(mais que um) Drops – Glenfiddich IPA Experiment

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Gosto muito de whisky, isso não é segredo para ninguém. Aliás, imagino que este seja um prerrequisito tácito para se ter um blog sobre o assunto. Do contrário, as provas e textos seriam, para não dizer nada pior, enfadonhos. Algo na linha de olha, se você gosta de whisky, é possível que vá suportar beber isto daqui, mas como eu não gosto, então, bom, achei horrível. Nao. Beba. Whisky. Nunca.

No entanto, além do melhor destilado do mundo, também tenho outros interesses etílicos. Me interesso bastante por coquetelaria – como podem ter notado ao acompanhar o blog – arranho no gim, e adoro uma boa cerveja. Gostaria de saber mais sobre outras bebidas, e, principalmente, experimentar tudo. Mas por uma questão de tempo e fígado, me vejo obrigado a escolher frentes de combate. E dessas frentes, talvez minha segunda ou terceira seja, justamente, a cerveja. Sou apaixonado pelas amargas India Pale Ale, e tenho uma preferência quase natural pelas Imperial Stouts, bem torradas. Se passar por barril ainda melhor.

Se você é como eu, provavelmente ficará ansioso com essa notícia. É que a Glenfiddich, uma das mais famosas destilarias de single malt da Escócia lançou, justamente, um whisky que é finalizado em barricas que antes contiveram cerveja IPA. É o Glenfiddich IPA Experiment, o primeiro de uma linha de single malts experimentais criados pelo malt master da Glenfiddich, Brian Kinsman.

Para o Glenfiddich IPA Experiment, Brian se juntou a Seb Jones, mestre cervejeiro responsável pela Speyside Craft Brewery. A cervejaria de Seb se encarregou de produzir três IPAs diferentes, sendo que uma delas seria escolhida para fazer parte do experimento. Após certa discussão e muita prova, Jones e Kinsman se decidiram pela IPA que levava dry-hopping de lúpulos Centennial.

Segundo Seb “usamos mais lúpulos complementares do que contrastantes (…). Eles (Glenfiddich) possuem notas de pera, então adicionamos aroma e sabor frutados. O resultado é um whisky leve e sutil. Você sente o dulçor inicial dos lúpulos, e depois há uma finalização interessante, maltada, vinda da pale ale“.

Escolhida a cerveja, era hora de colocar o experimento em prática. Kinsman então a colocou em barricas que maturavam Glenfiddich por, aproximadamente, doze anos, para que as encharcassem e penetrassem na madeira por algum tempo. Depois, a IPA foi retirada e engarrafada, e o whisky devolvido às suas barricas para passar mais alguns meses.

O processo de criação do Glenfiddich IPA Experiment
O processo de criação do Glenfiddich IPA Experiment

Segundo Brian Kinsman, “A ideia por trás do Glenfiddich IPA Experiment é pouco usual, mas é uma que focamos apaixonados – queríamos mesmo brincar com os sabores para ver o que poderíamos criar“. Para Brian, a ideia não seria criar um whisky com sabor de cerveja. Mas sim um single malt que se beneficiaria da finalização naquelas barricas pouco usuais, adicionando complexidade e sabores incomuns a single malts.

Recentemente, por uma coincidência, este Cão teve a oportunidade de provar o Glenfiddich IPA Experiment em um lugar bastante apropriado. O Empório Alto de Pinheiros, bar recentemente eleito pela revista Veja Comer & Beber como o aquele com a melhor carta de cervejas de São Paulo. A prova do single malt contou também com as ilustres participações de Cesar Adames e Paulo Almeida. Este último, o sócio por trás daquela meca para os amantes de cerveja. Aliás, na mesma oportunidade provamos também o Johnnie Walker Rye Cask e o Jameson Caskmates que passa por barris de cerveja stout.

Nossa impressão foi unânime. O IPA Experiment é muito semelhante ao Glenfiddich 12 anos. Aliás, é praticamente impossível diferenciá-los, se não forem bebidos na mesma situação. O sabor predominante é de maçã verde. Entretanto, no caso do IPA Experiment, há um retrogosto que realmente remete a lúpulo. Um amargor adocicado de frutas, que potencializa a finalização do whisky. Se você gosta de inovações, então o Glenfiddich IPA Experiment é seu whisky. Ele é suave e frutado na medida para agradar a maioria dos paladares, e pode facilmente ser bebido puro.

O único senão é que ele não virá para o Brasil. Assim, se estiver viajando e cruzar com alguma loja de bebidas, procure pela garrafa. E não se preocupe muito com suas frentes de combate. Não é todo dia que encontramos um whisky com tanta afinidade com o mundo das boas cervejas.

GLENFIDDICH IPA EXPERIMENT

Tipo: Single Malt Whisky sem idade definida

Destilaria: Glenfiddich

Região: Speyside

ABV: 43%

Notas de prova:

Aroma: Cítrico, com mel e levemente floral.

Sabor: Frutado, cítrico, com mel e nozes. Maçã verde. O sabor residual vai se tornando progressivamente mais amargo.

Com água: A agua ressalta o aroma e sabor de maçã verde, e torna o final ainda mais frutado e amargo.

Preço: GBP 50,00 (cinquenta libras – fora do Brasil)

 

 

Exceção – Bruichladdich The Classic Laddie

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Quando estava no colégio, uma das minhas aulas preferidas era biologia. Achava interessantíssimo assuntos como evolução, reprodução – sem duplo sentido aqui – e, claro, genética. Aliás, genética provavelmente foi um dos meus pontos mais queridos durante minha formação no ensino médio. Adorava descobrir quais eram os genes recessivos e dominantes, e encontra-los em meus amigos e familiares.

Caso você não saiba o que é isto, aí vai uma explicação mais ou menos simples. Genes recessivos são aqueles que não se expressam no estado heterozigótico. Em uma linguagem leiga, acontece o seguinte. Muitos genes – tipo a cor do olho – possuem duas ou mais variações chamadas alelos. Se você tem, diremos, um alelo “azul” e outro “castanho”, e este último é o dominante, então você terá olhos castanhos. Entendeu?

Não? Então aqui vão mais alguns exemplos. Se, para você, dipirona não tem gosto de nada, você é recessivo. Cruzar o dedão direito sobre o esquerdo ao encontrar as mãos é recessivo, assim como não conseguir dobrar a língua em U. Por outro lado, se sua orelha tem lóbulo (essa é aquela parte debaixo, perto do maxilar) solto, você é dominante. E ainda isto esteja longe de ser absoluto, geralmente, a característica determinada pelo gene dominante é mais frequente, e a pelo gene recessivo é menos.

Por exemplo, não testar para ver qual dedo cruza em cima do outro depois de ler isto é recessivo (mentira)
Por exemplo, não testar para ver qual dedo cruza em cima do outro depois de ler isto é recessivo (mentira)

Se whiskies tivessem genes, provavelmente o mais recessivo deles seria o Bruichladdich The Classic Laddie. O Classic Laddie é a exceção em um mundo de dominantes. A começar por uma característica que o define. Ele não tem qualquer traço de defumação, apesar de ser produzido na ilha escocesa de Islay, conhecida mundialmente por seus whiskies esfumaçados.

Além disso, o Classic Laddie utiliza cem por cento de cevada produzida na Escócia. Um traço claramente recessivo em um mundo de dominantes, onde parte da cevada é, geralmente, importada, de forma a aumentar e eficiência e reduzir os custos de produção.

Como se isto não bastasse, o Bruichladdich The Classic Laddie não recebe a adição de corante caramelo – uma prática comum hoje em dia – e não é filtrado a frio. Por conta disso, ao adicionar gelo ou um pouco de água, é comum que certa turbidez apareça. Isto acontece porque as moléculas mais pesadas se agregam com a redução do teor alcoólico do whisky. E falando em teor alcoólico, aí está mais um traço incomum no The Classic Laddie. Cinquenta por cento.

A maturação do The Classic Laddie ocorre inteiramente em barricas de carvalho americano que antes contiveram Bourbon whiskey. E aqui talvez esteja o único traço genético dominante no The Classic Laddie. A ausência de idade impressa no rótulo – uma prática cada vez mais comum na indústria do whisky.

Assim como o The Classich Laddie, a própria Bruichladdich é uma destilaria incomum. Ela foi fundada por William, John e Robert Harvey, irmãos em uma família já veterana no ramo dos whiskies e proprietária das destilarias Yoker e Dundas Hill. O trio, entretanto, tinha uma ideia ambiciosa. Construir uma destilaria que, desde o início, se destacasse como uma exceção a tudo aquilo que já existia em Islay. E deu certo. Até hoje, a Bruichladdich é uma das mais encantadoras destilarias da ilha.

Lugar feio.
Lugar feio.

Além de sua linha tradicional, da qual o The Classic Laddie faz parte, a Bruichladdich produz ainda uma série de whiskies esfumaçados – mais ou menos nos mesmos níveis de defumação de seus vizinhos – conhecida como Port Charlotte, e uma com exemplares insanamente defumados, batizada de Octomore, em homenagem à fazenda que lhes fornece a cevada. Ah, e além de três linhas de whisky, ela produz também gim.

Visualmente, o single malt apresenta uma coloração quase de palha, devido à ausência de corante caramelo. Seu aroma é frutado, e o sabor adocicado, com pera, laranja e baunilha, apesar da graduação alcoólica, ele é um whisky leve e muito agradável.

Se você é fã de single malts leves e frutados, ou se é apaixonado pelos monstros defumados de Islay mas quer entender o que mais a ilha pode produzir, o The Classic Laddie é para você. Porque, afinal, não há genes recessivos ou dominantes para se apreciar um bom single malt.

BRUICHLADDICH THE CLASSIC LADDIE

Tipo – Single Malt sem idade definida (NAS)

ABV – 50%

Região: Islay

País: Escócia

NOTAS DE PROVA

Aroma: baunilha, frutas, mel.

Sabor: Frutado, com pera, maçã e frutas doces. Final médio, com baunilha e açúcar refinado.

Chivas 18 Tasting ou Como Ajudar Bebendo

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O Instagram é um aplicativo interessante. Porque, apesar da infinidade de possibilidades que o aplicativo oferece, a maioria de nós – eu incluído – colocamos sempre as mesmas coisas. O Instagram é a prova que nossa vida é uma chatice, na verdade.

Fotos do look do dia, do pé na piscina, da esteira na academia. Fotos com filtro usando a hashtag nofilter. Imagens de carros que não temos – ou pior, que às vezes temos – ou selfies na cama, como se tivéssemos acabado de acordar. Nossos bichos de estimação, nossa mesa de trabalho e nosso almoço. Ah, nosso almoço. Esse merece uma atenção especial. Porque, pra falar a verdade, exceto se for a foto de um filé de hadoque albino que viveu nas águas de degelo da Noruega, grelhado por um macaco prego com um curioso talento culinário, bem, há grandes chances de eu não me importar com o que você está comendo.

E nem adianta tentar me enganar...
E nem adianta tentar me enganar…

Mas minhas fotos preferidas – e aqui tenho uma grande parcela de culpa – são as de bebida. As vezes tenho essa estranha compulsão de, além de beber, me ver na inconveniente obrigação de compartilhar aquilo que está no meu copo com aqueles desafortunados que me seguem. Mas para não deixar essa minha obsessão clara, sempre tento fazer alguma legenda espirituosa. E aí é que reside o problema. Faço a foto em um minuto. E passo mais trinta pensando em algo para dizer.

Mas se você é como eu, seus problemas estão resolvidos. A partir de hoje você terá uma excelente justificativa para beber e – mais importante do que isso – mostrar para todo mundo, mesmo à revelia deles, com o quê você está se embriagando.

É que semana passada o Cão Engarrafado foi convidado por Eduardo Rotella, o embaixador do Chivas Regal 18 anos no Brasil, para comemorar o título que recebeu dos Keepers of the Quaich. Esencialmente, os Keepers são uma daquelas sociedades que você não pode se filiar, exceto se for convidado. Ou, segundo o próprio site, “uma sociedade exclusiva e internacional que reconhece aqueles quem tenham demonstrado comprometimento excepcional com a indústria do Whisky Escocês. Fundada por destiladores líderes, ela é, essencialmente, o coração da industria (…). São pessoas apaixonadas e dedicadas que tem orgulho de fazer parte de uma sociedade seleta, e que se dedicam a divulgar a apreciação de nosso maravilhoso destilado. O Scotch Whisky.

E eles se reúnem para conversar e beber whisky aqui
E eles se reúnem para conversar e beber whisky aqui. É sério.

E aproveitando a comemoração, Rotella idealizou uma ação baseada no Instagram bastante interessante. A ideia é simples. Toda vez que alguém publicar uma foto no Instagram com a hashtag “#chivas18tasting“, a Pernod Ricard – detentora da marca Chivas Regal – reverterá um real para cursos de aperfeiçoamento técnico para profissionais de bares da cidade de São Paulo.

Segundo ele, a ação vai além da conscientização do consumidor. Seu intuito é que ela realmente faça diferença para aqueles que precisam apenas de um auxílio financeiro para desenvolver seu talento atrás do balcão. E completa: a ideia é que as pessoas utilizem a hashtag não só quando estiverem degustando o Chivas Regal 18 anos. Para fazer o bem, vale qualquer Chivas Regal.

Então, queridos leitores, sirvam-se de seus Chivas doze, Extra e dezoito. Ou demonstre que a vida tem lhes tratado bem, e agarrem seus Vinte e Cinco. Saquem seus smartphones e preparem o mis-en-scene. Agora você tem um excelente motivo para encher o Instagram de seus amigos com fotos do que você está bebendo. Mas não se esqueçam de sempre utilizar o hashtag #chivas18tasting . A ação é válida até o mês de junho de 2017!

 

A Catedral do Whisky – uma visita à maior coleção da América Latina

 

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Às vezes grandes descobertas estão mais próximas do que imaginamos. Tão próximas como, por exemplo, o jardim de casa. A internet está cheia de casos sobre objetos curiosos que teriam sido desenterrados de onde eles menos poderiam estar.

Uma das minhas histórias preferidas é a de duas crianças, que em 1978 decidiram que iriam – à revelia de sua mãe – cavar alguns buracos no jardim. E aquilo poderia ter terminado em apenas uma bronca bem dada, se a dupla não tivesse encontrado uma Ferrari Dino 246 GT enterrada logo ali. O carro, que hoje vale aproximadamente trezentos mil dólares, teria sido sepultado lá por ladrões que, por algum motivo, jamais voltaram para reavê-lo.

Outra história curiosa é de um homem, que talvez por tédio, talvez por ser esquisito mesmo, resolveu que percorreria seu jardim com um detector de metais. E graças a essa atividade completamente aleatória, ele acabou encontrando uma pepita de ouro de aproximadamente três quilos e meio. Aquele perdigoto de metal precioso foi mais tarde leiloado por quatrocentos e sessenta mil dólares.

Depois de tirar o superesportivo daí, vocês vão plantar todas as minhas roseiras, ouviram?
Depois de tirar o superesportivo daí, vocês vão plantar todas as minhas roseiras, ouviram?

E eu, apesar de nunca ter encontrado nada enterrado em meu jardim – em parte porque moro em apartamento – me senti como se tivesse feito uma descoberta preciosíssima há alguns meses. Descobri que logo ali, há alguns quilômetros de São Paulo, estava uma das maiores coleções de whisky do mundo. A santíssima Catedral do Whisky.

Demorei alguns meses até visita-la. Mas, quando fui, pouco conseguia acreditar no que via. A Catedral do Whisky fica dentro de um sítio em Itatiba, de propriedade do empresário José Roberto Briguenti. Ele mesmo nos recepcionou e guiou pelos ambientes da coleção com muito bom humor e simpatia.

A primeira impressão que tive ao chegar ao sítio foi de perplexidade. Todas as paredes da garagem possuem armários de apotecários antigos, restaurados, contendo centenas de garrafas de porcelana e miniaturas. Aquela provavelmente foi a manobra mais lenta e meticulosa que já fiz com meu automóvel, incluindo quando saí do hospital com a Cãzinha recém-nascida.

Perguntei a ele como teria criado interesse por colecionar whisky. “Casualmente, ao procurar algumas garrafas para abastecer o bar da propriedade, encontrei uma bela coleção, aí começou

Atualmente, a Catedral do Whisky conta com mais de vinte e três mil garrafas, entre vidro, cristal, cerâmica, porcelana e miniaturas. Há whiskies brasileiros do passado, whiskeys americanos da época da Lei Seca e uma absoluta infinidade de single malts e blended scotch whiskies. As prateleiras contam com uma pequena prateleira retrátil, para apoiar alguma garrafa a ser estudada.

Algumas pepitas de ouro chamaram a atenção deste Cão, durante a visita. A maior delas foi um Glenmorangie Pride 1981, bem no centro da mesa principal da catedral. Aquela era, na opinião deste canídeo, uma das mais belas garrafas de whisky já produzidas.

glenmorangie Pride
Quero.

Ao lado do ícone da destilaria das highlands estavam mais algumas raridades. Um Bowmore 40 anos em um belo decanter de cristal e um Mortlach 50 anos. Alguns centímetros à frente, uma caixa de madeira contendo um Johnnie Walker Blue Label 1805 Celebration – blend de whiskies de 45 a 70 anos de idade, que geralmente é dado de presente pela Johnnie Walker a expoentes da atualidade, e não se encontra à venda.

A caneta é brinde
A caneta é brinde

Frente a todas aquelas Ferraris do mundo etílico, indaguei se havia alguma garrafa ou linha favorita. Briguenti mostrou que seu bom gosto não se balizava por valor ou pompa: Tenho preferência por rótulos antigos elaborados, o conjunto que mais gosto é o da cerâmica para whisky Royal Doulton Kingsware – respondeu.

Além das garrafas, Briguenti coleciona também portas de madeira, armários de farmácias antigas e peças de mobiliário, tudo restaurado aos mínimos detalhes. Há relíquias como um gramofone da década de vinte que ainda funciona perfeitamente. Ele também possui uma linda coleção de lápis antigos e de xícaras de marcas de café.

A visita levou em torno de duas horas, mas poderia facilmente ter se estendido por seis. Há itens inacreditáveis que este Cão jamais imaginou que viria ao vivo. E, melhor, nem foi preciso pegar um avião para isso.

Alguns têm a sorte de encontrar superesportivos italianos enterrados em seu jardim. Outros, pepitas de ouro gigantes. Mas à distância de algumas poucas dezenas de quilômetros, a Catedral é provavelmente a melhor descoberta que um apaixonado por whiskies poderia fazer.

Se quiser fazer um tour virtual pela coleção, clique aqui.

 

Sobre Gelo e Molho Shoyu – Gelo no Whisky

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Nota: Este texto foi originalmente escrito pelo Cão Engarrafado e publicado na página de nossos parceiros da Charutando.com.br . Mas, dada a relevância do assunto, achei que seria uma boa reproduzi-lo por aqui também.

Hoje em dia as pessoas tem regra para tudo. Há uns meses fui a um restaurante japonês famoso e me sentei ao balcão. E como tenho mania de sempre experimentar o diferente, fui logo pedindo o menu de especialidades. O sushiman preparou quatro niguiris. Primeiro, passou um pouco de raiz forte. Aí pegou um pincel, molhou em um potinho de shoyu, e cuidadosamente sacudiu o pincel sobre o sushi, deixando que algumas gotinhas do molho caíssem sobre o peixe cru. Tipo o Pollock, se o Pollock fosse um sushiman.

Até aí, lindo. Mas como eu gosto de shoyu, pedi a ele que me desse um potinho com um pouco mais do molho. E a resposta dele foi não, de forma nenhuma, porque é assim que você deve comer sushi, para sentir o real sabor do peixe.

Sushi, como deve ser feito
Sushi, como deve ser feito

Frente à negativa, argumentei que já conhecia o sabor do peixe, porque eu já tinha comido sushi com shoyu e sem shoyu, e em minha opinião, com era melhor que sem. Depois de uma pausa dramática, o sushiman simplesmente sorriu, preparou quatro hossomakis e me entregou. Daqueles, o molho passou longe. E em seus olhos desafiadores eu vi que se eu continuasse a discussão, o próximo passo seria comer só arroz, sem peixe. Então me calei e mastiguei aqueles enroladinhos de arroz com sabor de derrota.

Depois fiquei pensando se eu também não dava uma de sushiman do whisky, de vez em quando. Afinal, já havia me pegado diversas vezes condenando silenciosamente o cara que colocou uma calota polar de gelo dentro de seu copo de Black Label. Existe realmente jeito certo de apreciar a bebida, ou são só regras sem sentido?

Na verdade, existem algumas regras, mas que nem sempre são aplicáveis. Para ficar mais fácil, desenvolvi um método que não tem nada de científico, mas funciona. Divido meus whiskys em dois tipos. Protagonistas e coadjuvantes.

Coadjuvantes são aqueles que eu coloco no centro da mesa em uma reunião de amigos, do lado do balde de gelo. Ele é coadjuvante simplesmente porque o assunto do papo não é ele, ainda que ele seja, às vezes, notado. Tipo o menino que fica apontando pra braguilha, no final do De Volta Para o Futuro III.

Gênio
Gênio

Whiskys coadjuvantes podem ser tomados puros, com água, ou com gelo. Mesmo porque, naquela situação, ninguém está lá para ficar identificando descritores aromáticos a cada gole, e bebe-se simplesmente por prazer. Um whisky coadjuvante pode até ser caro, mas, via de regra, um blended whisky ou um american whiskey simplesmente decentes já desempenham muito bem esse papel.

Já os protagonistas são o tema do papo. Eles normalmente são single malts, american whiskeys ou blended whiskys premium, e a discussão gira em torno deles. Nesta situação, a ideia é realmente entender e prestar atenção na bebida. No caso de whiskies protagonistas, o melhor é tomar puro, ou com um pouco de água. A água tira parte do álcool do caminho, facilitando a identificação de aromas e sabores secundários.

No caso dos whiskies protagonistas, a escolha do copo também é importante.Um copo baixo com bordas arredondadas está ótimo. Mas se for um glencairn ou taça ISO, melhor ainda.Esses cuidados favorecem a concentração do aroma e do sabor da bebida, facilitando sua identificação. Assim, sempre que experimento um bom whisky pela primeira vez, tomo alguns goles dele puro, para depois colocar umas gotas de água.

ISO e Glencairn
ISO e Glencairn

 

E quanto ao gelo? Bem, adicionar muito gelo em um whisky protagonista pode não ser uma boa ideia. É, na verdade, como colocar shoyu demais no seu niguiri. A diluição excessiva e a temperatura baixa tornam a percepção mais difícil e alteram o paladar.Não é que é errado colocar gelo no whisky. Mas se a ideia é realmente prestar atenção em seus aromas e sabores, o gelo vai deixar a tarefa bem mais difícil.

Mas, na verdade, e acima de tudo, o whisky é seu, e você é livre –  pelo menos mais livre do que alguém que gosta muito de molho de soja em um restaurante oriental caro. E ao contrário de comer sushi seco, tomar whisky deve ser, acima de tudo, uma experiência divertida e agradável.

Então, na verdade, este não é um texto instrutivo. Este é um texto libertador. Não se prenda muito a essas normas, principalmente se estiver com seus amigos. O gosto – e o copo de whisky – é seu. Afinal, o mundo já tem regras demais para alguém que você nem conhece dizer quanto de shoyu você tem que colocar no seu sushi.

Notícia do Cão – Jack Daniel’s Pub & Poker

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Está procurando o que fazer nas próximas semanas? Ou é apaixonado por poker, mas está cansado de jogar de pijama em casa? Fica frustrado porque pela tela do computador ninguém consegue ver sua poker face, ensaiada à exaustão dos músculos da sua cara?

Bem, então talvez você vá gostar da novidade. É que a Poker4All, empresa dos sócios Leonardo Rizzo, Ronaldo Fernandes, André Biazzo e Eduardo Guerreiro, abrirá um pub voltado para o mais famoso esporte de cartas do mundo. Ele funcionará em um dos camarotes do Estádio do Morumbi, e tem a assinatura do mais famoso Tennessee Whiskey do mundo – o Jack Daniel’s. A casa realizará dois torneios de poker por semana. Nos demais dias, funcionará como um bar e restaurante, aberto, inclusive, na hora do almoço. Com a vantagem de que sempre haverá uma mesa disponível para praticar torneios de poker por lá.

Segundo Adriano Santucci, gerente de marketing da marca de tennessee whiskeys: “A proposta do Pub é unir várias paixões em um só lugar: Futebol, Poker e Jack Daniel´s. É uma verdadeira experiência de marca onde o público vai poder vivenciar uma atmosfera que traduz o espírito autêntico e independente de Lynchburg, casa de Jack Daniel´s, e degustar todos os rótulos da família, principalmente o Gentleman Jack que encontrou no Poker uma das formas de expressão do homem moderno. A Atitude, inteligência e a autenticidade que o esporte carrega traduzem muito do que a marca é

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O camarote

Leonardo Rizzo completa: “(…) o Pub vai atrair o público cativo do Poker e novos praticantes, principalmente os fãs de Jack Daniel´s, que terão um bar inteiramente assinado pela marca

Este Cão, que é apaixonado por whiskies e adora o carteado – ainda que não seja lá muito habilidoso – não deixará de conferir. O bar abrirá a partir do dia 24 de outubro. Confira as informações burocráticas abaixo:

Pub & Poker

Endereço: Estádio do Morumbi – Praça Roberto Gomes Pedrosa, 1 – Camarote 11A

Horário: Das 11h30 até às 15h e das 18h00 até às 00h. Dias de torneio, o local funcionará até o torneio acabar

Capacidade: 110 pessoas

O Cão Farejador – Caol Ila 12 Anos

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Este é mais um post do Cão Farejador. O Cão Farejador é um serviço de utilidade pública, cuja ideia é trazer ao leitor notícias sobre garrafas incomuns, raras ou indisponíveis em nosso país, mas que, por sorte ou destino, este Cão esbarrou durante uma visita a algum bar ou restaurante. A ideia é que você, meu caro, possa experimentar por conta própria whiskies que jamais imaginaria encontrar em nossa terra. Ou melhor, em São Paulo, quartel general deste blog.

E a garrafa desta edição é o Caol Ila 12 anos. Se você gosta do Double Black, o Caol Ila é para você. Ele é um dos ingredientes principais do blended whisky da Johnnie Walker, e lhe empresta o sabor defumado, característico daquela expressão.

A destilaria Caol Ila é a maior de Islay. Ela foi fundada em Port Askaig em 1846, e hoje pertence à Diageo, a gigante que também detém a marca Johnnie Walker. Sua produção anual é de aproximadamente quatro milhões de litros de whisky, sendo que a maioria é usada para compor blended whiskies. Apenas uma pequena parte – aproximadamente cinco por cento – é engarrafada como single malt, como essa garrafa da foto.

O Caol Ila 12 anos é a expressão mais famosa e comum da destilaria. E ainda que sua maturação não seja divulgada, pode-se presumir que ocorra principalmente em barricas de carvalho americano que antes continham Bourbon whiskey.

Este belo exemplar esfumaçado foi encontrado por este Cão no Twelve Bistro & Burger, restaurante na Vila Madalena capitaneado por Greigor Caisley. Como o nome já indica, a vocação da casa são os hambúrgueres. Há para todos os gostos. Desde o clássico X-Salada até um elegante hambúrguer que leva foie gras. E todos são excelentes.

Nham
Nham

Além de hambúrgueres, há uma carta com mais de quarenta rótulos de cerveja, escolhidos por Greigor e seu sócio Daniel Santiago. E, como se não bastasse, há também boas opções de coquetéis e destilados. Ah, e as entradas – como a coxinha de rabada – também são ótimas.

Interessou? Bem, então corra. Há apenas uma garrafa, e ela já está quase no final. Mas também não precisa se desesperar. Greigor é apaixonado por whiskies defumados, e sempre tenta manter ao menos uma garrafa de algo incomum nas prateleiras de seu restaurante. O endereço do Twelve Burger & Bistrô é o seguinte:

Rua Simão Alvares, 1018 – Pinheiros – SP

Fone: (11) 3562•7550

Fascinação – Glenfiddich 12 Anos

 

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Sabe, crescer é engraçado. Digo isso em parte por experiência própria mas, principalmente, por observar a querida Cãzinha. Para ela, até o mais trivial é fascinante. Já muitas vezes a surpreendi mesmerizada com coisas tão simples como o brilho de uma colher, um risco em um papel ou mesmo seu próprio cabelo.

A abordagem dela é de fazer inveja a qualquer pesquisador. Há certa curiosidade inconsequente, que – em muitos casos – lhe permite fazer coisas que me deixam absolutamente maluco. Como, por exemplo, cutucar as patas de uma barata morta, avaliar a consistência do cocô do cachorro e enfiar brinquedos de plástico na torradeira.

Talvez o que direi em seguida possa ter uma faceta pessimista. Mas não é isso. Na verdade – como diz todo pessimista – é uma simples constatação cristalina. À medida que vamos crescendo, cada vez menos nos fascinamos. Crescer, dentre muitas outras coisas, é trocar involuntariamente fascínio por experiência. E isso não é necessariamente ruim. Mas é também a razão pela qual muitas vezes escolho me acomodar no sofá com um copo na mão a conhecer um lugar novo com a Cã.

Há, no entanto, uma parte interessante sobre a experiência. Que é a de redescobrir coisas. Ver novamente aquele filme que você tanto gostava. Ou reler um livro, lido há mais de dez anos, e perceber nele uma profundidade completamente nova. A experiência enriquece a redescoberta, que dá espaço para uma fascinante surpresa.

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Esse não vale.

Tive essa sensação há algumas poucas semanas, quando reexperimentei, após bons anos, o Glenfiddich 12 anos. Aquele, que fora um dos meus primeiros single malts, e que considerava conhecer muito bem, ainda que raramente o tomasse. Porém, ao contrário de minha expectativa, prová-lo novamente foi uma experiência completamente nova, sucedida pela mesma constatação que fiz daquela primeira vez. O Glenfiddich 12 anos continua excelente.

O Glenfiddich 12 anos talvez seja a escolha mais óbvia para aqueles dispostos a se fascinar no mundo dos single malts. Ele possui um preço bem convidativo e qualidade irrepreensível. É complexo para sua idade. Além disso, ele é praticamente onipresente. O Glenfiddich 12 anos está na prateleira do supermercado, na loja especializada e atrás do balcão naquele restaurante. E, também, muito provavelmente, no armário de bebidas da casa daquele seu amigo, ainda que ele nunca tenha dado a devida atenção àquela garrafa.

Esta onipresença não é difícil de explicar. Glenfiddich foi a primeira destilaria a engarrafar e vender internacionalmente seu single malt, na década de 1960. Este pioneirismo lhes rendeu frutos. Atualmente, é o campeão de vendas, quando o assunto é single malt. E o Glenfiddich 12 anos é, naturalmente, sua expressão mais vendida.

Ao contrário da tendência da indústria, que é a utilização de vapor, alguns alambiques em Glenfiddich ainda utilizam fogo direto como forma de aquecimento. O resultado é um destilado mais aromático, encorpado e oleoso. O fogo direto tem sido cada vez menos utilizado por aumentar bastante o custo de manutenção – e reduzir o tempo de substituição – dos alambiques.

A maturação do Glenfiddich 12 anos ocorre tanto em barricas de carvalho americano, que antes maturaram bourbon whiskey,como nas de  carvalho europeu, que continham vinho jerez. Após doze anos de maturação, estes whiskies são casados e por pelo menos mais 3 meses descansam em pequenos tonéis de 2000 litros para finalização.  A destilaria não divulga a proporção exata deste “casamento” de barricas, mas sentimos a assinatura Glenfiddich já no aroma adocicado, o que denota a predominância das barricas ex-bourbon.

Glenfiddich possui uma história interessante de pioneirismo. A destilaria pertence até hoje à família de seu fundador, William Grant. Fundada em 1887, ela foi inteiramente construída por William, que ganhara experiência como gerente da destilaria Mortlach. Veja bem, inteiramente construída por ele e, seus nove (eu disse nove) filhos e a esposa, Elizabeth. Este sim era um senhor que se mesmerizava pelo fascínio de sua prole.

Além de um reprodutor exemplar, William foi um cara empreendedor e ambicioso. Em 1892 – mais uma vez com o auxílio de um exército familiar – fundou sua segunda destilaria, há poucos metros da primeira. A também famosíssima The Balvenie.

Greve dos filhos de John Grant
Greve dos filhos de William Grant

Durante quase um século a produção de Glenfiddich foi dedicada aos blended scotch whiskies.  Como você já deve ter deduzido pelo sobrenome deste distinto senhor, a Grant’s. Sua expressão Family Reserve foi durante muitos anos o whisky mais vendido do Brasil.

Foi apenas em 1963, que Sandy Gordon, bisneto de William Grant, engarrafou o precioso líquido produzido por sua família em Glenfiddich, e levou para Nova Iorque para apresentar ao maior mercado dos blended scotch whiskies do mundo naquela época. Foi um sucesso total. Estava criada a hoje mundialmente conhecida categoria dos Single Malt Scotch Whiskies. O icônico formato triangular do recipiente, porém, foi introduzido somente em 1969.

No Brasil, uma garrafa do Glenfiddich 12 anos custa pouco mais de R$ 200,00 (duzentos reais). Além dele, a Casa Flora – sua importadora oficial – traz mais quatro expressões para o país. O 15 anos, 18 anos, 21 anos e 26 anos. As duas primeiras já revistas nestas páginas caninas.

O Glenfiddich 12 anos é um whisky que apela tanto para aqueles que estão na fascinante fase das primeiras descobertas no campo dos single malts, quanto para aqueles já mais experientes. Segundo os donos da destilaria e entusiastas da categoria é passagem obrigatória para que se entenda o caráter de um single malt e principalmente a personalidade de um whisky da região do Speyside. Ele é o tipo de single malt que merece ser revisitado, de tempos em tempos. Nem que seja somente para reafirmar uma experiência e novamente se fascinar.

GLENFIDDICH 12 ANOS

Tipo: Single Malt Whisky com idade definida – 12 anos

Destilaria: Glenfiddich

Região: Speyside

ABV: 40%

Notas de prova:

Aroma: Cítrico, com mel e levemente floral.

Sabor: Frutado, cítrico, com mel e nozes. O sabor vai tornando-se progressivamente mais apimentado.

Com água: A água reduz os sabores cítricos e de especiarias.

Preço: R$ 230,00 (duzentos e trinta reais)

(Um pouco mais que um) Drops – Laphroaig An Cuan Mór

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Sabe, nunca fui muito de praia. Gosto muito da sensação proporcionada pelo mar. Aquele leve embalo, quase caótico, que nos puxa e traz de volta à areia. Mas todo o resto não me atrai muito. A começar pela areia nos lugares errados. E pela sensação de viscosidade proporcionada pela água salgada evaporando sob o sol. Ah, e passar protetor solar.

No entanto, gosto muito do oceano. Algo misterioso. Belo, imponente e enigmático. O mar sempre me proporcionou certo fascínio. Mas não só ele. Estes adjetivos se aplicam perfeitamente também ao An Cuan Mor, um single malt sem idade definida produzido pela destilaria favoria do Príncipe Charles, a Laphroaig.

Não por acaso, An Cuan Mor traduz-se literalmente, como “O Grande Oceano”, em gaélico. É um whisky defumado, mas ao mesmo tempo adocicado, com sabor de frutas vermelhas, cítrico e com um final irresistivelmente adocicado e aromático. Apesar de não ter idade estampada no rótulo, a expressão pode se passar facilmente por um single malt com idade superior aos dezoito anos.

De acordo com a própria Laphroaig, “esta expressão singular é a celebração da arte da Laphroaig, com a seleção dos melhores lotes por nosso distillery manager, por conta de seu sabor excepcional. Todos foram maturados em barricas de primeiro uso de carvalho americano de ex-bourbon, em nosso armazém contíguo ao oceano Atlântico. Este whisky foi então recolocado em barricas e deixado para descansar no melhor do carvalho europeu. O resultado é uma fusão extraordinária de sabores, com nossa turfa medicinal aliada a suaves notas picantes e de caramelo  proporcionadas pelo carvalho americano, e a riqueza do damasco e passas do carvalho europeu. Finalmente engarrafado e não filtrado a frio (…). Qualquer coisa que possa resistir por duzentos anos ao oceano Atlântico merece um certo reconhecimento”.

Contíguo MESMO.
Contíguo MESMO.

A explicação da Laphroaig é tão poética que, talvez, um detalhe tenha passado despercebido. Não se menciona o conteúdo anterior das barricas de carvalho europeu. E aí vai a surpresa. O conteúdo não é mencionado porque ele simplesmente não existe. O An Cuan Mor é um dos pouquíssimos whiskies escoceses que utiliza barris virgens daquela madeira para sua maturação. Na verdade, ele é maturado por aproximadamente dez anos em barricas de carvalho americano que contiveram bourbon whisky da Maker’s Mark, e finalizado por mais um par de anos no quercus robur. Tudo, claro, ao lado do mar.

O Laphroaig An Cuan Mor é uma das mais queridas expressões de uma das mais esmeradas destilarias deste Cão. Além disso, nesta singela opinião canídea, ele é uma prova líquida – literalmente líquida – de que whiskies sem idade definida podem ser até mesmo superiores àqueles bastante maturados. Basta que sejam produzidos com cuidado, técnica e criatividade.

Mas este que vos escreve não é o único admirador da destilaria de Islay. Ela é a preferida do príncipe Charles. Ele gosta tanto da destilaria que, na visita que fez à Laphroaig para conceder-lhe o Royal Warrant (uma espécie de selo de qualidade concedido pela família real) destruiu o avião que pilotava em um pouso desastroso, apenas para passar algumas horas a mais na destilaria. Na oportunidade, além de arrebentar uma aeronave de vinte e cinco milhões de dólares, destruir a cerca de uma fazenda e assustar mortalmente um rebanho de ovelhas, o príncipe provou quase o portfólio inteiro da destilaria. Sorte que o avião ficou inutilizado, porque se pousar sóbrio já foi difícil, imagino como seria decolar de lá embriagado.

O An Cuan Mor não é um whisky muito fácil de se encontrar. Ele está disponível em alguns aeroportos internacionais, mas sua disponibilidade é relativamente limitada. Assim, se você é apaixonado pelos whiskies defumados e cruzar com um destes, não deixe de experimentar. Ele é quase um mergulho no mar. Com a vantagem que você nem precisa tomar banho depois.

LAPHROAIG AN CUAN MOR

Tipo: Single Malt csem idade definida

Destilaria: Laphroaig

Região: Islay

ABV: 48%

Notas de prova:

Aroma: turfado e defumado. Frutado, com um fundo de mel e baunilha.

Sabor: Início defumado, que progressivamente vai se tornando mais adocicado, passando das frutas vermelhas para o mel e finalizando em baunilha e especiarias.

Drink do Cão – Remember the Maine

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A marinha brasileira já fez uma enorme contribuição para o mundo da coquetelaria. Se, para você, essa frase não faz o menor sentido, não se preocupe. Ela não faz mesmo. Mas se você considerar uma sequência de eventos de causa e consequência – às vezes, consequências indiretas – a frase se torna curiosamente verdadeira. E é essa a história que vou contar hoje. De trás pra frente, para ter mais graça.

Em 1895 foi comissionado o USS Maine, um encouraçado de guerra da marinha americana. Um encouraçado que teria caído no esquecimento, não fosse seu naufrágio poucos anos mais tarde. O USS Maine afundou no porto de Havana, Cuba, em fevereiro de 1898, devido a uma enorme e repentina explosão. E ainda que a razão da explosão nunca tenha sido devidamente esclarecida, os americanos acharam de bom tom culpar a Espanha.

Foi (quase) assim.
Foi (quase) assim.

Por que? Bem, porque o USS Maine estava no porto de Havana justamente para proteger os interesses norte-americanos – leia-se, o domínio dos Estados Unidos – durante a revolta cubana conta a Espanha. Esta revolta, mais tarde, culminou na independência da ilha. E, na cabeça da imprensa estadounidense – que contava com nomes bem respeitados hoje em dia, como Pulitzer e Hearst – a explosão do encouraçado não poderia ter sido simplesmente uma coincidência.

O afundamento do USS Maine foi o estopim para a  Guerra Hispano-Americana, um (nem tão) sanguinário e (muito pouco) duradouro conflito. A guerra, que teria levado pouco mais de dez semanas, no entanto, foi extensamente noticiada nos Estados Unidos. E, para a imprensa, a principal razão do conflito teria sido, justamente, o naufrágio do encouraçado.

Com cobertura ostensiva da mídia impressa, a opinião do povo norte-americano se voltou rapidamente contra a Espanha. E o grito de guerra com a rima mais estúpida da história foi criado: “Remember the Maine, to hell with Spain” (lembre-se do Maine, e para o inferno com a Espanha).

E pelo jeito, o USS Maine foi mesmo lembrado. Porque em 1939, Charles H. Baker, o autor americano especializado em coquetelaria e cozinha mencionou o navio em seu livro “The Gentleman’s Companion: Being an Exotic Drinking Book or Around the World with Jigger, Beaker and Flask” ao falar de um coquetel batizado com a primeira parte do grito – Remember the Maine. Aliás, o livro de Baker faz exatamente o que se propõe, e o que seria o sonho de todo hipster dos dias de hoje. Dar uma volta ao mundo experimentando e contando sobre os mais exóticos coquetéis.

De acordo com Baker, “Remember the Maine, uma memória fugaz de uma noite em Havana durante os desprazeres de 1933, quando cada gole era pontuado pelo som de bombas explodindo no Prado ou o barulho de balas de 3’ sendo atiradas no Hotel Nacional, o abrigo para certos oficiais antirrevolucionários.”

Baker. Uma volta ao mundo de copo em copo
Baker. Uma volta ao mundo de copo em copo

O Remember the Maine é, na verdade, uma variação de um Manhattan, já revisto nestas páginas caninas. A diferença fica por conta da proporção, da ausência de bitters e da inclusão de licor de cereja e absinto. Pensando bem, com tantas mudanças, não sei se iria tão longe a ponto de afirmar que é uma variação. Talvez seja apenas um coquetel diferente, mas com o mesmo perfil.

Bem, você provavelmente chegou até aqui sem entender o papel da marinha brasileira nessa história toda. Eu conto. É que o USS Maine somente foi criado e comissionado como uma resposta a um navio brasileiro, o Encouraçado Riachuelo, construído no Reino Unido em 1883.

Mas o mais interessante da história toda é que antes de tudo isso, o Governo Norte-Americano teria sido pressionado a construir o USS Maine. Pressionado pela imprensa, que considerava a marinha americana inferior àquela que teria se desenvolvido nos países da América Latina, como o Brasil. Aliás, a mesma imprensa que noticiou o naufrágio do USS Maine como tendo sido um ato de guerra.

Assim, prezados leitores, preparem suas taças. Porque aí vai mais uma receita de coquetelaria deste perro embotellado. Ou bottled dog, dependendo do lado que estiver do conflito. Mas, independentemente disso, levante a taça e brinde às causas e consequências da história. E ao perene papel da imprensa desde sua criação. Ah, e claro, remember the Maine.

REMEMBER THE MAINE

INGREDIENTES

  • 2 doses de Rye Whiskey (este Cão utilizou o Wild Turkey 101 Rye. No entanto, caso não tenha acesso a um Rye, sua melhor aposta será o recém-chegado Bulleit Bourbon).
  • ¾ de dose de Vermute tinto
  • 2 colheres de chá de licor de cereja (Cherry Heering)
  • ½ colher de chá de absinto
  • Gelo

PREPARO

Aqui você tem duas opções. A primeira é juntar todos os ingredientes em um mixing glass, ou em algum recipiente para misturar, junto com bastante gelo. O livro de Baker dá uma curiosa dica nesta parte: “Mexa vigorosamente no sentido horário. Isto o faz pronto para o mar, presumivelmente!

A segunda é pegar a taça coupé ou de martini que será usada para servir o drink, despejar o absinto e girá-la, como se estivesse untando a taça, e descartar o excesso de absinto. Isso faz com que a taça fique com o aroma do destilado. Depois, reunir os demais ingredientes no mixing glass e misturar, como na opção 1.

Por fim, e independentemente da opção escolhida, com o auxílio de um strainer ou uma peneira, coar o gelo e descer na taça coupé ou taça de Martini.