Fancy Free – Bourbon Month

Há uma centena de datas comemorativas bem aleatórias durante o ano. Uma das minhas preferidas é o dia 01 de fevereiro. É o dia do Eletricitário Gaúcho. Gosto da data porque ela é bem específica – eletricitário já é difícil, imagina gaúcho. Outra que me fascina, pelo motivo contrário, é 02 de fevereiro, o dia seguinte. O Dia Mundial das Zonas Úmidas. O que, afinal, são as zonas úmidas? É um eufemismo para o dia do banheiro? Mas no quesito aleatoriedade, poucas celebrações ganham de uma que toma um mês inteiro. Janeiro, o Mês da Digestão da Ameixa Seca Californiana. Chega a ser dadaísta. E é ainda mais admirável que seu gênio criador foi Arnold Scwarzenegger. Em 2009 o então governator determinou que aquele seria o mês dedicado a “encontrar deliciosas formas de integrar a ameixa seca na sua dieta e na de seus entes queridos“. E tudo bem que janeiro é mesmo meio parado, que tá todo mundo de férias, e às vezes bate um tédio. Mas passar um mês inteiro sendo criativo com ameixas secas está longe de meu conceito de diversão, mesmo nos mais entediantes dias. O mês de Setembro – um tanto mais agitado – porém, […]

The Rapscallion – Das Trocas

Há umas semanas, fui numa hamburgueria nova que abriu aqui perto de casa. Olhei o menu. Hambúrguer de shimeji, linhaça, soja. Acenei pro garçom, que se dirigiu até minha mesa com um sorriso condescendente, talvez antecipando minha indagação. “Só tem hamburger vegano, não tem de carne, carne mesmo?” perguntei. “Não tem, essa é nossa proposta. Prova o vegano, você vai achar super gostoso nem vai notar a diferença. O de shimeji é nosso carro chefe, parece até hambúrguer de picanha” . Ponderei por alguns instantes, mas decidi deixar o preconceito de lado e provar aquele (nem tão) convidativo disco de fungos moídos. A primeira mordida me deixou intrigado. Na segunda, levantei o braço. O garçom prontamente se aproximou inclinando a cabeça para frente, como se curioso sobre o que viria – “Gostou?” – perguntou. “Cara não é ruim, mas tá longe de um hambúrguer de picanha. Aquela melancia grelhada da Bela Gil tá mais perto de churrasco do que isso tá de um hambúrguer de picanha“. O garçom, então, fechou a cara e me entregou a conta, como se eu não fosse digno daquele espaço. Fiquei incomodado. Até porque tinha gostado do sanduíche. Só não parecia hambúrguer de picanha. Aquele […]

Hot Toddy – Panacéia

Crianças ficam doentes. Isso é inexorável. É preciso criar memória imunológica. Colocar o sistema pra funcionar, ganhar resiliência. E elas são bem talentosas nisso. Vejo pelos meus dois cãezinhos – comer a batatinha que caiu no chão e o cachorro de verdade fuçou, lamber a mão depois de ter apoiado no chão imundo da escola e colocar a boca no corrimão do elevador são coisas triviais para eles. O que explica a frequência que ficam doentes. Especialmente resfriados. Não adianta. Não é porque eles estão mal agasalhados, ou porque pegaram um golpe de ar de alguma janela aberta. Nem porque tomaram pouco suco de laranja. Isso não tem nada a ver com o resfriado. É porque eles são porcos mesmo. Porque eles tem zero apreço pela higiene pessoal. Na idade deles, eu era assim também. Meus resfriados tinham frequência quase mensal. E para aliviar os sintomas – ou melhor, para me fazer ter saudades dos sintomas – minha mãe recomendava algo tão infalível quanto detestável – água quente, limão e sal. E quando um raio de bondade a atingia, com um pouquinho de mel. Acho que é por isso que gosto tanto de whiskey sour hoje em dia. Uma panaceia […]

Scofflaw Cocktail – Neologismo

Neologismo. A criatividade humana aplicada à linguagem. O berço de palavras, para suprir necessidades ou lacunas. A prova de que a língua não é pétrea ou falecida, mas fluida e viva – em constante mudança. Se você acha que escrevi algo abobado, então dê uma googlada. Eles são onipresentes. O drone comprado no camelódromo. A foto photoshopada da blogueira. O computadorês, aliás, é campeão – deletar, resetar, escanear e (um preferido meu) boostar. Com dois “ós”, por favor, e sem me trollar, porque com um só, é outra coisa. Mas a coquetelaria não fica muito para trás. Coquetel mesmo, a palavra, já foi um neologismo. Ela deriva do inglês cocktail, que, por sua vez, pode ter vindo da corruptela de uma palavra creole – cockley. Ou de uma história bizarra envolvendo gengibre e o derrière (esse nao é um neologismo) de mamíferos de grande porte. Ninguém sabe ao certo. Outro neologismo na coquetelaria – mas em inglês – foi Scofflaw, que pouco tempo depois virou um drink. A palavra, que significa “zomba-lei” era usado para descrever justamente o público alvo do coquetel. Os homens que desafiavam a lei seca e bebiam. A palavra ganhou um concurso promovido por Delcevare King, […]

Cameron’s Kick – Inominado

  Hoje vou inverter o texto. É que vou falar de um coquetel que ninguém conhece bem a história. Um drink que leva orgeat, limão siciliano e dois tipos de whisky – irlandês e escocês. Mas cuja origem é totalmente desconhecida. E a razão do nome, mais ainda. O Cameron’s Kick. Nem grandes estudiosos da coquetelaria possuem a mais rasa ideia de quem era esse tal de Cameron. E por que o coquetel teria sido batizado em homenagem a um chute do ilustre desconhecido. A nós, resta apenas especular. Talvez o drink seja uma homenagem ao diretor James Cameron, e a vontade que eu tenho de chutar a cabeça dele depois de ter perdido três horas da minha vida vendo Avatar. Aliás, sei lá porque eu resolvi ver Avatar, já que eu sabia que o filme tinha três horas e era dirigido pelo mesmo cara que me fez perder outras cinco horas e meia, ao todo, assistindo o Titanic e o Segredo do Abismo. Pelo menos tem True Lies e Terminator. Que não compensam o naufrágio que são os outros dois filmes. Mas deixam a situação um pouco melhor. Pode ser também que tenha sido um tributo ao ex-primeiro ministro inglês David […]

Uso de whisky na coquetelaria – Transgressão

Hoje irei direto ao ponto. Sem longas introduções ou comparações, mesmo porque haverá oportunidade para isto no meio deste texto. Há alguns dias lancei um post sobre um coquetel que sou apaixonado. O Rusty Compass. Ele é resultado do cruzamento entre um Blood and Sand e um Rusty Nail, e leva whisky turfado. Uma bela proporção de whisky insanamente turfado, capaz de superar o dulçor trazido pelo Drambuie. Depois de testar quase à exaustão e embriaguez, joguei a metafórica toalha e admiti – o melhor resultado levava Ardbeg. Um single malt de mais de trezentos reais. Era um drink tão delicioso quanto desesperadoramente caro. Resolvi lançá-lo no Cão com essa ressalva. Relativizei um pouco a história, e até mesmo recomendei misturar outro whisky, e reduzir o Drambuie. Já esperava receber alguma repreensão de algum leitor, mas uma delas me pegou desguarnecido. É um pecado misturar whisky, whisky é pra tomar puro, já é cheio de sabor, ainda mais single malt. Me surpreendi. Eu não posso preparar coquetéis com whisky? Deixe-me mudar o objeto para outro destilado. A vodka. Dave Wondrich uma vez disse que a ”A vodka é o peito de frango desossado e sem pele da coquetelaria – tudo tem […]

Morning Glory Fizz – Da Continuidade

A última matéria de 2018. Em menos de dois dias, teremos mais trezentos e sessenta e cinco outros para fazer novamente tudo que fizemos de errado nos anteriores. Mas não sem antes aproveitar as últimas horas do ano de uma forma alegremente inconsequente, e desastrosamente otimista. Algo que certamente lhe trará lembranças no dia seguinte. Lembranças, essas, reavivadas pela boca seca, enxaqueca e fotofobia. Feliz veisalgia nova, meu caro leitor. Assim, talvez a melhor forma de se iniciar um novo ano não seja com falsas promessas. Mas sim reparando a igualmente épica e desastrosa última noite do ano anterior. E é aqui que entra o Morning Glory Fizz. Um café da manhã em forma de coquetel, que leva whisky, absinto (ou pastis), suco de limão, água com gás e, claro, uma clara de ovo, para dar sustento. Se sua consciência não lhe permite beber um coquetel de café da manhã, ainda que você deseje, deixe-me ajudá-lo a dissipar essa hipocrisia. Durante o século XIX, essa era uma prática muito comum. Os coquetéis traziam mais disposição e vigor aos jovens pela manhã. Muitos drinks que hoje conhecemos nasceram deste hábito, como o Between the Sheets, Pick me Up e o Red […]

Paris-Manhattan – Desconexão

Todos nós temos problemas. E falar sobre eles quase sempre traz alívio. A maioria de nós escolhe o companheiro, um amigo próximo ou um parente. Estes são nossos confidentes. Na literatura também. E lá, o papel do confidente é duplo. Além de muitas vezes auxiliar o herói, o confidente é uma forma de revelar os pensamentos e aflições do protagonista, sem criar artificialidade. Existem infinitos exemplos, da mais clássica à mais prosaica literatura. Horácio é o confidente de Hamlet, na conhecida obra de Shakespeare. Razumikhin é o de  Raskolnikov, em Crime e Castigo. Dumbledore é mentor e confidente de Harry Potter, assim como Galdalf para Frodo. E não, o mestre dos magos não é confidente de ninguém, porque ele é o Vingador e uma muleta de roteiro bem safada. Até objetos inanimados podem ser confidentes. E não estou falando do pessoal que fica contando segredos no Faceboook pra polemizar. Me refiro ao Wilson, do Náufrago, por exemplo. Ou a Alice. Não a do país das maravilhas. Mas a protagonista de uma comédia romântica chamada Paris-Manhattan. No filme ela tem uma estranha obsessão por Woody Allen, e conta seus segredos para um poster do diretor em seu quarto. Aliás, o filme é uma […]

Josefel Zanatás – Cãoquetel

Hoje vou contar para vocês a história de um homem fictício singular. Um homem cético, desiludido e traumatizado. E também dono de um duvidoso gosto por vestuário e questionável higiene pessoal. Seu nome é Josefel Zanatás – uma alusão ao amargor do fel, combinada com o nome do tinhoso, escrito do avesso. Josefel usa terno, capa e cartola. Possui unhas compridas e é obstinado a encontrar a mulher perfeita para gerar, em seu ventre, o mais primoroso filho. O que, pra falar a verdade, com o visual que Josefel possui, é uma tarefa fadada ao fracasso. Josefel não é um homem real. Mas é o nome real do pseudônimo – é, eu sei, é complicado assim mesmo – de José Mojica Marins, mais conhecido como Zé do Caixão. Marins nasceu em 1936, e criou Josefel em 1963, quando já era cineasta pprofissional. Segundo ele, a ideia de criar o coveiro mais famoso do cinema nacional partiu de um sonho esquisito que teve, e que envolvia sua morte. Quando acordou, ainda lembrava da fantasia, e a utilizou para o primeiro filme de Zé do Caixão. O famoso À Meia Noite Levarei sua Alma.  “Eu fui achando um nome: Josefel – ‘fel’ […]

Loki Dry Gin e Hiddleston Gimlet – Cocktail Drops

Pai, porque é que pé de mesa é pé que nem o pé da gente? perguntou a Cãzinha. É que são homônimos perfeitos, respondi. E tem uns bem complicados, como fio de manga, que pode ser da sua blusa, ou aquele que fica no seu dente, da fruta – disse, referenciando mentalmente Caramuru. Senti que tinha ido um pouco longe demais. Mas ela deu uma risada e retrucou. É, quando você fala pé, eu acho que é o meu pé. Mesa nem tem pé que nem a gente.  Fiquei orgulhoso e tomei coragem pra responder. Tipo coração também, que pode ser o seu – e apontei para o tórax dela – ou o resultado mais nobre do processo de destilação. Sempre que me falam coração, eu penso na destilação”. O que seguiu foi um silêncio condenatório. É, talvez eu seja monomaníaco. Todo mundo pensa no centro do sistema circulatório. Outra palavra – ou melhor, nome – assim é Loki. Loki tem infinitos significados, da gíria à erudição. E é justamente por essa razão que a destilaria Destilab resolveu batizar seu gim premium, que acaba de ser lançado, com este nome. De acordo com Marcos Pipo, sócio da marca, a ideia era que […]