Hoje vou inverter o texto. É que vou falar de um coquetel que ninguém conhece bem a história. Um drink que leva orgeat, limão siciliano e dois tipos de whisky – irlandês e escocês. Mas cuja origem é totalmente desconhecida. E a razão do nome, mais ainda. O Cameron’s Kick. Nem grandes estudiosos da coquetelaria possuem a mais rasa ideia de quem era esse tal de Cameron. E por que o coquetel teria sido batizado em homenagem a um chute do ilustre desconhecido. A nós, resta apenas especular.
Talvez o drink seja uma homenagem ao diretor James Cameron, e a vontade que eu tenho de chutar a cabeça dele depois de ter perdido três horas da minha vida vendo Avatar. Aliás, sei lá porque eu resolvi ver Avatar, já que eu sabia que o filme tinha três horas e era dirigido pelo mesmo cara que me fez perder outras cinco horas e meia, ao todo, assistindo o Titanic e o Segredo do Abismo. Pelo menos tem True Lies e Terminator. Que não compensam o naufrágio que são os outros dois filmes. Mas deixam a situação um pouco melhor.
Pode ser também que tenha sido um tributo ao ex-primeiro ministro inglês David Cameron, e sua incrível capacidade de chutar – e ser chutado – por todo mundo, independente de credo ou origem, ganhando o ódio de grupos tão distintos quanto o Estado Islâmico, a União Européia e a Escócia.
A teoria mais plausível, entretanto – considerando a data em que o drink primeiro figurou na literatura especializada – é que ele tenha sido batizado em louvor à batalha de Inverlochy, quando o Clan Cameron lutou lado a lado com os irlandeses e derrotou o Clan Campbell, em 1645. O que faz sentido, já que a receita leva tanto Irish quanto Scotch Whisky.
Seja como for, a primeira aparição do Cameron’s Kick foi no Savoy Cocktail Book de Harry Craddock, em 1930. Mais tarde, em 2005, a mistura figurou no Killer Cocktails, de David Wondrich. Este Cão, porém, tomou conhecimento do drink durante um evento organizado pelo Difford’s Guide, que contou com o mestre Spencer Amereno atrás do balcão – o Discerning Drinker’s Club. Na oportunidade, o bartender preparou uma receita sensivelmente diferente, com orgeat de baru.
O Cameron’s Kick é aquela espécie de coquetel que tem tudo para dar errado. Porém, o drink se mostra inacreditavelmente equilibrado e complexo. O orgeat – calda de amêndoas – cria um contraponto excelente com o limão, e ressalta a característica amadeirada dos whiskies. Há, porém, um ponto curioso, que talvez mereça um pouco mais de atenção. A dupla base, que conta com irish whiskey e scotch whisky em proporções iguais. É algo que não faz muito sentido – há whiskies tanto escoceses quanto irlandeses que, sozinhos, poderiam suprir a falta do outro na mistura.
Assim como o nome do coquetel, nos resta especular. Este Cão, porém, possui uma teoria. É que antes de 1930, especialmente durante a época da lei seca norte-americana, boa parte das destilarias escocesas produzia malte defumado. Essa era uma característica de muitos whiskies de Campbeltown – a cidade que outrora foi considerada a capital mundial do whisky, e contava com mais de vinte destilarias. Então, talvez, esta seja a intenção por trás da curiosa dupla base. Talvez seu criador tenha pensado em algum whisky defumado, mas ao escrever a receita, especificou apenas whisky escocês – que teria sua pungência aliviada pelo irlandês.
Outro ponto que merece atenção é a calda de amêndoas, conhecida como orgeat. Há produtos industriais que podem economizar seu tempo nesse estágio, ainda mais se você estiver com pressa para beber. Porém, estas caldas possuem um dulçor muito superior àquele que seria o resultado de um produto artesanal. Então, se utilizar uma delas, tome cuidado para que o coquetel não fique excessivamente doce. Reduza a quantidade, ou dilua um pouco a calda.
Enfim, minha intenção aqui não é desperdiçar seu tempo, meu caro – se fosse isso, te recomendaria ir ver Titanic ou O Segredo do Abismo ou quase qualquer coisa do James Cameron sem o Schwarzenegger. Minha intenção é que você beba melhor. Então, sem mais especulações ou planos sequência, aí vai a receita do tão misterioso quanto excelente Cameron’s Kick. Seja lá quem for esse sujeito.
CAMERON’S KICK
INGREDIENTES
- 30ml irish whiskey
- 30ml scotch whisky
- 15ml suco de limão siciliano
- 10ml orgeat
- gelo
- parafernália para bater
- taça coupé
PREPARO
- Adicione, em uma coqueteleira, todos os ingredientes com bastante gelo
- bata vigorosamente
- desça o conteúdo da coqueteleira em uma taça coupé.
Parabéns pelo trabalho. Conheci o blog ha pouco tempo e ja li quase todos os post desde o inicio. Sobre o gelo usado nos drinks, podemos usar o gelo caseiro mesmo de formas tradicionais ou aquele comprado de saco seria mais apropriado? Agradeço o excelente conteudo disponibilizado. Grande abraço.
André, entre o gelo de posto e o gelo caseiro, ficaria com o caseiro. Na real, compraria uma forminha de gelinhos quadrados (esses 3×3 ou 4×4) ou retangulares, e usaria eles nos coquetéis, se tiver dificuldade de usar um gelão. Isso dentro do copo. Para diluir, como no caso do kick, gelo de geladeira normal mesmo. Os bares usam maquinas especiais, como as da WOC e MACON, que fazem um gelo bom. Mas o nosso da geladeira presta.
Mestre, True Lies e Terminator são clássicos, não é mesmo? Mesmo com o cara voando no míssil e o cavalo no elevador hahaha.
Base dupla composta de Scotch e Irish? Simplesmente, genial! Me sinto até um pouco culpado por não ter eu mesmo pensado nisso anteriormente.
Me parece um drink excelente e muito bem composto com a calda de amêndoas.
Me desculpe aproveitar a oportunidade, mestre mas o que o senhor acharia de Duthac (PX) vs Tayne (Amontillado)?
Abraço!
Fala mestre! Não é? Pior que fui criticado por falar mal do James Cameron e, especialmente, segredo do Abismo. Ah, vá, tem um supositório de água que vira uma pessoa, e essa é a cena mais famosa!!
Sobre os dois Glenmos, Duthac, hands down, sem pensar.
Cameron’s Kick se refere aos chutes que o personagem Cameron deu na Ferrari do pai (e que jogaram o carro ribanceira abaixo) no final de Curtindo a Vida Adoidado.
Essa hipótese eu não havia levantado!!