Macallan Sienna e um Novo Dia para Beber

macallan sienna

A ficção está cheia de ébrios. Bons exemplos são Jack Torrence, de O Iluminado, e “O Cara”, interpretado por Jeff Bridges em O Grande Lebowski. Para você ter uma ideia, O Cara, durante os cento e dezessete minutos do filme, toma nove White Russians. Isso equivale a um coquetel a cada treze minutos de filme.

Mas o mais célebre atleta ficcional do álcool é, indiscutivelmente, James Bond. O espião bebe mais do que um Escort XR3. Um estudo envolvendo médicos da Universidade de Nottingham mostrou que Bond, no decurso de suas histórias, tomou o equivalente a mil cento e cinquenta doses de álcool, em apenas oitenta e oito dias. Isso equivale a uma garrafa e meia de vinho, ou cinco martinis de vodka, todo dia.

Mas James Bond não apenas bebe como se vivesse apenas duas vezes. Ele é uma biblioteca etílica. Prova disso é o diálogo que trava com M e o Sr. Donald Munger, ao tomar um cálice de Jerez pertencente àquele último, em Diamantes são Eternos. Bond diz “temo pelo seu fígado, meu senhor. Este é um Solera excepcional. Safra de 1951, acredito”. M, então, retruca “não há safra para Jerez, 007”, ao que Bond responde “Me referia ao vintage original no qual este Jerez é baseado. 1951. Inconfundível”.

E quando o assunto é whisky, o agente secreto menos secreto do mundo não esconde sua clara preferência pelos Macallan. Não é segredo para ninguém. Nem para Silva, seu inimigo em Skyfall, que lhe serve uma dose de Macallan 1962, dizendo “Macallan cinquenta anos. Particularmente, um dos seus preferidos, não?”  Olha, pode ser que você ache estranho, mas meus desafetos não andam por aí me oferecendo whiskies de cinco décadas.

Se eu fosse Bond, também estaria com essa risadinha besta.
Se eu fosse Bond, também estaria com essa risadinha besta.

O problema é que, além de ter bom gosto, James Bond possui um gosto caro. Por exemplo, um Macallan 1962 igual ao que aparece no filme foi recentemente leiloado no Reino Unido. Por dez mil libras. O equivalente a aproximadamente quarenta e cinco mil reais!

Mas não se desespere. Para tomar Macallan, você não precisa ser um agente secreto e seu imposto de renda não precisa equivaler ao PIB de Lichtenstein. Aqui no Brasil, não é difícil encontrar três, dos quatro integrantes da Série 1824 da Macallan, todos sem idade definida, e maturados exclusivamente em barricas de ex-Jerez. Jerez sem safra. Exceto se você for James Bond.

Na semana passada, este Cão teve o prazer de participar de uma degustação da linha 1824 em São Paulo com Maurício Leme e Gianpaolo Morselli, gerente comercial e embaixador da Macallan no Brasil, respectivamente. Foram servidos os três whiskies que são comercializados por aqui: Amber, Ruby e o recém-chegado Sienna, que me aprofundarei um pouco mais neste post.

Durante o evento, Gianpaolo mostrou aos presentes diversas particularidades da destilaria e de seus produtos. Ficou bem claro a todos que o processo produtivo da Macallan é, realmente, um dos mais rigorosos da indústria. Exemplo disso é a percentagem de destilado aproveitada. Apenas dezesseis por cento do destilado – produzido no meio do processo de destilação no alambique – vira single malt. Do restante, nove por cento (quatro e meio de cada ponta) vai para blended whiskies, como Famous Grouse. O resto é descartado, por ser considerado tóxico.

Que desperdício de um bom whisky.
Que desperdício de um bom whisky.

Os alambiques da Macallan são alguns dos mais baixos da indústria. Seu desenho patenteado favorece a passagem das moléculas mais pesadas pelo pescoço do destilador, resultando em um destilado mais oleoso, característico também de whiskies como Dalmore e Glenfarclas.

No caso da Série 1824, a maturação ocorre exclusivamente em barricas que antes continham Jerez oloroso. Entretanto, no caso do Amber e Sienna, há a combinação de barricas de carvalho americano e barricas de carvalho europeu, tanto de primeiro uso, quando usadas previamente para maturar Macallan. Já no caso do Ruby, são utilizadas apenas barricas de carvalho europeu de primeiro uso.

Outra curiosidade é que a Macallan faz um rodízio na posição das barricas em seu armazém. Isso é feito porque aquelas mais próximas ao teto tendem a contrair e expandir mais, devido à variação na temperatura, influenciando o sabor do whisky. Um Macallan Sienna, por exemplo, é a mistura de barricas cuja maturação equivaleria à de um whisky quinze anos. Mas por conta dessa técnica, seu tempo de maturação tende a ser menor, permitindo à destilaria atender à crescente demanda por seus single malts. Curiosamente, no caso específico do Sienna degustado, a mistura foi de whiskies mais maturados, entre quinze e dezoito anos, segundo Gianpaolo.

No Brasil, um Macallan Sienna sai por volta dos R$ 700,00 (setecentos reais). Não é – sob nenhuma perspectiva – um whisky barato. Mas na opinião deste Cão, pouquíssimas destilarias conseguem produzir algo que seja ao mesmo tempo tão equilibrado e complexo sem ser, ao mesmo tempo, sem graça. Por este prisma, o Macallan é mais ou menos como o James Bond. Refinado mas, ao mesmo tempo, com personalidade.

MACALLAN SIENNA

Tipo: Single Malt sem idade definida

Destilaria: Macallan

Região: Speyside

ABV: 43%

Notas de prova:

Aroma: Aroma frutado e doce, levemente cítrico.

Sabor: Mel, compota de frutas, laranja. Final longo, frutado e com especiarias.

Com água: o sabor adocicado fica menos evidente, abrindo espaço para o sabor de especiarias. Final fica mais curto.

Preço: R$ 700,00 (setecentos reais)

 

24 thoughts on “Macallan Sienna e um Novo Dia para Beber

  1. Grande Maurício! Não conheço o Sienna ainda, mas li um comentário no site Master of Malt dizendo que atualmente “ele é o Macallan que mais se assemelha ao tão famoso, aclamado e extinto 18 Sherry Oak, sendo sem dúvida muito superior ao Amber e ao 12 Sherry Oak”. Abraço, Cesar.

    1. Realmente, Cesar!! É um belo whisky. Meu prefeiro da série, na verdade, é o Ruby. O Amber é o preferido do Maurício Salvi. Foi bom, porque não teve briga no dia da degustação… hehe!

  2. Seu Site é excepcional
    No Brasil não há outro, tão completo e rico quanto este …

    ObriGado pelos posts, e reviews você é um Gênio Maurício, ri muito quando comparou James Bond A UM xr3 rsrsrs

    Passei um período em hospital , com saudade de minha família e meus caos engarrafados

    Teu site e blog acalmaram e animaram meus dias

    Deus o abençoe $heers

    1. Caramba, muito legal, Wesley! Que bom que ajudei na recuperação. Já está bem para voltar aos copos? Espero que sim.

      Um grande abraço!

  3. Quando a Wine vendia whisky, em 2013, certa vez ofereceu um Fine Oak 10 por um preço relativamente módico e eu achei que havia encontrado o whisky mais equilibrado e saboroso de minha vida, até então baseada em blends12 e poucos singles, como Glenfiddich, Cardhu, Glenlivet, Dalmore e Jura 10. A segunda garrafa que pedi, em seguida, já veio substituída por um Amber 10 da série 1824, que fui obrigado a aceitar e que motivou meu rompimento com a Wine. A diferença era notável, a favor do Fine Oak. A propósito, qual era a variedade Macallan que 007 bebe na barraca da praia?

    1. Luiz, provavelmente você prefere whiskies com alguma maturação em barricas de ex-bourbon. O Fine Oak é maturado tanto em barricas de ex-bourbon quanto ex-jerez, enquanto que o amber é apenas ex-jerez (ainda que parte das barricas seja produzida com carvalho americano). Particularmente eu prefiro os Macallan maturados somente em jerez, em especial o Ruby, cuja maturação usa exclusivamente barricas de carvalho europeu. Acho que o destilado mais oleoso da Macallan combina mais com esse tipo de maturação. Mas isso cem por cento gosto pessoal. O Fine Oak era um whisky que agradava mais paladares.

      Sobre o James Bond, você diz a cena que me referi ao fazer a review do Ruby? Não dá para ver direito. É aquela cena logo depois que ele toma um copo de alguma coisa com um escorpião na mão. O rótulo é meio branco e meio cinza, então eu acho que pode ser um Fine Oak normal, ou o Fine Oak Whisky Maker’s Selection. A cena usa um filtro meio azulado, então pode ser outra coisa também….hehe

      1. Sua resposta foi límpida, saborosa e colorida como um Macallan Ruby. Mas eu preciso corrigir uma injustiça: entre os singles que enunciei faltou a mais nobre figura, que para sempre me deixou apaixonado pelos maltes puros das Highlands, o Balvenie Doublewood. Desde que o experimentei, os blends tornaram-se apenas figurantes de uma história muito saborosa.
        Grande abraço

        1. Obrigado, Luiz!!

          Viu, aí está, Balvenie Doublewood é exatamente isso. Ex-bourbon, com finalização em barricas de ex-sherry de primeiro uso! 🙂

          Já experimentou algum Glenfarclas? Tente o 10 anos. Acho que você pode gostar!

          1. Como sou um homem velho, meus sentidos do olfato e paladar já não atendem às exigências do avaliador, não permitem que sinta as sutis referências a sabores, perfumes e memórias que você descreve. No entanto, ainda posso discernir o impacto causado pelo whisky percorrendo a língua toda e descendo pela garganta com seu inexcedível perfume típico. Se declarei amor ao Balvenie Doublewood e ao Macallan 10, permita-me expressar a recente e maravilhosa experiência com um Macallan Fine Oak 12. Foi como deixar o porão e beber no convés, ao lado do capitão. Trata-se de um gentleman, na mais digna expressão do termo: civilizado, educado, honrado e generoso.

          2. Luiz, Fine Oak 12 é um whisky equilibradíssimo. É um whisky realmente excelente. E nem vem com esse papo “de meus sentidos de olfato e paladar não atendem a exigencias do avaliador”, porque essa sua metáfora sobre o capitão foi muito melhor do que qualquer nota de prova – técnica ou não – que poderia ser escrita!

  4. Meu caro, tenho uma relação afetiva com um blend que ainda não foi citado em seus posts. Old Parr. Pra mim, tem gosto de natal, pois cada vez que abriam uma fantástica cesta de natal feita de vime, lá nos anos 50, os copos de whisky circulavam cheios e no meio da mesa reinava soberano o indefectível litro bojudinho e escuro do Old Parr, cujo perfume e sabor eu aprendi a distinguir do white horse, outro whisky onipresente na minha infância. O White tinha gosto de alegria, cheiro de carnaval. Já o Old Parr tinha perfume e sabor de adulto, prometia um fascinante mundo que eu ansiava por conhecer. até hoje bebo Old parr com certa reverência, numa homenagem aos anos que vivi.

    1. Luiz, Old Parr está na lista dos próximos reviews. Seu malte base é o Cragganmore, que é também um ótimo single malt, bem suave.

      Tenho que guardar algumas pérolas para o futuro!

      Ladies first, dogs after é muito bom!

      1. Vou aguardar pacientemente. Cada post do blog é diversão garantida. Tenho publicado algumas de suas reflexões, com o devido crédito. Espero que não se importe.

        1. Opa, muito obrigado! Semana que vem tem a prova de um bourbon, e na outra um negócio diferente, que eu nunca fiz. Aí veremos quais serão os próximos posts. Mas tô pensando no Old Parr para o começo do ano que vem…

    2. Caríssimo Cão, aprecio enormemente sua contribuição. Sou um jovem universitário que na pandemia para não se tornar alcoolatra pensou que a solução seria os destilados! Alto custo, pouco consumo… apenas pelo prazer! Uma dúvida que me ficou é porque a Macallan considera tóxico e descarta grande parte do seu destilado?

  5. boa noite , sou amador ainda nessa vida do whisky , mas tenho algumas duvidas , acho que vocês como são mais experientes podem me ajuda , qual diferença no macallan amber para macallan select oak ?

    1. Oi Sabino!

      A diferença principal é a maturação. O Select Oak matura em barricas de carvalho europeu de ex-jerez e de carvalho americano, que antes contiveram ou vinho jerez ou bourbon whiskey. Já o Amber é maturado exclusivamente em barricas que levaram vinho jerez (não há bourbon) tanto de carvalho europeu quanto americano.

      O Select Oak é da 1824 Collection, enquanto o Amber é da 1824 Series. A primeira é exclusiva de Duty Free. A outra está disponível em mercados internacionais e no nosso.

      abs!

  6. Olá gostei muito dos comentários seu e acho que o meu paladar é igual ao do Luiz.
    Não entendo nada da belezas de uma degustação, mas as minhas comparações são assim, este é bom, este é melhor que o outro e aquele é pior kkk.
    Comecei a minha trajetória com Jack Gentleman, Buchanan’s 12 e chivas 12, gastei de todos nas suas devidas proporções.
    Depois parti para Chivas 18, Johnnie Walker Platinum e gostei mais do Platinum.
    Fui para o The Glenlivet 18, Royal Salute e Johnnie Walker Blue gostei muito deles, porém o Glenlivet achei muito forte.
    Ai a coisa mudou quando descobri o Macallan Fine Oak achei extraordinário, um espetáculo, a facilidade em beber a qualquer hora e sem cerimônia.
    Subi alguns degraus em valores e fui para o Macallan Sienna… não tive e não tenho a sorte de ter um paladar para este belo Whisky, achei “oleosos e metalizado” até pensei era falsificado.
    Agora lendo seu post vi que várias vezes você mencionou ser oleoso, fico feliz que o whisky é verdadeiro, porém só não agradou meu paladar.
    A propósito e o metalizado que eu achei está errado?
    Obrigado Cão!

    1. Alexandre, tudo bem? Olha, o metalizado pode vir da juventude do whisky. Whiskies mais jovens costumam reter esse sabor metálico, que vai sendo atenuado à medida que o whisky matura no barril. Mas, pra falar a verdade, eu não pego esse metalizado no Amber. Acho ele até bem arredondado. Talvez o que te incomode seja a maturação em ex-sherry?

      Faça um teste – prove um Dalmore 12 e me diga o que acha. Depois, prove um Aberfeldy 12. Se o Dalmore te incomodar e o Aberfeldy descer bem, então, é o jerez.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *