Dia desses estava no carro, dirigindo da forma que sempre faço. Como se tivesse roubado o automóvel do tinhoso, e este me perseguisse montado em um míssil tomahawk. Estava na pista expressa de uma marginal sem muito transito, e precisava entrar na local, que estava parada – mas que possuía uma pista de conversão absolutamente livre. Esta pista era pequena, e terminava em um muro.
O que fiz teria sido genial, não fosse totalmente ridículo. Continuei na expressa até o último momento, dando pequenos toquinhos no breque, simulando estar perdido e indeciso. Aí, no último momento, reduzi bastante a velocidade e entrei, agradecendo efusivamente ao carro de trás, que havia me salvado de minha simulada imperícia. Furei fila e ninguém ficou bravo. Naquela hora, não me preocupei muito. Eu estava atrasado para minha reunião, e precisava chegar a tempo.
Em outra oportunidade, estava em uma faixa de conversão numa grande avenida. Minha fila estava parada, mas aquela contígua à minha andava bem. Tão bem que outro carro resolveu abraçar a oportunidade. Ele seguiu por aquela faixa até o momento de virar à direita, e, rapidamente e sem muito sinal, entrou na minha frente. Eu fiquei furioso. Meu caro motorista, você não é esperto. Você é um cretino – pensei. Aí lembrei daquele dia da marginal. Naquele dia eu até podia estar atrasado, mas meu atraso dependia apenas de mim. Eu deveria ter saído de casa mais cedo.
A verdade é que todos nós temos um certo grau de hipocrisia. Ela se manifesta das mais variadas formas e momentos. O trânsito é uma delas. A outra é a hora de fazer compras. No supermercado, sempre convenço a querida Cã a levar a marca genérica mais barata de shampoo, água sanitária e amaciante de roupas. Mas quando compro whisky online, organizo a loja do artigo mais caro pro mais barato. Todo mundo é assim, apenas as prioridades mudam. Somos ao mesmo tempo ultra críticos e autoindulgentes. Uma combinação tão hipócrita quanto natural.
Sou bem permissivo em relação a meus gastos com whisky. E ainda tenho a justificativa mais surreal de todas: é para o blog. Porém, em muitos casos, nem mesmo essa hipocrisia resolve. É o caso do Glenfiddich 26 anos – a mais exclusiva expressão da destilaria no Brasil e talvez, atualmente, o single malt mais caro à venda em nossas terras. Sempre quis provar aquela maravilha. Mas a falta de coragem e, principalmente, o limite de crédito superavam a autoindulgência. Achei que jamais experimentaria aquele malte.
Até que uma oportunidade áurea surgiu. A convite do embaixador da marca para a América Latina, Christiano Protti, e da Caruso Lounge, este Cão participou de uma difícil tarefa. Ainda mais para uma segunda-feira chuvosa. Provar a linha completa da Glenfiddich no Brasil, desembocando naquele incrível 26 anos, em um jantar harmonizado preparado pela masterchef Irina Cordeiro. E com direito a um charuto para finalizar. Tudo – da entrada ao espetacular final – impecável.
Mas vamos ao que todos querem saber. O Glenfiddich 26 anos. O Glenfiddich 26 anos é maturado exclusivamente em barricas de carvalho americano. Mas barricas de carvalho americano muito especiais. Barricas produzidas pela Kelvin Cooperage, do Kentucky, que assim como a Glenfiddich, é até hoje controlada por uma família, desde sua fundação em 1963. Uma família Escocesa, diga-se de passagem. Isso é um detalhe importante. Não porque faz qualquer diferença no destilado – ainda que a qualidade da barrica tenha certa influência. Mas porque traz uma mensagem importante. Ela reflete os valores da própria Glenfiddich, que apesar de ser uma das maiores destilarias da Escócia, é até hoje detida pela família de seu fundador – os Grant.
Aliás, por falar em sua maturação, o Glenfiddich 26 anos é a primeira expressão da destilaria que utiliza exclusivamente carvalho americano. Algo que, para muitos, poderia trazer a impressão de um whisky unidimensional e simples. Mas não é o caso aqui. Ainda que delicado, o Glenfiddich 26 anos apresenta uma complexidade incrível. Seu começo é bastante frutado, com um certo mel e açúcar mascavo muito pronunciados. O paladar, porém, se desenvolve rapidamente, dando origem a algo semelhante a abacaxi e couro (é sério isso). O final é médio e floral, com bastante baunilha. É talvez o mais elegante dos whiskies da linha da Glenfiddich já provada por este Cão.
Aliás, é curioso como um whisky maturado somente em um único tipo de barril pode desenvolver tamanha complexidade. Muito se fala hoje sobre finalização. Whiskies que passam os últimos anos de sua maturação em barricas de diferentes bebidas, de forma a agregar e complementar sabores. Uma forma de, em menos tempo e com certa técnica, criar um produto complexo e, ao mesmo tempo, acessível. O Glenfiddich 26 anos, porém, é o contrário disso. Sua complexidade provém do tempo. De mais de duas décadas e meia de oxidação em barricas de uma única espécie, cuidadosamente selecionadas e misturadas. Isso é o que há de mais incrível nele. Por mais tentador que seja, não há atalhos, e o resultado é impressionante.
No Brasil, o Glenfiddich 26 anos custa a pechincha de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), em média. Isso o torna o single malt mais caro já revisto por aqui e que esteja à venda em nosso país. É bem caro. Com esse valor, você pode comprar aproximadamente sete garrafas do Glenfiddich 18 anos. Ou 12 do querídissimo Glenfiddich 15. E se você quiser dar uma festa, vinte e duas garrafas da expressão de entrada da destilaria, o 12 anos. O que significa, mais ou menos, que uma dose deste belíssimo primogênito equivale a uma garrafa inteira de seu irmão caçula.
Mas tudo isso não importa muito. O Glenfiddich 26 é, na verdade, uma declaração. Uma declaração de que tudo aquilo que é bem feito terá sempre seu lugar. Que a paciência e a atenção aos detalhes ainda podem criar produtos extraordinários, luxuosos e surpreendentes. Mesmo quando a técnica é capaz de – muitas vezes – se equiparar ao tempo, ou quando é tranquilo virar da faixa da esquerda direto pra da direita.
GLENFIDDICH 26 ANOS
Tipo: Single Malt Whisky com idade definida – 26 anos
Destilaria: Glenfiddich
Região: Speyside
ABV: 43%
Notas de prova:
Aroma: frutado, com baunilha bem aparente e um certo cítrico floral. Nectarinas. Maçã.
Sabor: Frutado e cítrico, com baunilha, canela e maçã. O sabor da madeira está bem aparente, na forma de taninos e uma certa castanha. O whisky começa mais amargo, e progressivamente vai se tornando adocicado até terminar praticamente em baunilha e canela. Final longo.
Com água: a água reduz a impressão dos taninos e potencializa o sabor frutado e floral (baunilha).
Pelo que entendi, muito acentuado a baunilha, mel e caramelo pelo barril, correto?
Mestre, não. Na verdade, um whisky bem delicado e equilibrado. A madeira está mais nos taninos e naquele sabor de castanhas, bem característico. Uma coisa compensa a outra. Além disso, vale lembrar que boa parte das barricas não é first-fill, exatamente para não desequilibrar o produto.
Whisky Glenfiddich Grand Cru 23 Anos 43% 700ml já provaram? Vale o investimento na casa dos R$ 2.000,00?
Sim senhor, e sim senhor, vale. Mas, por que 2 mil reais? No Duty-Free de GRU custa 250 USD. Alguém tá embolsando uma grana.
Ele não tem importação oficial, tbm. Então, provavelmente você está comprando de alguem que comprou em Guarulhos ou algum Dufry e está metendo um sobrepreço
Eu lembro de quando quebrei a barreira dos 100 reais pra um destilado. Foi com um Gentleman Jack. Comprado no Uruguai. Entre mais 3.
Oquei, fajuto. Mas foi importante pra mim. Foi quando eu me dispus a dispender um pouco mais pela qualidade, a não olhar apenas o preço. Não que eu não olhasse a qualidade antes, mas o preço era sempre fator decisivo. Mais de 15 reais por uma cachaça era proibido – na época que Ypióca e Velho Barreiro Gold estavam sempre abaixo disso. Uísque, então, acima dos 60 já era “pra quem quer gastar mesmo” – na época que o Red Label e o White Horse disputavam minha atenção com uma nota de 50 reais na mão pra misturar com Coca depois.
Eu não acho que um dia vá provar o Glenfiddich 26, é muito caro. Mas, pelo menos, agora entendo (e até admiro) quem gaste por ter esta experiência única. Aliás… Quem sabe no futuro?
Caro Neloy, essa é justamente a ideia. É que o conhecimento te faz beber melhor. Porque você consegue escolher e bebe por prazer, mas não para ficar doidão. Meus parabéns, mereceria a prova de um Glenfiddich 26. Aliás, me chama para essa degustação! haha!
Como vai, mestre?
Fico abismado com seu comprometimento em enfrentar tamanha árdua tarefa em nome do blog, caro hahaha.
São nossas terríveis e inadiáveis obrigações!
Gostaria de aproveitar a oportunidade e lhe fazer o seguinte questionamento (já que surgiu o assunto dos valores):
Eu sei que haverá a eterna disputa entre Single Malt e o Blended. Entã,o o que o senhor acha? Vale a pena investir por exemplo num Single Malt de entrada como o Aberfeldy 12 ou deveria investir num Blended mais “pesado”.
Como havia mencionado, vi o Dewar’s 15y. Também o 18y, J&B 15y e o Old Parr 18y, porém por um valor próximo é possível investir num single malt.
Lembro ao senhor que o investimento pesado ficará em Islay haha.
Grande abraço!
Fala mestre! Putz, essa é uma pergunta bem complicada, porque ela varia de caso para caso. Veja bem, o Ardbeg 10 é um single malt de entrada, se você pensar bem. Assim como Talisker 10, Laphro 10 e Benromach 10. E são todos inacreditavelmente incríveis (é, eu sei, isso é um plenoasmo). Existem blends mais parrudos que trocaria fácil por alguns single malts na mesma faixa, como o Chivas 18 e o Balla 17. Mas existem blends bem maturados que na verdade acho simplesmente corretos (Buchanan’s 18, por exemplo). Acho que não tem uma regra – vai do bom senso e do gosto. Tem algum que está mais na sua mira?
Dica interessante em tempos de libra a 6,20 reais
Na amazon brasileira está em promoção por 1650 reais, mais barato que na origem
Bela dica!
Olá! Tenho um 18 anos excellence mas ainda não tive coragem de abrir. Você já teve a oportunidade de degusta-lo?
Parabéns pelo blog!
Sim senhor, e recomendo que abra logo 😀