Ano novo. Uma das poucas festas que realmente aprecio. O otimismo exacerbado e a hipocrisia de fazer planos para um ano inteiro, mas mergulhar na inconsequência de uma noite. Minha imagem mental do ano novo sempre trazia fogos de artifício – normalmente refletidos em um mar de sorrateiras ondas – e um burburinho animado de pessoas de branco, tomando espumante.
Mas aqui estou, no silêncio de meu quarto, na frente do computador, escrevendo. Não há fogos, nem champagne, nem barulho. Apenas um copo de single malt à meia luz e o tlec tlec produzido pelos meus dedos. Meu traje – no singular – neste momento não apenas seria inapropriado para participar de uma festa de ano novo como, provavelmente, seria impróprio para ir a qualquer lugar sem correr o risco de ser preso ou gerar um escândalo. E apesar disso tudo, sinto que estou justamente onde deveria.
Dois mil e dezenove foi um ano agitado. Foram mais de quarenta e dois whiskies revistos, dezessete coquetéis apresentados e dez matérias sobre todo tipo de abobrinha relacionada a whisky. Mas meu trabalho não estaria completo por aqui sem um último post. A prova de um single malt de Speyside que corajosamente entrou em nosso mercado sem muito alarde – como minha atual situação – mas que merece ser celebrado. O Tamnavulin Double Cask.
O Tamnavulin Double Cask é um single malt sem idade declarada, produzido pela destilaria Tamnavulin, em Speyside. Sua maturação ocorre principalmente em barricas de carvalho americano de ex-bourbon, antes de ser finalizado por um período não declarado em carvalho europeu de ex-jerez. Isso traz a ele notas adocicadas de mel e amêndoas e um certo (e curioso) marzipã. O final é médio e vínico. É um whisky sensorialmente simples, mas perigosamente fácil de beber – bem mais do que espumante no reveillón.
Mas não é apenas na língua que o Tamnavulin não faz feio. No bolso também. Seu preço médio está próximo dos duzentos reais. É bem bom para um single malt – ainda mais um que passa parte de sua vida em barricas previamente usadas para vinho jerez.
A Tamnavulin é uma destilaria relativamente jovem. Ela foi fundada em 1966 pelo grupo Invergordon, mais tarde, Whyte & Mackay. Seu objetivo era suprir uma demanda crescente por blended whiskies – razão pela qual era tão raro ver engarrafamentos de single malt da Tamnavulin. A destilaria, porém, foi fechada em 1995, devido ao declínio do consumo de whisky no mundo, e somente reaberta em 2007, quando sua proprietária, a Whyte & Mackay, foi comprada pela United Spirits.
O Tamnavulin Double Cask é como um ano novo passado em silêncio, trajes mínimos, calmamente fazendo aquilo que se gosta. Não é necessário muito alarde ou pirotecnia para trazer satisfação.
TAMNAVULIN DOUBLE CASK
Tipo: Single Malt sem idade declarada
Destilaria: Tamnavulin
País/Região: Speyside
ABV: 40%
Notas de prova:
Aroma: mel, amêndoas, gengibre, caramelo.
Sabor: frutado, com frutas vermelhas, uvas passas, marzipã. Final adocicado e vínico.
Onde comprar: Lojas brasileiras, como a Caledonia Store.
Maurício,
Como esse whisky se compara a seus concorrentes diretos, como Glenlivet Founders e Arran Lochranza ?
Antonio, acho ele mais vínico (puxado para o jerez) do que os dois últimos. O Lochranza é mais oleoso e maltado. O founders é mais adocicado, floral e leve. Aliás, ta aí um trio bom para ter em casa!
Eu gosto do ano novo, mestre. Talvez seja essa simbologia toda do fim do antigo ciclo e demais bobagens tão necessárias.
Há algum tempo que queria te perguntar sobre esse dog. Justamente pelo preço acessível e pelo ex sherry.
Abraço.
Mestre, total vale a pena. E o preço da importação oficial está excelente!
É verdade que a cor dele é devido ao uso de corante? Até onde esse uso modifica o sabor? Outros (bons) whiskys são coloridos artificialmente?
Abraços
Opa, fala Luiz, tudo bem? O corante é uma grande polemica no mundo do whisky. Na verdade, ele serve mais para padronização do que qualquer coisa – porque o consumidor pode estranhar que determinado whisky tenha uma cor distinta do outro.
Dá uma lida aqui: https://ocaoengarrafado.com.br/corante-caramelo-no-whisky/
Apesar das esperanças do Ano Novo, tendo a preferir as travessias onde a realidade se impõe como as obrigações diantes da quais você tem de mostrar sua resiliência (e cria a justa necessidade de estar acompanhado de um bom whisky lá pelas quintas e sábados da vida). Esse Tamnavulin já está na minha lista de preferidos. Encontar single malts com bom custo-benefício é o meu prazer mais recente e sua página ajudou bastante. Singleton of Dufftown, por exemplo, também está na minha lista, mas creio que o Tamnavulin é ligeiramente melhor (percebi as notas de marzipan, entre outras). Grato pela dica.
Comentário fantástico, caro Marco. Concordo em relação ao whisky. E ao ano novo.