Jim Beam Rye – Resgates

Sábado, dez horas da manhã. Interfone toca. Dois pacotes na portaria. Dou um discreto salto de antecipação enquanto, quase que simultaneamente, chamo o elevador e amarro a máscara sobre os inevitáveis mullets de quarentena. Adoro receber o que comprei pela internet – a distinção de tempo entre pagar e receber faz tudo parecer um presente.

Resgato os dois pacotes, abro o primeiro. Sinto meu semblante de antecipação derreter lentamente para um de decepção. Um quebra-cabeças, comprado pela Cã. Hábito antigo, de criança, que voltou que graças ao tédio proporcionado pela reclusão social. Entendo. É um passatempo perfeito para dois mil e vinte – barato, intelectualmente desafiador e cem por cento compatível com o distanciamento social. Não é à toa que a tradição de montar quebra-cabeças está voltando. Mas acho um saco.

Me volto para o segundo pacote, ainda com resquícios de decepção do primeiro. Mas, aqui, a história muda. Meus olhos brilham quando vejo o pescoço verde de uma garrafa que há muito antecipei. O Jim Beam Rye – que acaba de chegar ao Brasil oficialmente. Ignoro o horário – ainda é antes do almoço – e já vou logo abrindo a garrafa. Adoro whiskey de centeio. Aliás, falando sobre tradições que renasceram, o rye whiskey é, provavelmente, uma das melhores.

E esse cabelinho uma das piores.

É que rye whiskey era o estilo predominante nos Estados Unidos antes da Lei Seca. O centro da produção estava nos estados de Maryland e Pennsylvania. Porém, por conta do Volstead Act, a vasta maioria das destilarias encerrou sua produção. Quando o nobre experimento foi revogado, a produção voltou-se para o Bourbon whiskey e o Rye foi praticamente esquecido. O estilo voltou à voga recentemente, com o renascimento da coquetelaria, e a busca dos bartenders por receitas clássicas pré-lei seca. E desse movimento, surgiu o Jim Beam Rye.

De acordo com a própria Jim Beam, numa tradução adaptada “o Jim Beam Rye é um rye de estilo semelhante àquele anterior à Lei Seca, que presta tributo a uma das receitas mais antigas de nossa família, e é destilado de acordo com os mesmos padrões que nortearam a Jim Beam por mais de duzentos anos. Hoje, ele se tornou essencial para bartender procurando por um whiskey de perfil mais arrojado como os antigos, e uma finalização suave de tempos modernos

A maturação do Jim Beam Rye acontece em barricas virgens de carvalho americano por tempo não divulgado. Aliás, há pouca informação oficial sobre a produção do rótulo. Além da maturação, a receita exata de seu mosto – a mashbill – é outro mistério. Um palpite educado, porém, é que o percentual de centeio esteja um pouco além dos 51% exigidos por lei.

Ainda que o Jim Beam Rye seja uma revisitação de um estilo clássico, esta não é a primeira vez que a Jim Beam produz um Rye Whiskey. Antes do rótulo atual, havia outro rye, com outro rótulo. Além disso, a destilaria também lançou em 2016 o Booker’s Rye – o primeiro whiskey de centeio de sua linha super-premium, com 68,1%.

Booker’s Rye

O Jim Beam Rye é um whiskey apimentado e de corpo médio, com notas de pimenta do reino, cravo, canela, açúcar mascavo e pimenta do reino. Há um equilíbrio interessante entre o dulçor do milho e o amargor do centeio. Por conta disso, bebê-lo puro é uma experiência bem divertida – ao contrário de muitos outros rye whiskeys mais monotemáticos.

Se você procura um whiskey americano versátil, que trará personalidade para seus coquetéis mas, ao mesmo tempo, pode ser aproveitado puro, o Jim Beam Rye é uma excelente escolha. É como aquele hábito antigo, perdido pelo tempo, e resgatado pelo acaso – algo familiar e novo ao mesmo tempo. Mas, ao contrário de quebra-cabeças, absolutamente bem-vindo.

JIM BEAM RYE

Tipo: Rye Whiskey

Marca: jim Beam

Região: N/A

ABV: 40%

Notas de prova:

Aroma: Cravo, canela, pimenta.

Sabor: Aveia, grãos, pimenta, canela. O final é adocicado, mas ao mesmo tempo picante.

Onde: Compre na Caledonia Store

15 thoughts on “Jim Beam Rye – Resgates

  1. Duas perguntas: onde encontrar por aqui? Ele é muito diferente dos Wild Turkey Rye que chegaram até nós?

    1. Por enquanto no Pão de Açucar, e em breve em outros comercios!

      Ele é mais aromático e delicado que o Wild Turkey. São semelhantes, mas o WT é mais “fechado” e spicy.

  2. Gostei da dica, meu caro Cão Engarrafado. Quando me sobrar uns taoqueis vou partir pra adonar-me d’uma garrafeta dessas.
    Grato,
    Ruy.

  3. Caro Maurício,

    Uma delícia seu texto… Na minha opinião, American Whiskey é Rye Whiskey. Ou o cara é John Wayne ou Marcello Mastroianni. Eu sou John no American Whiskey e Marcello no vinho. No scotch, sou uma puta.

    Adoro Bourbon e Tennessee Whiskey, inclusive a música, mas American Whiskey é Rye Whiskey.

    Forte Abraço

    1. Hahahahaha comentário fantástico, como sempre, caro Socrates.

      Estamos alinhados. Sou apaixonado por ryes, e tendo a preferi-los a bourbons. Dolcettos é um papo diferente.

  4. Ótima avaliação do Rye!
    Consegui a versão de 45°, 90 proof e 750ml direto de fora, adorei o sabor e o picante no paladar, achei bem mais suave que o Jack Single Barrel Rye de 47°, mas agora fiquei curioso com o Booker’s Rye! Ele continua sendo produzido?

  5. Excelente texto! E olha que nem sou assim apreciador de whiskey – meu assunto são stouts – mas deu pra entender não só a personalidade do Rye, como também praticamente saboreá-lo. Vou pra breve providenciar uma garrafa, se minha impressão for diferente do artigo eu volto para reclamar, nas certamente continuarei apreciando o ótimo texto!

  6. Passei em uma distribuidora hoje e não pode deixar de lembrar desse artigo, abandonei o extra aged na prateleira assim que vi a garrafa verde, e olha, depois de provar provavelmente abandone das minhas compras por um bom tempo, primeira experiência com whisky rye está sendo fascinante.

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