Bowmore 12 anos – Renúncias

O filósofo existencialista Jean-Paul Sartre escreveu que somos livres porque podemos escolher. Mas que cada escolha é uma renúncia. Já o dinamarquês Søren Kierkegaard – aliás, não faço a menor ideia de como se pronuncia um ó cortado – delineou que é o ato de fazer escolhas que traz significado à vida. O que é bem curioso vindo de um cara cujo sobrenome é uma variação de Kirkegård, que significa cemitério em sua lingua, e que morreu aos quarenta e dois anos de idade. Mas deixemos o senso deturpado de ironia de lado. Pela doutrina da dupla sertaneja do existencialismo Søren e Sartre, somos a soma de nossas escolhas. Não das pequenas, claro, porque você pode escolher comer um dogão um dia, miojo na outra e depois uma pizza, e isso não fará muita diferença na sua existência, exceto se continuar se alimentando estupidamente por um longo prazo. Mas, das maiores. Escolher um ofício significa renunciar a todos os outros, por exemplo. Deixar de escolher algo também, porque não tomar qualquer decisão é, na verdade, decidir pela passividade. Entretanto, as escolhas são limitadas por nossas possibilidades. A liberdade, para eles, na verdade não está em poder ser YOLO e sair […]

Glen Scotia 15 anos – Darwinismo

Você provavelmente já ouviu falar de Charles Darwin. Charles Darwin foi um naturalista britânico, que fez uma longa expedição a bordo de um navio chamado HMS Beagle, comendo tudo de exótico que encontrava pela frente. Aliás, um de seus traços era justamente a curiosidade para saber o gosto de tudo vivo que encontrava. Durante sua viagem no Beagle, Darwin se esbaldou em bichos como iguanas, tatus (sem piadinhas com os Mamonas, por favor) e tartarugas gigantes. Darwin foi o primeiro hipster gastronômico. Mas não foi por conta de seu gosto excêntrico que Darwin ficou famoso. Foi porque ele que cunhou a teoria da evolução. De acordo com sua teoria – que, convenhamos, é uma certeza – todas as espécies de organismos se desenvolvem por meio da seleção natural. Essa seleção faz com que apenas os organismos mais capazes de sobreviver conseguissem se reproduzir. O que garante mais chances de manutenção daquela espécie, em um meio ambiente selvagem e desafiador. O exemplo clássico é a girafa. A girafa parece um bicho desajeitado e pescoçudo, mas é, na verdade genial. Por conta de sua altura e pescoço, ela é capaz de alcançar os frutos mais altos das árvores, impossíveis para espécies – […]

Johnnie Blonde – Katsuobushi

Katsuobushi. Katsuobushi é a mais nova adição ao meu léxico de alimentos esquisitos que tanto aprecio. Num jeito bem rudimentar de explicar, katsuobushi é peixe seco ralado. Ou, mais especificamente, uma conserva seca, desidratada, às vezes defumada, de carne de peixe – geralmente atum-bonito – em finíssimas fatias, quase transparentes. E, como a descrição sugere, sozinho, tem o mesmo sabor de uma meia úmida utilizada por quatro horas para atravessar um manguezal. Mesmo que eu nunca tenha comido meia suja de manguezal. Só que, em conjunto com outros ingredientes, katsuobushi é incrível. Em sopas orientais fica fantástico, no sanduíche de gravlax – aliás, temos isso em nosso bar – é maravilhoso. O tal ingrediente oriental faz parte daquele conjunto incrível de ingredientes que não faz o menor sentido puro, mas, quando misturado, ganha vida e profundidade. Como também coisas bem mais elementares, como farinha, sal, e tofu. Se bem que tofu continua ruim, mesmo depois de misturar com quase qualquer coisa. Mas, enfim, são ingredientes que foram concebidos para serem combinados. No mundo das bebidas alcoólicas, há elementos assim também – bitters, normalmente. Mas whisky, por convenção, não. Até hoje, pouquíssimos whiskies foram criados e desenvolvidos especialmente para misturas. É […]

Logan Heritage Blend – Herança

Ah, por causa do Vinícius. Toda vez que menciono o nome deste blog a um interlocutor incauto, há sessenta e cinco por cento de chance dele mencionar o poetinha. Eu já contei. Durante uma época, até tomava nota. Este daí perguntou. Esse não. Eu costumava proferir o nome do blog e já engatilhar um sorrisinho de soslaio de antecipação à pergunta. Isso mesmo, a inspiração é o Vinícius de Moraes, sabe, eu adoro aquela frase, que o whisky é o melhor amigo do homem, é o cachorro engarrafado, que legal que você notou. Depois, ao abrir o Caledonia, outras indagações e afirmações se juntaram ao caderninho de recorrências. Você tem whisky japonês? Você tem aquele canadense do Mad Men? E aquela marca de Taiwan? Este daí é o do James Bond – e aponta pra uma garrafa de The Macallan. E eu sorrio, e respondo, já meio ensaiado, porque o negócio é tipo escovar os dentes ou dirigir até o trabalho. Você já engata o piloto automático e depois até fica assustado quando recobra a consciência voluntária. Mas, dessas perguntas e observações, há uma que eu sempre presto atenção. Meu pai bebia – ou bebe – esse daí. Meu pai […]

Port Charlotte 10 anos – Da Origem

Faça uma pinça com seu polegar e indicador e tampe o nariz. Engrosse um pouco a voz e repita comigo. Pamonha, pamonha, pamonha. Pamonhas de Piracicaba. O puro creme do milho. Agora, deixe de ser ridículo, tire o dedo do nariz e reflita comigo. Se você é de São Paulo, provavelmente já ouviu a frase antes, a ser repetida num efeito meio doppler, insistentemente no auto falante de alguma picape ou perua passando na rua. Além de ser extremamente irritante por invadir o espaço auditivo pessoal, a frase tem algo curioso. Piracicaba. Já me indaguei uma dezena de vezes por que as pamonhas de Piracicaba seriam melhores que as outras. E, nesta esteira, os morangos de Atibaia. O que Piracicaba e Atibaia tem para milho e morango, respectivamente, que os outros lugares não? Bem, um pouco de google-fu respondeu minha pergunta. As duas cidades são – ou foram – grandes polos de produção destes alimentos e ganharam fama. Atibaia tem até a festa do morango que, considerando meu profundo ódio por essa frutinha desprezível, seria algo que me dá tanta vontade quanto ver um filme do Nicholas Cage. De certa forma, a descoberta é é meio decepcionante. Não há nada […]

Jura 18 anos – Ilha Deserta

Quando sua vida serve de base para duas obras primas da literatura, ela, provavelmente, foi interessante. Como, por exemplo, a de Alexander Selkirk. Seus quatro anos e meio de sobrevivência em uma ilha deserta inspiraram Jonathan Swift e Daniel Defoe a escreverem, respectivamente, as Viagens de Gulliver e Robinson Crusoé. Selkirk era um marinheiro escocês, que após uma desavença com o capitão sobre a segurança do navio que trabalhava, foi abandonado de castigo na ilha de Juan Fernandez para deixar de ser uma pessoa mal-educada. Ou melhor, para deixar de ser uma pessoa. Acontece que Selkirk se mostrou um ótimo sobrevivente. Daqueles, capazes de tornar as aventuras de Bear Grylls tão selvagens quanto uma massagem num spa nas montanhas. Alexander se abrigou em barracas que construiu com árvores de pimenta, comeu ostras frescas – dificilmente considerado um luxo tendo em vista as condições sanitárias da ilha – e peixe. Em determinado momento, foi expulso da praia onde havia se instalado por uma horda de leões marinhos que transformaram o lugar em um enorme bacanal de mamíferos semiaquáticos. No interior da ilha, encontrou cabras e gatos selvagens, que lhe providenciaram leite e proteção contra basicamente todo resto da ilha que queria […]

Johnnie Walker Blue Label Legendary 8 – Simbolismo

Quando era criança, minha mãe me dizia que era muito importante aprender matemática. Você vai usar tudo que aprender de matemática em algum momento da sua vida. E ainda que não visse utilidade nenhuma em saber sobre números primos, imperfeitos, defectivos, perfeitos, mais que perfeitos ou abundantes, o conselho – e os conceitos – ficaram bem amarrados em minha mente. Vamos rememorar, e eu prometo que chegarei a algum lugar. Números perfeitos são aqueles cuja soma de seus divisores é igual a seu próprio número. Seis, por exemplo, que é igual à soma de um, dois e três – seus divisores. Imperfeitos, são aqueles que referida soma é menor do que o número. Já mais que perfeitos são o contrário – a soma é superior ao numeral. Como doze, porque um mais dois mais três mais quatro mais seis dá dezesseis, que é mais que doze. E há também aqueles números cuja soma de seus divisores é igual a seu antecessor. Como, por exemplo, oito. Estes são convenientemente chamados de números quase-perfeitos. E é engraçado como o conselho de minha mãe tem uma estranha forma de fazer sentido depois de quase trinta anos, porque a Diageo acaba de lançar o […]

Compass Box Spice Tree – Mescla

Maverick. Se pudesse escolher uma palavra perfeita para resumir esta prova inteira, esta palavra seria Maverick. Ou Maverique, se preferir o neologismo. E não é por causa do carro, nem do míssil, tampouco do personagem de Top Gun, ou do apostador estrelado por Mel Gibson. E para os mais íntimos, também não tem a ver com meu finado cãozinho, mascote deste infame website, orgulhosamente apresentado na tela inicial. Todos estes significados, na verdade, são derivativos. A palavra maverick surgiu nos Estados Unidos no começo do século dezenove, por conta de Samuel Augustus Maverick, um fazendeiro meio maluco que se recusava a marcar seu gado. É que naquela época, o Texas era um estado selvagem, cheio de grandes planícies, fazendeiros, caubóis armados e baixíssima densidade demográfica – assim como hoje, pra falar a verdade. Mas, enfim, os fazendeiros do Texas marcavam seu gado com ferro quente. Mas não o senhor Samuel. O senhor Samuel, espertamente, se recusava a marcar seu gado. E se indagado sobre a omissão, esclarecia que “Se todos os outros fazendeiros marcam, eu não preciso marcar. Por exclusão, todos os sem marca são meus“. Com o tempo, o significado da palvra Maverick se expandiu. E passou a definir […]

Dewar’s 15 anos – Do Instinto

Sabe aquele momento que você tem quase certeza que vai morrer, mas luta vigorosamente pela vida? Aqueles derradeiros cinco segundos – quando a luta pela sobrevivência é mais vigorosa? O momento do tudo ou nada? Bem, descobri aos doze anos e pouco, durante um passeio a cavalo na chácara de um amigo, que não tenho nada disso. Vou contar, brevemente, para vocês. Passeávamos tranquilamente por uma estrada de terra quando meu cavalo, um belo pangaré branco que andava meio de lado, se assustou com algo. Jamais saberei o que foi. Mas, tão somente, que o animal tracionou as quatro pernas e, num pulo, foi direto da marcha ao galope. Assustado, puxei a rédea – inutilmente – e fiz força nos pés, tentando me manter reto na sela. O que sucedeu não levou mais do que cinco segundos. Ouvi um barulho metálico e perdi o equilíbrio. Me virei para trás – o estribo desprendera, e rodopiava e quicava no chão de areia batida como um ginasta olímpico. Olhei reto, à frente, onde a estrada descrevia um cotovelo fechado. O cavalo não fazia a menor menção de reduzir a velocidade, literalmente, galopante. E, naquele momento, naquele exato momento, um par de segundos […]

Aultmore 21 Anos – Otimismo

Quando eu tinha cinco anos, lembro-me de uma visita que fiz ao pediatra. Ele mediu meu pé, depois, a circunferência da minha cabeça. Com um sorriso de uma criança que acabara de descobrir uma confidência, disse, resoluto, que eu ficaria com mais de um metro e noventa e forte como um pit bull. E aí, trinta anos depois, lembrei dessa história, do alto da minha cabeçorra desproporcional, fixada num corpo que está mais para dachshund, a um metro e setenta e quatro do chão. Mas eu não fui o único a ser ludibriado com profecias de gigantismo por pediatras. É meio regra – você sempre vai ficar com dois metros e dez, jogar basquete com a agilidade de um sagui e ter a massa óssea de um braquiossauro. Mas, décadas depois, termina franzino, com uma estatura medíocre, pés que parecem duas raquetes e ossos empurrando sua pele nos lugares errados. Pediatras são naturalmente otimistas. Acho que é uma questão de expectativa da natureza humana. Você espera que o futuro seja extraordinário. É como, por exemplo, quando eu abro um whisky que nunca tomei na vida – O Aultmore 21 anos, por exemplo, que acaba de desembarcar no Brasil oficialmente. A […]