Faça uma pinça com seu polegar e indicador e tampe o nariz. Engrosse um pouco a voz e repita comigo. Pamonha, pamonha, pamonha. Pamonhas de Piracicaba. O puro creme do milho. Agora, deixe de ser ridículo, tire o dedo do nariz e reflita comigo. Se você é de São Paulo, provavelmente já ouviu a frase antes, a ser repetida num efeito meio doppler, insistentemente no auto falante de alguma picape ou perua passando na rua. Além de ser extremamente irritante por invadir o espaço auditivo pessoal, a frase tem algo curioso. Piracicaba.
Já me indaguei uma dezena de vezes por que as pamonhas de Piracicaba seriam melhores que as outras. E, nesta esteira, os morangos de Atibaia. O que Piracicaba e Atibaia tem para milho e morango, respectivamente, que os outros lugares não? Bem, um pouco de google-fu respondeu minha pergunta. As duas cidades são – ou foram – grandes polos de produção destes alimentos e ganharam fama. Atibaia tem até a festa do morango que, considerando meu profundo ódio por essa frutinha desprezível, seria algo que me dá tanta vontade quanto ver um filme do Nicholas Cage.
De certa forma, a descoberta é é meio decepcionante. Não há nada de especial neles, a não ser o puro volume de produção. Os morangos de Atibaia não são melhores que os outros. Nem o milho de Piracicaba. Ninguém se esbalda na cremosidade de uma pamonha e identifica, imediatamente, que se trata do milho de Piracicaba. A propaganda transmite algo que, de fato, não existe. Pegando emprestado um quiçá polêmico conceito da enologia, não há terroir de morango e pamonha.
No whisky, entretanto, o papo é outro. Existe uma enorme discussão sobre a relevência do terroir para o whisky. Certos produtores são completamente avessos ao conceito. De fato, a maioria deles. É uma questão de economia. O whisky escocês pode ter como matéria-prima cevada importada da Europa e até mesmo Canadá, de forma a reduzir custos e primar por eficiência. E a maturação às vezes nem acontece na destilaria, mas centenas de quilômetros de lá.
Mas, há também os pontos dissonantes. Aqueles que defendem o terroir. E num mundo cada vez mais desterritorializado – onde nem a pamonha de Piracicaba é mais de Piracicaba – restou à Bruichladdich ser o baluarte da denominação de origem. E isto está orgulhosamente estampado em suas garrafas. Eles se autodenominam “progressive hebrridean distillers” (algo como destiladores progressistas das hébridas). Um conceito que transmite inovação pautada na tradição. A Bruichladdich é uma destilaria admirável. E, dentre seus rótulos, um dos mais amados é o Port Charlotte 10 anos – que em 2018 substitui o clássico Scottish Barley. E que agora desembarcou no Brasil.
De acordo com a Bruichladdich “Este Port Charlotte 10 anos foi concebido, destilado, maturado e engarafado em Islay. Nós somos um jovem time com valores profundamente enraizados, e a ambição de fazer o melhor whisky de Islay “definitivo”. Um whisky feito por pessoas, não software. Um whisky observado diariamente ao longo de seu tempo de maturação por aqueles que o fizeram; um whisky nascido de uma comunidade com uma visão e uma missão de inciar uma revolução de single malts, este é o Port Charlotte 10 anos, e estes que somos nós. E daqui que viemos. “
Toda a cevada utilizada no Bruichladdich Port Charlotte 10 anos é escocesa, cultivada na região de Invernesshire. O nível fenólico é de 40 partes por milhão (40ppm) no malte – o que pode parecer pouco se comparado a outros whiskies turfados de Islay, mas é, exatamente, a medida perfeita neste caso. A graduação alcoolica é de 50%, o que acentua a impressão fenólica.
O whisky é maturado totalmente na própria Bruichladdich. Um preciosismo para alguns, mas, um ponto importante na luta pela transparência e pelo terroir, travada pela destilaria. “Acreditamos que whiskies de Islay devem viver e respirar o ar fresco e salgado durante sua vida. Este não é um destilado produzido na ilha e imediatamente enviado à parte continental para maturar em algum armazém desconhecido” – declara a Bruichladdich, em uma velada provocação a algumas destilarias próximas.
A maturação do Bruichladdich Port Charlotte 10 anos acontece em barricas de primeiro e segundo uso de carvalho americano, e de segundo uso de carvalho francês. Na verdade, na proporção exata de 65% primeiro uso americano, 10% segundo uso americano e 25% segundo uso francês. E não é preciso nenhuma perícia ou google-fu para descobrir. A informação está no website da Bruichladdich, como parte de sua campanha de transparência.
A cruzada da Bruichladdich pela transparência seria até extenuante, não fosse tão encantadora. A destilaria admite abertamente que o objetivo não é manter padrão. E que pode haver diferenças de sabor e aroma relevantes entre lotes diferentes de um mesmo rótulo. “Enquanto muitas destilarias procuram padronização absoluta de seus rótulos principais, nós saímos do convencional e tradicional para acompanhar nossos ingredientes da origem ao engarrafamento. Cada parte, seja a origem da cevada, tipo de barril, tempo de maturação, irá influenciar na receita final. Cada receita é descrita com tanta informação que nos é permitido legalmente passar”.
Escrever a prova de um Bruichladdich, é, de certa forma, um desafio duplo. O primeiro, de passar alguma informação interessante – não é preciso grande esforço para saber em detalhes o que se precisa sobre a garrafa. O que, de certa forma, vence o propósito desta prova, que é trazer algo não sabido. O segundo, de não escrever um texto que rivalizaria com Guerra e Paz ou O Tempo e o Vento em extensão, por puro entusiasmo. É realmente difícil decidir o que mencionar e o que deixar de lado. Tudo é relevante.
O Bruicladdich Port Charlotte 10 anos não é apenas um whisky para entusiastas. É um single malt capaz de encantar a todos – do storytelling ao sabor residual. Não importa se você acredita ou não em transparência, terroir, come pamonhas independente de sua região e gosta de morangos. Ele é um single malt magnífico para qualquer padrão, e um forte representante do que sua região faz de melhor. O Port Charlotte 10 anos é o puro creme de Islay.
BRUICHLADDICH PORT CHARLOTTE 10 ANOS
Tipo – Single Malt (10 anos)
ABV – 50%
Região: Islay
País: Escócia
Notas de prova
Aroma: enfumaçado e salino, com um leve aroma de frutas vermelhas.
Sabor: iodado, com algas, fumaça e esparadrapo. Um pouco menos defumado, sensorialmente, que o antigo Scottish Barley. Final frutado, longo e enfumaçado.
Disponibilidade: a venda na Caledonia Store .
Caro canideo parabéns pela sua apreciação.
Acho uma delícia acompanhar seus textos enquanto degusto algum whisky do meu agrado – não sou difícil, em todos acho sempre algo de bom.
Sua prosa me remete a adolescência quando saboreava as crônicas de Fernando Sabino, Carlos Eduardo Novaes, Paulo Mendes Campos e outros.
Obrigado por me oferecer o entretenimento.
Parabéns
Obrigado, caro Eduardo!!
Comprei o Port Charlotte e devo dizer que tomá-lo é o mesmo que comer um pedaço de bacon e beber um álcool 70%.
Foi certamente a puor experiência que já tive.
Não de iludam é queimar R$650,00 inutilmente.
Deveriam algumas destilarias assim como colocam os pouco claros “delux” ou “primium” deveria colocar nos rótulos quando a Pura Cevada germinar no sagrado solo escocês , Solo pisado e defendido por bravos guerreiros por séculos e séculos ! Esporta esse solo o seu “‘espirito” es estado líquido que embute coragem , vigor e determinação em quem o consome !
“Este Port Charlotte 10 anos foi concebido, destilado, maturado e engarafado em Islay. Nós somos um jovem time com valores profundamente enraizados, e a ambição de fazer o melhor whisky de Islay “definitivo”. Um whisky feito por pessoas, não software. Um whisky observado diariamente ao longo de seu tempo de maturação por aqueles que o fizeram; um whisky nascido de uma comunidade com uma visão e uma missão de iniciar uma revolução de single malts, este é o Port Charlotte 10 anos, e estes que somos nós. E daqui que viemos. “
“Acreditamos que whiskies de Islay devem viver e respirar o ar fresco e salgado durante sua vida. Este não é um destilado produzido na ilha e imediatamente enviado à parte continental para maturar em algum armazém desconhecido”
Isso é praticamente um manifesto do orgulho escocês impresso num produto escocês ! Estão vendendo orgulho escocês engarrafado ! O orgulho deles é tanto que esquecem que a “parte continental” é na verdade outra ilha , um pouco maior mas ainda é uma ilha ! Islay que é minúscula !