Nomear é um ato de dominação. É o que afirma o professor e teórico cultural Edward Said em seu livro Orientalism. Um exemplo perfeito disso é um animal pitoresco — veja só, já caí na armadilha da linguagem enviesada — a galinha-d’Angola. Ela é, cientificamente, Numida meleagris, e não vive apenas em Angola. Mas, também, em países vizinhos da áfrica subsaariana, como congo e Moçambique.
Antes de ser chamada galinha-d’Angola — nome atribuído pelos colonizadores portugueses — ela provavelmente respondia (ou melhor, era chamada, já que não responde) por alguma designação ancestral em kimbundu. Mesmo hoje, em Angola, ela não é chamada por esse título nobiliárquico que os portugueses lhe atribuíram ao exportá-la. Ela é “galinha-do-mato” ou “capota”.
O nome “galinha-d’Angola” é uma espécie de etiqueta de alfândega cultural: um carimbo europeu colado em penas africanas. Assim como a Francesinha, esse sanduíche lusitano com atributos cardiológicos temerários, que em Paris nem existe. Por lá, come-se croque-monsieur, que provavelmente foi a inspiração para o tradicional prato de do Porto. Diga-se, o Porto cidade, não eu.
O que é de fora parece mais interessante quando envernizado com um nome exótico. Mas, na terra natal, essas iguarias não precisam de passaporte nem sobrenome. E isso também se aplica à passagem do tempo. No final do século XVIII, o Old Fashioned não tinha esse nome. Era apenas um Whiskey Cocktail. Afinal, acabara de nascer — e seria um contrassenso chamá-lo de “à moda antiga”.
O nome Old Fashioned surgiu, na verdade, por oposição. Ao longo de seus mais de duzentos anos de existência, os bartenders começaram a criar variações do Whiskey Cocktail. Surgiram os chamados Improved Whiskey Cocktails, termo que já carrega em si uma falácia linguística: improved, em inglês, significa “melhorado”. Porque, sinceramente, vejo pouquíssimo espaço para melhora em um coquetel que sobreviveu bravamente por mais de dois séculos.
Os clientes que desejavam o coquetel original, sem firulas, passaram então a pedir um Old Fashioned. Os Improveds seguiam a mesma estrutura — whiskey, um agente de dulçor e bitters — mas com variações nos ingredientes. Assim nasceram coquetéis como o Fancy Free e, provavelmente, o próprio Manhattan, que depois virou praticamente uma classe à parte (mas isso é papo para outro dia).
Um Improved Whiskey Cocktail em específico, porém, ganhou o direito involuntário de ser chamado pelo nome próprio — com letra maiúscula. A receita leva bourbon ou rye whiskey, licor de maraschino, xarope de açúcar, absinto e Angostura bitters. A edição de 1887 do Bar-Tender’s Guide or How to Mix Drinks, de Jerry Thomas, traz a primeira menção escrita a ele — bem como às variações com gim (Improved Gin Cocktail) e conhaque (Improved Brandy Cocktail). Talvez fosse mais fácil apenas explicar a estrutura da mistura e dizer que, dali em diante, valia tudo.
Independente de sua nomeação, melhorado ou não, o Improved Whiskey Cocktail é excelente. É também um maravilhoso ponto de partida para qualquer apaixonado por bebidas que esteja se sentindo criativo – algo bem comum, especialmente depois de poucas doses. Assim, querido leitor, teste a receita abaixo. Mas use-a sem moderação, e chame do que quiser — mas beba com reverência.
IMPROVED WHISKEY COCKTAIL
INGREDIENTES
- 60ml Rye Whiskey ou Bourbon
- 1 bailarina de Luxardo Maraschino
- 7,5ml xarope simples
- 1 dash de bsunto
- 1 dash de Angostura Aromatic Bitters
- Parafernália para misturar
PREPARO
- Adicione todos os ingredientes em um mixing glass com gelo, e misture até ficar gelado
- desça em um copo com gelão (ou gelinhos bons)
- A guarnição clássica é uma casca de limão siciliano. Mas ouse como preferir. Se for comestível, coma seu garnish. Sempre.