Na primeira parte deste texto expliquei, de uma forma bastante resumida, a questão das cinco regiões escocesas. Discorri sobre minha inveja daqueles que apreciam vinhos, uma bebida que transpira sofisticação e elegância. Também falei sobre as duas maiores regiões produtoras de whisky na Escócia: Highlands e Speyside. Se perdeu este texto, leia-o aqui.
LOWLANDS
De uma forma pouco acadêmica, podemos dizer que tudo que não está dentro das Highlands e não é a ilha de Islay nem Campbeltown faz parte das Lowlands. Infelizmente a Escócia está longe de um país avantajado em extensão territorial. Por isso, não sobra muita coisa nesta estranha intersecção entre a matemática e a geografia.
Seja como for, a região das Lowlands está ao sul da Escócia e ao norte da Inglaterra. Segundo a SWA, numa definição brilhantemente econômica, Lowlands é aquilo que “está ao sul da linha que divide a região das Highlands da região das Lowlands”.
Estudiosos da história do whisky apontam que as destilarias das Lowlands seriam famosas por empregar tripla destilação. Algo bastante comum para whiskies irlandeses, mas bastante raro nos Escoceses. Esta regra, no entanto, faz pouco sentido. Apenas Auchentoshan continua empregando a técnica em seu core range. Ainda que exista poucas destilarias de malte, grande parte das de grãos estão nesta região – é o caso da Girvan.
Apesar da pequena quantidade de destilarias nos dias de hoje, as Lowlands já foram um importante polo de produção de whiskies. Se você é um apaixonado pelas famosas destilarias do passado, desativadas ou demolidas, talvez reconheça alguns nomes bastante concorridos em nossos dias, como St. Magdalene, Rosebank e Littlemill.
CAMPBELTOWN
A história da região de Campbeltown é quase uma lição de economia. No começo do século XX, havia mais de trinta destilarias na região, que correspondia a pouco mais do que um vilarejo em uma península, localizada na parte oeste da Escócia. Naquela época, Campbeltown era conhecida como a capital mundial do whisky.
Acontece que – perdão pela ambiguidade cretina – as destilarias exageraram na dose. Elas produziram tanto whisky que em pouco tempo não havia mercado consumidor capaz de dar cabo dos produtos vendidos. Para piorar, o maior mercado consumidor da época eram os Estados Unidos, que sofria com a recessão e a instauração da Lei Seca na década de vinte.
Assim, por conta da abundância de produção e o minguante mercado, pouquíssimas destilarias resistiram. Atualmente, Campbeltown possui apenas três. Springbank, Glen Scotia e Glengyle – que na verdade é uma espécie de extensão da Springbank. Aliás, aqui está uma história confusa. A destilaria Glengyle produz um single malt chamado Kilkerran, que é, na verdade, o nome de outra destilaria que foi demolida. É que os direitos sobre o nome Glengyle pertencem à Glen Scotia, vizinha da Springbank.
Segundo a SWA, Campbeltown é “o sul do ward de Kintyre do conselho de Argyll & Bute, conforme a Ordem Eleitoral de Argyll & Bute de 2006”. Ainda que Campbeltown esteja longe de ser um importante polo produtor de whisky da atualidade, seus maltes são bastante reconhecidos.
ISLAY
Tento tanto quanto posso manter minha imparcialidade. Mas dessa vez terei que abrir uma exceção, já que deixei o melhor para o final. Islay é uma ilha localizada a oeste da parte continental da Escócia. A classificação da SWA é até redundante: a região de Islay engloba a ilha de Islay, em Argyll.
Islay talvez seja o melhor exemplo de uma região com perfil sensorial bem delineado. É que a maioria das destilarias da ilha produz um malte incontestavelmente defumado e medicinal. Algo que, apesar de ser produzido também nas destilarias das demais regiões, é predominante nesta ilha.
Islay conta com oito destilarias ativas: Ardbeg, Bowmore, Bruichladdich, Bunnahabhain, Caol Ila, Kilchoman, Lagavulin e Laphroaig. Há também uma celebridade do passado, a Port Ellen, um dos mais valorizados maltes por colecionadores, que foi convertida em malting floor e fornece matéria prima para outras destilarias.
Todas as destilarias de Islay possuem ao menos uma expressão enfumaçada. A maioria delas, porém, tem quase seu portfólio inteiro com essa característica. Exceções são a Bruichladdich e Bunnahabhain, que possuem linhas inteiras de single malts sem qualquer traço de fumaça.
CONCLUSÃO
Apesar da quase irrelevância das regiões – com exceção de Islay – muitos ainda insistem em suas características históricas. Talvez por uma histeria classificatória, ou por não lidarmos bem com o fato de que tudo tende ao caos e a entropia. Ou, quiçá, seja porque temos uma necessidade inata de identificação. Precisamos classificar para separar, de alguma forma, aquilo que gostamos daquilo que não nos agrada. Polarizar –de uma forma saudável – é uma forma de arriscar menos.
O problema disso é que arriscar é justamente a alma do negócio. Como já repeti uma centena de vezes, a formação do gosto passa pela experiência. Eu jamais poderia dizer que gosto dos whiskies enfumaçados se não os tivesse experimentado. Da mesma forma, não poderia afirmar que não gosto dos single malts das Highlands só porque, em algum momento de minha vida, tenho tomado meia dúzia de whiskies medíocres de lá.
Abrir mão das classificações e criar seu próprio gosto é aumentar seu próprio leque de opções. Assim, o conselho deste Cão é que experimente tudo aquilo que lhe interessar. Leia, pesquise, entenda. Crie sua própria classificação. Afinal, ela é a única que realmente deveria importar para você.
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