Macallan Triple Cask 15 anos – Dos Nomes

Uma vez, li uma matéria sobre como as montadoras escolhem os nomes de seus automóveis. É interessantíssimo. E complicado. O que parece natural é, na verdade, um complexo processo criativo. Primeiro, as companhias consultam seus departamentos de marketing para determinar palavras que refletem o perfil do veículo. Literalmente centenas de ideias são concebidas. Depois, especialistas de diversas áreas escolhem os nomes com base nos mais distintos critérios. Por exemplo, não pode ser uma marca registrada de alguma outra empresa. Não pode ser uma gíria, não pode ser um palavrão em outra língua e tem que soar bem. Isso tudo significa que por trás de todo Ford Pinto, Kia Besta, Mazda Laputa, Lancia Marica e Fiat Punto (experimentem arrancar o “n”) há uma equipe de dezenas de pessoas que falhou miseravelmente. Recentemente, uma das mais famosas marcas de single malt do mundo correu o mesmo risco. A The Macallan, ao lançar sua coleção Quest. A antiga linha 1824 foi substituída por uma de produtos com denominações, diremos assim, mais criativas – Quest, Lumina, Terra e Enigma. E tudo bem, porque os nomes soam bem e, de certa forma, transmitem a noção de sofisticação que a marca pretende passar. Porém – e […]

Aberlour A’Bunadh Alba – Drops

Há uma analogia bem conhecida, utilizada para comparar single malts e blended whiskies. Diz-se que single malts são como um solista tocando uma música para um único instrumento. Como um violoncelo, executando a Suíte No. 1 de Bach. Há um único tema, um fio condutor, uma única nota maravilhosamente – ou não – tocada por vez. Já blends são uma orquestra. Há diversas notas de naturezas distintas ecoando ao mesmo tempo. O que compõe o som é a harmonia. Cada instrumento possui sua função, e contribui um pouquinho para o equilíbrio do arranjo. É difícil isolar uma única nota da orquestra – como é difícil separar um único malte de um blend – mas isso não importa. O que importa é o som do conjunto. Se pudesse estender a analogia, diria que o Aberlour A’Bunadh é como Mistlav Rostropovitch tocando um único – e maravilhoso – lá em seu violoncelo. Com vibrato e tudo. Pouquíssimos single malts tem um tema mais definido do que o Aberlour A’Bunadh. No caso, um tema vínico, profundo e alcoólico. O Aberlour A’Bunadh clássico é o epitome de um whisky maturado em carvalho europeu de ex-jerez – nenhum outro single malt define melhor o estilo. […]

Balvenie Portwood 21 – Quarentena

Estou há nove dias de quarentena. Mas talvez sejam onze. Os dias da semana não importam mais. A quarentena deu todo um novo sentido para o carpe diem. Eu acordo quando acordar, durmo quando dormir e como quando tiver fome. Minha agenda é do mais cândido vazio. Não há mais horário para nada. É socialmente aceitável beber whisky às nove horas da manhã. Não tenho feito muito exercício, também. A única coisa que tenho exercitado ultimamente é meu ódio. Por exemplo, pelas pessoas que em breve morrerão de inanição mas com a bunda limpa, depois de terem saqueado todo papel higiênico do supermercado. Já tentei uma série de passatempos, dos mais sofisticados – xadrez com a Cã – até os mais triviais, como tentar engolir a própria língua e tentar não pensar em nada, mas continuar pensando em não pensar. Há, porém, algo positivo. Tenho aproveitado o tempo para provar whiskies que há tempos tinha em casa, mas jamais abrira. Talvez por falta de coragem. Talvez por aguardar um momento especial. Bem, não há momento mais especial do que agora, uma segunda-feira. São nove e trinta e dois da manhã, e todo mundo aqui em casa está dormindo. Para melhorar, […]

Macallan Double Cask 12 Anos – Genética

A genética é uma coisa linda. É incrível que, apesar de parecer tão intangível, seja ela a responsável por quase tudo que fazemos. Como reagimos a estímulos, alguns de nossos gostos, nossas fobias naturais e nossa compleição física. Tudo isso, de certa forma, é influenciado pela genética. Veja o exemplo de meu querido filho, o Cãozinho. O Cãozinho é, fisicamente, bem parecido comigo. Mas o mais surpreendente mesmo são as semelhanças imateriais. Ele tem uma aptidão natural para o desastre. Algo que só pode ser explicado pela carga cromossômica que lhe transferi. Ele tropeça no próprio pé e derruba coisas que segurava do nada. Ele também é um voraz devorador de absolutamente qualquer coisa – onivoridade compartilhada com o pai glutão. Além disso, não é a criança mais atenta que eu conheço. Toda vez que o vejo parado, mirando fixo para um horizonte imaginário, sei exatamente o que está se passando por sua cabeça. Tudo. Tudo menos o que está à sua volta. E, num repente, ele – digo, nós – voltamos à realidade com aquele semblante meio bobo, como se tivéssemos sido teleportados para a realidade. Somos parecidos demais para não ser isso. Eu só sou trinta e dois anos […]

Tamnavulin Double Cask – Derradeiro

Ano novo. Uma das poucas festas que realmente aprecio. O otimismo exacerbado e a hipocrisia de fazer planos para um ano inteiro, mas mergulhar na inconsequência de uma noite. Minha imagem mental do ano novo sempre trazia fogos de artifício – normalmente refletidos em um mar de sorrateiras ondas – e um burburinho animado de pessoas de branco, tomando espumante. Mas aqui estou, no silêncio de meu quarto, na frente do computador, escrevendo. Não há fogos, nem champagne, nem barulho. Apenas um copo de single malt à meia luz e o tlec tlec produzido pelos meus dedos. Meu traje – no singular – neste momento não apenas seria inapropriado para participar de uma festa de ano novo como, provavelmente, seria impróprio para ir a qualquer lugar sem correr o risco de ser preso ou gerar um escândalo. E apesar disso tudo, sinto que estou justamente onde deveria. Dois mil e dezenove foi um ano agitado. Foram mais de quarenta e dois whiskies revistos, dezessete coquetéis apresentados e dez matérias sobre todo tipo de abobrinha relacionada a whisky. Mas meu trabalho não estaria completo por aqui sem um último post. A prova de um single malt de Speyside que corajosamente entrou […]

Glenlivet Code – Spoiler

Cã para mim, na farmácia. Você não vai comprar os Cotonetes? Claro que vou, olha aqui. Mas isso não são Cotonetes. Olhei intrigado, talvez por não ter notado o cê maiúsculo próprio da marca na frase falada. Não são Cotonetes, são hastes flexíveis genéricas, será que são tão boas quanto? Expirei de insatisfação. Olha, são palitinhos com algodão na ponta, acho que meu ouvido não é muito discriminatório em relação a marca das coisas que eu enfio nele. Pode parecer uma discussão boba, mas não é. A marca de um produto influencia diretamente em como o percebemos. Recentemente a Nielsen, empresa especializada em estudar o comportamento de consumidores, fez uma descoberta interessantíssima. Seis em aproximadamente dez consumidores preferem comprar novos produtos de marcas familiares, simplesmente porque inspiram confiança. Faz sentido – na maioria das vezes, nós, humanos, buscamos segurança. Segurança essa, representada por algo que já nos é familiar. Nós já sabemos o que esperar. Mas não são apenas marcas. Quando conhecemos algo, criamos um conceito ao redor daquilo. Conceito que usamos de base de comparação para outras coisas da mesma natureza. Antes de experimentarmos o novo, acessamos essa biblioteca de conceitos e criamos um, bem, pré-conceito sobre aquilo. Por […]

Aberlour A’Bunadh – Drops 2019

John Wick pode te estrangular usando um telefone sem fio. Uma vez, John Wick foi para Marte – é por isso que lá não há vida. Tudo bem, essas frases na verdade são de Chuck Norris. Mas elas poderiam, muito bem, ser adaptadas para o personagem mais hiperbolicamente mortal do cinema de ação. Ainda bem que ele gosta de cães, senão, eu mesmo ficaria preocupado. Ao longo dos três filmes, o matador de aluguel despachou duzentas e noventa e nove pessoas. É bastante – quase uma por minuto de filme. Em comparação, o coitado do Rambo matou apenas duzentas e vinte pessoas. E, para isso, ele precisou de um filme a mais. O que talvez torne a franquia John Wick a mais sanguinolenta e mortalmente intensa da história do cinema. Mas o mais incrível é que, apesar dessa chacina, o filme parece até se desenrolar naturalmente. Quer dizer, não tem nada de normal em matar alguém usando um cavalo, um lápis, ou um livro. Mas, no universo vil de John Wick, essas mortes apresentam uma naturalidade quase harmoniosa. Afinal, é o John Wick, o que você espera que ele vá fazer com um livro numa biblioteca? Ler? Se fosse um […]

The Macallan Concept No. 1

O mundo do whisky é bem pretensioso. Afinal, há poucas coisas mais pedantes do que dizer que certo líquido possui aromas que evocam memórias bucólicas de campos salpicados de urze. Mas há algo que consegue ultrapassar facilmente a prepotência do whisky. As artes plásticas. Especialmente a arte moderna e contemporânea. É natural, na verdade. A maior parte da arte não é verbal – exceto por alguma videoarte, da qual nutro uma relação que pendula entre o desprezo e a ignorância. E, por conta disto, traduzir o significado de um signo não-verbal para o mundo enunciado, muitas vezes, é um exercício extenuante. Extenuante e presunçoso. De todos os lados. Dizer que entende o conflito psicológico de Pollock ao contemplar sua obra é tão pretensioso quanto dizer que seu filho faria um quadro igual. Não há rota de emergência – a arte é pretensiosa. E nessa pedante escala de pretensão – talvez em um dos mais pretensiosos posts deste soberbo blog – há um Megazord da afetação – um whisky que se inspira no mundo da arte. O Macallan Concept No. 1 – Art. Se você não acredita em mim, deixe-me traduzir, com frugalidade, o que está transcrito no verso do estojo […]

Drops – Aberlour 15 Select Cask Reserve

Ah, a França, o país mais gourmet do mundo. Tão gourmet que a palavra gourmet é francesa. Só de queijos, são mais de mil. Mil tipos diferentes e oito categorias. E tem os vinhos. Por ano, são produzidas mais de 7 bilhões de garrafas de vinho no território francês. Isso sem contar os brandies, como o cognac e armagnac. Com tanto queijo e álcool, seria de se supor que a França jamais beberia uma gota de bebida importada. Porque, gente, quando dá pra fazer todo dia um queijo-e-vinho diferente e arrematar com um conhaquinho, quem iria pensar em algo vindo de além da fronteira? Mas a realidade é surpreendente. A França é um dos maiores consumidores de whisky do mundo. Per capita, aliás, é o consumo mais alto do mundo. 2,15 litros por ano por habitante. Pra você ter uma ideia de como isso é muito, o Brasil – mesmo comigo e com a cidade do Recife elevando a média – consome apenas 0,24 litros per capita da bebida. E naquele país, uma das marcas de single malt mais apreciadas é o Aberlour. Talvez seja por conta do perfil sensorial voltado para o mundo dos vinhos. Ou talvez por ser […]

(travel) Drops – Glenlivet Master Distillers Reserve Small Batch

Há nove anos viajei com a Cã para o Peru. Foi uma viagem incrível, apesar de alguns nauseantes detalhes. Coisas bobas, tipo não conseguir respirar, comer ou beber água durante quatro dias a tres mil e trezentos metros de altitude, na maravilhosa cidade de Cuzco. Naquela oportunidade, conhecemos também Macchu Picchu, Lima e a região de Paracas e Ica – o que compensou um pouco o estado vegetativo trazido pela soroche. Gostamos tanto da viagem que resolvemos repeti-la, nove anos depois. Menos a parte de Cuzco, porque, bom, porque a gente é teimoso, mas valorizamos nossa liberdade respiratória e cardíaca. E como não poderia carregar todos meus whiskies comigo, resolvi escolher um companheiro de viagem etílico. A decisão foi fácil – logo no aeroporto comprei um Glenlivet Master Distiller’s Reserve Small Batch. Um single malt polivalente e muito saboroso, perfeito para uma pletora de situações, como aquelas proporcionadas por essas incríveis viagens internacionais. O Glenlivet Master Distiller’s Reserve Small Batch é o mais sofisticado dos maltes da linha Master Distiller’s Reserve da The Glenlivet, vendida exlcusivamente no travel retail – os nossos conhecidos freeshops. Além dele, há a versão de entrada, o Master Distiller’s Reserve original, e uma versão intermediária, […]