumado hahaha.
    Existe uma grande diferença entre os tipos de ex sherrys? Por exemplo oloroso é muito diferente de PX? E já que o senhor citou Clynelish, a versão 14y é bacana? Não possui filtragem a frio, o que já me agradou bastante.

    Grande abraço!

    1. Mestre, tudo certo?

      1) Existe bastante diferença. O jerez PX é bem adocicado, lembra vinho do porto ou madeira, ainda que seja um pouco mais ácido. Já o Oloroso é seco e oxidado, e quase não tem dulçor. Ele que dá as especiarias que tanto apreciamos nos sherried whiskies. A graça, na verdade, é misturar as duas coisas. PX e Oloroso, para atingir equilibrio e complexidade sensorial. O Mortlach FF é mais puxado para o Oloroso do que PX, though.

      2) Clynelish é muito legal. É um dos meus preferidos dos flagships das destilarias da Diageo. Ele tem um certo “sulphury” ou “enxofre” muito característico e que funciona super bem na proposta dele. Muta gente diz que ele é levemente defumado. Eu, sinceramente, não sinto. E acho que as pessoas confundem com o sulfúrico.

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