Quem me conhece sabe que não tenho grandes restrições alimentares. Sou capaz de comer quase tudo que pode ser considerado um alimento. Quer dizer, quase tudo. Quase tudo porque eu nunca comi grilo, ou barata. E eu sei que na China se come isso como se fosse camarão sete barbas. Mas sabe, em condições normais, eu não vejo nenhum bom motivo pra comer um grilo. Na verdade, vamos impor alguns limites – não existe nenhum bom motivo para comer qualquer inseto.
O que muita gente não entende é que, apesar de eu comer quase absolutamente tudo que seja humanamente comestível, eu tenho preferências. Por exemplo, adoro carne mal passada ou crua. Quer me ver feliz? Faça um steak tartar. Gosto muito também de peixe defumado. Aliás, gosto de qualquer coisa – qualquer coisa mesmo – que seja defumada. Sabe, pensando bem, talvez se me servissem grilo defumado, eu comeria.
Mas eu também tenho ódios. Detesto frango. Veja bem, não é que eu não coma frango. Eu como. Com desgosto. Também odeio morangos. Morangos estão entre as frutas mais desprezíveis de todo o universo botânico. Eles existem com o único e exclusivo propósito de estragar alimentos que passariam perfeitamente bem sem eles. Por exemplo: bolo de chocolate (com morangos). Manjar (com morangos). Panna Cotta de baunilha (com morangos). Sério, espero que uma praga misteriosa dizime toda a população de morangos da Terra.
E da mesma forma que a função dos morangos no mundo é arruinar refeições, a do whisky, é melhorar. O que melhora com whisky? Absolutamente tudo. Brigadeiro de chocolate branco com bourbon. Bolo de chocolate amargo com whisky. Na culinária, o whisky é praticamente um photoshop gastronômico.
Um dos meus pratos preferidos que contem o néctar é filé flambado com whisky defumado. Foi um prato que experimentei quando estive na Escócia, e que a querida Cã, com toda sua perícia culinária, conseguiu reproduzir com perfeição. Aliás, como minha habilidade culinária é próxima daquela de um inseto, passo o teclado à minha melhor metade, que lhes ensinará a preparar este massagista de papilas gustativas:
Cã – A receita abaixo funciona para duas pessoas. Quando fiz o prato que foi fotografado, preparei também um risoto de limão siciliano com Famous Grouse. Vou ensinar os dois aqui. Mas você pode substituir por qualquer acompanhamento que quiser. Com batatas fritas deve ficar excelente!
FILÉ FLAMBADO DE ISLAY
PARA A CARNE
INGREDIENTES
- 4 medalhões de filé mignon altos.
- ½ tablete de manteiga de 200g
- Uma caixa de 100ml de creme de leite
- Pimenta rosa em grãos
- Pimenta do reino em grãos
- 3 doses (150ml) de whisky defumado (pode ser Ardbeg 10, Laphroaig Quarter Cask, ou qualquer coisa que seja bastante defumada)
- Sal grosso ou sal rosa.
PREPARO
- Tempere a carne. Eu usei só sal grosso. Mas você pode usar sua criatividade e colocar algumas ervas. Ervas lícitas.
- Em um recipiente coloque a manteiga. Espere até que derreta. Em seguida, coloque o creme de leite e 1 (uma) dose de whisky. Coloque as pimentas rosa e do reino. Vá mexendo até que a mistura fique homogênea. Deixe o fogo baixo. Ela vai reduzir enquanto você prepara a carne.
- Unte uma frigideira com manteiga e coloque em fogo baixo. Quando a frigideira estiver quente, coloque os medalhões e espere alguns segundos. Vá olhando a parte de baixo dos medalhões.
- Quando ficar selado (é selado, não carbonizado) despeje o whisky. Bastante. Dê uma mexidinha na panela. Cuidado – vai sair uma labareda gigante. Tire coisas inflamáveis do entorno.
- Quando os bombeiros já tiverem chegado ou quando o álcool tiver evaporado completamente (o fogo terá apagado), vire a carne e sele – não torre – o outro lado.
- Quando a carne estiver quase pronta, despeje ainda na frigideira um pouco (uma colher de sopa do molho para cada filé) e adicione um pouco mais de pimenta rosa.
- Pronto pode servir. Se for preparar o risoto, minha sugestão é que o faça primeiro, e deixe para preparar a carne quando ele já estiver quase pronto. A preparação do filé é bem rápida.
PARA O RISOTO
INGREDIENTES
- 1 Cebola picada, bem fino.
- ½ tablete de manteiga de 200g (ou seja, 100g de manteiga)
- 2/3 de um saco de arroz arbóreo de 1kg
- 3 litros de agua
- 1 caldo de galinha
- 1 pote de requeijão
- Queijo ralado a gosto
- Suco de 2 limões sicilianos
- 1 pitada de noz moscada
PREPARO
- Em um recipiente despejar a água e aquecer até ferver. Colocar o caldo de galinha na água fervente. Manter essa mistura em fogo baixo durante toda preparação do risoto
- Em outra panela, colocar a manteiga até derrete-la e a cebola e cozinhar em fogo baixo até que a cebola fique dourada.
- Em seguida, despeje o arroz nessa panela e mexa bem, cozinhando em fogo baixo, até que os grãos fiquem transparentes. Vá despejando com uma concha a água com caldo de galinha da outra panela nesta, enquanto o arroz cozinha.
- Após mais ou menos três conchas e a água evaporar, coloque o requeijão, a noz moscada e a pimenta do reino. Mexa até ficar homogêneo. Em seguida, coloque o creme de leite, o whisky e o sumo do limão.
- Vá colocando mais água com caldo de galinha até que o arroz fique no ponto certo. Tome cuidado para não colocar água demais.
- Sirva no prato e decore com raspas de limão.
No final, uma vista aérea do prato deverá ser próxima disto:
3 doses = 150 ml ?
A sua dose é bastante generosa (como eu gosto e nunca consigo tomar em nenhum bar).
Definição de dose padrão:
http://www.cisa.org.br/artigo/4503/definicao-dose-padrao.php
abs.
Hahaha! Claro, Antônio, sempre bom um chorinho, né?
Mas essa sua definição aí não funciona para mixologia ou culinária. É que isso é uma dose padrão de acordo com a OMS. Note que a dose padrão muda de acordo com a bebida alcoolica, porque o que importa é o ppercentual de álcool contido na bebida, e não exatamente a proporção. Mas acho que aí é complicado eu colocar uma receita e falar para a pessoa “coloque uma dose de cerveja”, e o cara precisar consultar a tabela da OMS para saber quanto é uma dose de cerveja se comparado a uma dose de um destilado ou de vinho. A medição deve ser padronizada neste caso.
Mas, graças a Deus (ainda que eu não saiba se Ele tem muito a ver com isso), não usamos os padrões da Organização Mundial da Saúde no mundo da coquetelaria (UFA!). Assim, a dose padrão internacional é conhecida como jigger. Um jigger equivale exatamente a 44,36ml (but who’s counting?). Para facilitar a medição, é meio que convencionado que a dose padrão no Brasil é de 50ml para coquetelaria, e, nos EUA, 40ml. O texto copiado e colado abaixo é proveniente do primeiro link. Dá uma olhada aí:
Jigger[edit]
Variety of jiggers
A jigger or measure is a bartending tool used to measure liquor, which is typically then poured into a cocktail shaker. It is named for the unit of liquid it typically measures, a jigger or shot, which measures 1.5 US fluid ounces (44 ml).[18] However, bar jiggers come in other sizes and may not actually measure a fluid jigger.
A traditional style of jigger is made of stainless steel with two unequal sized opposing cones in an hourglass shape on the end of a rod. Typically, one cone measures a regulation single shot, and the other some fraction or multiple—with the actual sizes depending on local laws and customs. – https://en.wikipedia.org/wiki/Shot_glass
http://www.wikihow.com/Understand-Cocktail-Measurements
Abraços!
Nem bebo tanto assim, mas adoro os seus textos, parabéns!
Oba, muito obrigada Alessandra!!
Não vou gastar 150 ml de alguma bebida defumada com arroz! Seria medieval!
HAHAHAHHA!