Wild Turkey 81 – Sobre aves granjeiras

 

Não é segredo pra ninguém que eu odeio frango. Não é que eu não como frango, porque eu como quase qualquer coisa. Sério, se você me servir algo bem nojento, como, sei lá, olho de bode ou aquele ovo verde chinês, talvez eu tenha alguns segundos de ponderação. Mas, depois disso, há uma enorme possibilidade que eu vá provar. Aí, talvez, depois, eu vá dizer que aquele negócio é bem ruim ou absolutamente asqueroso, e ele entre no rol de coisas que eu provavelmente vou comer de novo porque sou teimoso, mas não gosto.

E o frango está aí. Eu como frango com desgosto. Não é um preconceito – preconceito seria se eu nunca tivesse provado – mas um pós-conceito. Eu já comi frango. Várias vezes. Em. Infinitos. Lugares. E é sempre ruim. Eu odeio tanto frango que uma vez fui pra uma fazenda no interior e visitei um galinheiro. Uma galinha, talvez farejando (galinhas farejam?) o ódio no ar, não pensou duas vezes. Me atacou em um voo tão agressivo quanto ridículo. E aí passei a não gostar de frango vivo, também.

Mas a beleza do mundo é a diversidade. Do outro lado do espectro da ojeriza por frangos, está Matteo Tranchellini. Matteo é um fotógrafo italiano que adora galináceos. Tanto é que ele tem um projeto – meio brega, se você me perguntar – em que fotografou mais de uma centena de galinhas e galos, ressaltando suas (discutíveis) belezas. Há aves de todos os jeitos. Umas bem empenadas, outras pernudas, outras com uma crista enorme. Tem até uma bem ridícula, que parece o Chewbacca.

Wookie ou frango?

Mas acho que o esquisito sou eu. Porque as pessoas gostam de galináceos. Tanto é que um dos whiskeys mais famosos e vendidos do mundo é nomeado em homenagem a um. O Wild Turkey, ou peru selvagem. Sua destilaria é uma das mais importantes dos Estados Unidos, e seus dois bourbons mais conhecidos são o 101 – já revisto aqui – e o 81, tema desta prova.

Talvez você esteja se perguntando porque a marca do peru selvagem resolveu batizar seus whiskeys com números. Bem, os algarismos se referem à graduação alcoólica do bourbon. Só que ao invés de utilizar a métrica do ABV (Alcohol By Volume, como usado atualmente no Reino Unido), a marca optou pelo proof – que é simplesmente o dobro da graduação expressa em ABV. Assim, o Wild Turkey 101 possui 50,5% e 81, 40,5% de graduação alcoólica.

Aliás, para mudar um pouco o papo sobre as galinhas, talvez essa seja uma oportunidade legal para contar a história sobre “proof“.O termo foi cunhado no século 16, na Inglaterra, quando as bebidas eram taxadas de acordo com seu volume de álcool. Os destilados eram testados molhando um pouco de pólvora com eles. Se a pólvora ainda pudesse queimar, então a bebida era taxada com maior severidade, por estar acima daquela prova (proof). Naquela época, o proof se referia a 1,75 vezes a graduação alcoólica. Quando o conceito foi transportado para a terra do frango frito – pelo jeito, frango é um assunto incontornável – passou a ser o dobro, exatamente.

De volta ao bourbon. O Wild Turkey 81 foi lançado em 2011, para comemorar o trigésimo ano de Eddie Russell – filho do master distiller Jimmy Russell e gerente da destilaria – na Wild Turkey. Quatro anos mais tarde, Jimmy juntou-se a seu pai no papel de master distiller, somando mais de noventa anos de experiência no processo de fabricação de bourbon. Em 2016 a identidade visual do whiskey foi revista, e o 81 foi rebatizado para simplesmente Wild Turkey Bourbon. Um nome tão bom quanto vago.

Novo visual

Como em todo bourbon whiskey, o cereal predominante na mashbill do Wild Turkey 81 é o milho – o preferido das detestáveis aves granjeiras que não mencionarei o nome novamente. A receita é a mesma de seu irmão 101: 75% de milho, 13% de centeio e 12% de cevada maltada. A maturação ocorre em barricas de carvalho americano virgens e torradas. A torra é  mais alta possível, e conhecida como “alligator char”, por conta do aspecto da madeira após o processo, que remonta a pele do réptil.  O Whiskey é retirado das barricas com graduação alcoolica média de  54,5%, e é posteriormente diluído com água para chegar aos 40,5%.

O Wild Turkey 81 é um whiskey bastante adocicado, nada agressivo, e com um claro sabor de caramelo, açúcar mascavo e baunilha. Por conta de seu sabor e da graduação alcoólica baixa, é uma bebida pouquíssimo desafiadora. Mesmo aqueles que não estão acostumados a beber whisky puro, não terão qualquer dificuldade em experimentá-lo desta forma. Assim, se você está começando no mundo dos whiskeys americanos, ou se simplesmente procura algo para bebericar sem muita preocupação e dificuldade, o Wild Turkey 81 é para você.

Ah, se todos os galináceos fossem iguais a este.

WILD TURKEY 81 BOURBON

Tipo: Bourbon Whiskey

Marca: Wild Turkey

Região: N/A

ABV: 40,5%

Notas de prova:

Aroma: Caramelo, açúcar mascavo, baunilha.

Sabor: Caramelo e mel, açúcar mascavo, baunilha. Final médio, muito suave, com mais baunilha e balinha de caramelo.

Com Água: A água torna o bourbon um pouco menos adocicado, e ressalta a baunilha.

18 thoughts on “Wild Turkey 81 – Sobre aves granjeiras

  1. Caro Maurício,
    Acho improvável que alguém consiga fazer algo apetitoso com um peito de frango. Certamente a segunda opção disponível irá ganhar, desconsiderando miolo de macaco e escorpião. Entretanto, as partes que os médicos unanimemente condenam são ótimos petiscos. Asa assada ou miúdo guisado acompanhariam bem um Wild Turkey. O diálogo é garantido.
    Abraços

  2. Prezado Maurício,
    É bastante improvável que alguém consiga preparar algo apetitoso com peito de frango. A segunda opção sempre irá ganhar, exceto no caso de miolo de macaco e escorpião. Entretanto, as partes que os médicos e nutricionista condenam unanimemente são excelentes petiscos. Asa assada e miúdo guisado fariam uma boa companhia ao Wild Turkey. O diálogo entre eles é coisa garantida.
    Abraços,

    1. Verdade, meu caro Sócrates. Não tem como ser frango, saudável e gostoso. Tem que escolher dois…rs. E concordo que a harmonização funciona bem!

  3. Me lembro quando estava montando meu bar e montei aquele pacote básico: Jameson, WT 81 e Chivas Regal Extra. Já faz algum tempo que eu não compro, mas é um whisky que me agrada (e agrada as visitas tb hahaha). Gosto dessa carga maior de centeio que ele tem em relação aos rivais e gostaria de no futuro provar as demais expressões. No momento, estou investindo nos single malts e não faz muito tempo que chegou meu Glen Garioch 8y (provavelmente será pouco desafiador, mas foi uma pechincha).

    Abraços, mestre!

  4. Eu nunca tinha experimentado nenhum whisky americano e estava muito na dúvida sobre o WT101 e o Jack Daniel’s… mas não encontrei em lugar nenhum pela minha região o 101. Resolvi então pelo WT81 e não me arrependi. Gostei bastante do sabor e da sensação ao saborear. Como estou começando a consumir whisky há pouco tempo senti muita diferença dos blends escoceses que já havia experimentado, mas a experiência foi surpreendentemente positiva. A garrafa tá no fim, vou tentar encontrar o 101 ou vou comprar outra do 81 mesmo! haha

  5. Que tal uma matéria sobre o Jack Daniels Gentleman? Sou mais o single malt, também por conta de morar perto do Paraguai e haver lojas muito confiáveis pra comprar Macallan! Comprei um WT 101 recentemente, mas ainda não provei. Agora vou!

  6. Que tal uma matéria sobre o Jack Daniels Gentleman? Sou mais o single malt, também por conta de morar perto do Paraguai e haver lojas muito confiáveis pra comprar Macallan! Comprei um WT 101 recentemente, mas ainda não provei. Agora vou!

  7. Como estou degustando este galináceo agora mesmo resolvi reler o texto. Sempre excelente. Parabéns Mauricio. E parabéns ao Peru 81, grata surpresa, e que descansa em paz após uma tarde excelente.

    1. Não é não, depende. Existe o 101 Rye e o 101 Bourbon. O numero 101 não define a mashbill, tão somente a graduação alcoolica

  8. Excelente texto explicativo. Soh que eu acho bem estranho, ser mais caro por conter mais alcool apenas.

    1. Lucas, não é bem isso. É que o corte (diluição para abaixar a graduaçao alcoolica) é feita DEPOIS da maturação. Então, quando voce tem um liquido com graduação mais alta, na verdade, o rendimento de barril por garrafa é menor – porque para a mesma quantidade de barril, vai menos água. Ele é mais caro porque, de uma forma bem simplificada, vai “mais whiskey” por ml.

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