Algonquin Cocktail – Hábito

A vida é repetição. Há uma pletora de coisas que fazemos todos os dias, e que são praticamente incontornáveis. Acordar, comer, trabalhar. Se você for uma pessoa com padrões razoáveis de higiene, tomar banho e escovar os dentes. Algumas vezes, essas coisas nos trazem prazer. Outras, são mera obrigação.

Para adicionar um hábito à rotina que não seja absolutamente necessário, ele tem que ser muito bom. Mas muito bom mesmo. Não imagino nada assim, nem, sei lá, beber whisky. E olha que eu realmente gosto de beber whisky. Mas foi isso que aconteceu com um grupo chamado
Algonquin Round Table (ou A Távola Redonda de Algonquin) – formado por escritores, dramaturgos, atores e outros artistas que se reuniam praticamente todo dia no hotel Algonquin, em Nova Iorque, para o almoço.

O grupo foi fundado pelo agente teatral John Peter Toohey e pelo crítico literário Alexander Wolcott. Ao longo do tempo, outras figuras proeminentes da cultura literária dos Estados Unidos se juntaram aos comensais. Harpo Marx, Dorothy Parker, Franklin Pierce Adams e Harold Ross eram alguns deles. Os almoços – que aconteciam praticamente todos os dias – duraram mais de dez anos, de 1919 até o começo da década de 30.

O hotel

É bem improvável, no entanto, que essa história tenha algo a ver com a coquetelaria. O Algonquin Round Table começou a se reunir bem na época em que vigorava a Lei Seca Norte-Americana. O próprio hotel, aliás, não servia bebidas alcoólicas, mesmo antes disso. E ainda que alguns membros fossem relativamente inclinados a diversões etílicas, suas preferências eram, na maior parte, highballs e, ocasionalmente, martinis – como aponta em um brilhante artigo o historiador de coquetelaria David Wondrich.

Isso, no entanto, não impediu que bartenders criassem coquetéis em homenagem àquele grupo. Ou, talvez, ao hotel. Dentre eles, triunfou – mais ou menos – um Algonquin que leva rye whiskey, vermute e suco de abacaxi. Criado na década de 30, o Algonquin jamais alcançou o prestígio de um Manhattan. Mas ganhou popularidade suficiente para sobreviver na memória da coquetelaria até os dias atuais. O que já é bem louvável, já que a maioria dos coquetéis que eu crio, eu mesmo esqueço no dia seguinte.

Talvez seja pro melhor…

O Algonquin é um coquetel curioso. Porque, aparentemente, é feito de ingredientes que não combinam. Se eu os recitar para alguém, no tom literário tão apreciado pelos membros da Távola Redonda de Algonquin, é bem provável que a pessoa coloque um semblante duvidoso, de quem lê poesia concretista. Porém, no paladar, o Algonquin funciona bem. Ele está longe de ser doce ou enjoativo, como dita a intuição etílica. É cítrico e seco, com perfil de sabor muito interessante.

Devo também alertar que o Algonquin não é um drink fácil. Não de ser bebido. Mas de ser bem executado. Como na boa literatura, chegar a um equilíbrio é difícil. Exige exatidão nas medidas e uma certa experiência ao escolher as palavras corretas, ou melhor, o vermute. Para mim, é algo quase contra-intuitivo: um vermute mais seco, no papel, parecia ser uma boa ideia, como pede a receita (dry vermouth). Mas o que mais me agradou, na prática, foi o Martini Riserva Speciale Ambrato – que fica no meio do caminho entre um vermute seco e doce.

Mas chega de subliteratura etílica. Preparem seus paladares, queridos leitores, para um coquetel inspirado em um dos mais famosos convescotes da alta cultura norte-americana. Mas muito cuidado. Porque é capaz que você goste tanto dele que o transforme em um hábito.

ALGONQUIN COCKTAIL

INGREDIENTES

  • 45ml rye whiskey (este Cão usou o Wild Turkey Rye, mas qualquer bourbon com uma boa proporção de centeio na mashbill funcionará. Se utilizar um bourbon, talvez seja uma boa ideia procurar um vermute mais seco)
  • 25ml vermute seco (ou nem tão seco assim – vide acima)
  • 25ml sumo de abacaxi*
  • taça coupé
  • parafernália para bater (shaker, strainer etc.)

PREPARO

  1. Adicione os ingredientes em uma coqueteleira e bata, com bastante gelo.
  2. desça a mistura numa taça coupé, passando por um strainer (ou peneira).

*OBSERVAÇÕES:

A receita acima foi a que mais agradou este Cão que vos escreve. Notem, porém, que a proporção pode ser simplificada para 2-1-1 em situações emergenciais.

Existe uma variação do Algonquin onde você pode macerar (isso é amassar com um pilão) o abacaxi na coqueteleira ao invés de usar o sumo. Deve-se macerar a fruta e adicionar os demais ingredientes, na proporção acima. Depois, basta coar com um strainer para remover pedaços do abacaxi.

Lembre-se que sumo de abacaxi, quando batido, cria espuma. Se não quiser um coquetel com espuma, faça o coquetel mexido, e não batido, como o da foto.

One thought on “Algonquin Cocktail – Hábito

  1. Gostei bastante da proposta do drink, mestre.
    Mais seco e mais cítrico é bem o que eu busco sempre hahaha.

    Abraço!

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