The Rapscallion – Das Trocas

Há umas semanas, fui numa hamburgueria nova que abriu aqui perto de casa. Olhei o menu. Hambúrguer de shimeji, linhaça, soja. Acenei pro garçom, que se dirigiu até minha mesa com um sorriso condescendente, talvez antecipando minha indagação. “Só tem hamburger vegano, não tem de carne, carne mesmo?” perguntei.

Não tem, essa é nossa proposta. Prova o vegano, você vai achar super gostoso nem vai notar a diferença. O de shimeji é nosso carro chefe, parece até hambúrguer de picanha” . Ponderei por alguns instantes, mas decidi deixar o preconceito de lado e provar aquele (nem tão) convidativo disco de fungos moídos. A primeira mordida me deixou intrigado. Na segunda, levantei o braço. O garçom prontamente se aproximou inclinando a cabeça para frente, como se curioso sobre o que viria – “Gostou?” – perguntou. “Cara não é ruim, mas tá longe de um hambúrguer de picanha. Aquela melancia grelhada da Bela Gil tá mais perto de churrasco do que isso tá de um hambúrguer de picanha“.

O garçom, então, fechou a cara e me entregou a conta, como se eu não fosse digno daquele espaço. Fiquei incomodado. Até porque tinha gostado do sanduíche. Só não parecia hambúrguer de picanha. Aquele era o problema. A comparação criara expectativa. Bastava me dizer que era bom, e pronto. “não parece com nada, mas é super gostoso. Aliás, peço antecipadas desculpas à supra mencionada Bela Gil, na remota possibilidade dela ler este post. Mas melancia grelhada não dá. E nem dá pra dizer que aquele emaranhado de pupunha é igual a spaghetti. É ótimo, mas é uma coisa completamente distinta.

Igualzinho macarrão né – Deixa eu pensar, não.

Lembrei desse meu episódio ao provar um coquetel que amei. O The Rapscallion – um drink que poderia até ser considerado uma variação de Rob Roy, não fosse completamente diferente. Mas igualmente delicioso. O The Rapscallion leva scotch whisky – preferencialmente Talisker, mas com uma história curiosa de substituições que não envolvem linhaça – vinho jerez PX e Pastis. Que você pode substituir por absinto, por exemplo.

O The Rapscallion ganhou fama em 2007, ao aparecer na carta do recém-inaugurado Ruby Bar, em Copenhague, que hoje figura na lista dos 50Best Bars. Adeline Shepherd, fundadora do Ruby, teria desenvolvido o drink alguns anos antes, junto com o colega Craig Harper, quando trabalhava em Edimburgo. De acordo com Craig “Em 2003 eu e a Adeline abrimos um bar chamado The Hallion em Edimburgo, e colocamos o drink na carta, feito com Johnnie Walker Black Label (…). Depois do The Hallion, me esqueci do coquetel, até que a Adeline o aprimorou em seu bar Ruby. Talisker funciona muito melhor

De acordo com seus criadores, Rapscallion é uma gíria escocesa, que define uma espécie de malandro. Uma pessoa sem reputação ou dignidade – o que até parece um paradoxo, considerando que o coquetel alcançou fama internacional de uma forma incrivelmente rápida.

A primeira aparição do The Rapscallion na literatura especializada foi no The PDT Cocktail Book, de Jim Meehan, em 2011. A receita lá reproduzida recomendava o uso de absinto ao invés de pastis – principalmente porque a oferta de pastis nos Estados Unidos, na época, era bem escassa – ou quase inexistente. Por conta da receita publicada por Meehan, no entanto, a maioria daqueles que conhecem o The Rapscallion creem que o coquetel leve absinto

Na singela opinião deste Cão, o uso de pastis ou absinto no coquetel é uma questão de gosto. O absinto ressaltará o aroma de alcaçuz, enquanto o pastis, de anis. Eu, com toda incoerência que é própria de nossa raça humana, adoro a primeira essência, mas tenho minhas reservas com a segunda. Assim, com toda vênia pela receita original, prefiro a versão de Meehan, que leva absinto.

Apesar da tenra idade, o The Rapscallion já coleciona uma série de variações. Alias, um fenômeno bastante incomum, próprio de drinks clássicos, ou daqueles que receberam o corolário muito rapidamente, como é o caso do Penicillin. Mas estou a divagar.

Uma dessas versões, servida no incrível Death & Co. de Nova Iorque leva o single malt Aberlour A’Bunadh e um toque de licor de maraschino. É uma versão mais difícil de ser feita – afinal, o perfil do A’Bunadh não é facilmente substituível. Mas o resultado é tão bom, mas tão bom, que este Cão resolveu incluir como uma opção (se você é contra o uso de single malts em coquetéis, clique aqui, ou leia a nota no final da receita).

A versão do Death & Co: Aberlour ao invés de Talisker.

Se você gosta de coquetéis que colocam o whisky em evidência, prepare e prove o The Rapscallion. É um drink memorável, que merece muito mais do que o meteórico reconhecimento atual. E não, você não pode substituir ele por um Manhattan, por exemplo.

1 – THE RAPSCALLION

Original, mas com absinto

INGREDIENTES

  • 2 doses de Talisker 10 anos (você pode arriscar com Johnnie Walker Double Black, apenas reduza um pouco a proporção de jerez PX, para não acentuar demais o dulçor do drink)
  • 1/2 dose de jerez PX (este Cão usou Maestro Sierra PX – a receita original pede 1 dose, mas achamos muito doce)
  • Absinto (ou pastis)
  • taça coupé ou copo baixo
  • parafernália para misturar

PREPARO

  1. Bordeie (ou unte) a taça ou copo com o absinto (ou o pastis).
  2. Adicione os demais ingredientes em um mixing glass com gelo, e misture.
  3. Desça, coando, a mistura no copo untado.

2 – THE RAPSCALLION

Sherry bomb, com licor de maraschino

INGREDIENTES

  • 2 doses de Aberlour A’Bunadh (tá bom, peguem qualquer whisky que seja bastante vínico. Não será a mesma coisa, mas o coquetel continuará ótimo, como, por exemplo Whyte & Mackay 13 ou Chivas Extra)
  • 1/4 dose de vinho jerez PX
  • 1 colher de sobremesa de licor de maraschino (Luxardo)
  • Absinto
  • Single malt defumado (como, talvez, o Laphroaig 10 anos), ou blend bastante defumado, para bordear.
  • Taça coupé ou copo baixo
  • parafernália para misturar

PREPARO

  1. Bordeie (ou unte) a taça ou copo com o whisky defumado. Nem vou falar pra descartar o excesso. Beba as gotinhas que sobraram.
  2. Adicione os demais ingredientes em um mixing glass com gelo, e misture.
  3. Desça, coando, a mistura no copo untado de whisky.

NOTA: Tanto a receita original quanto a variação do Rapscallion pedem single malts, ainda que de perfis distintos. Na opinião deste Cão, se houver algum outro whisky, preferencialmente um blended scotch, com perfil sensorial semelhante, a substituição pode ser feita tranquilamente. No entanto, a prática mostrou que o uso de um blend pode afetar bastante o sabor do drink, e desequilibrá-lo (por exemplo, o Double Black é um blend defumado, mas seu perfil sensorial é muito diferente daquele do Talisker, que é mais marítimo). De qualquer modo, sinta-se livre para usar o whisky que desejar, ainda que, neste caso, este Cão recomende fortemente o uso dos maltes.

3 thoughts on “The Rapscallion – Das Trocas

    1. Mestre, a Casa Flora traz o Fernando de Castilla jerez PX. É questão de procurar. Deve ter online. O que eu usei foi o El Maestro Sierra PX, que também era vendido em terras tupiniquins até m tempo, mas, pelo jeito, parou!

  1. Vou tentar fazer em casa, mestre. Acredito que vou preferir o Absinto. Deve acrescentar uma certa refrescância, não?
    Abraço e mais uma vez agradeço pelas ajudas.

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