Revolver – Dos Triciclos

Quando eu era criancinha, tive um triciclo. Eu ia da sala pra cozinha pedalando como se o capiroto tivesse possuído minhas pernas, tão rápido que meus braços gordinhos nem conseguiam segurar o guidão reto. O que, naturalmente, resutlava em toda espécie de pequeno acidente doméstico. Raspar uma parede, acertar um vidro – esse foi um pouco mais grave – e passar por cima do pé dos adultos. Até aqui, nada demais sobre isso, afinal, quase toda criança teve um. Faz sentido – é um meio de transporte que transpira infância.

O que não cabe em minha cabeça, é o triciclo para o adulto que mora em cidade. E não tô falando de algo como um tuk-tuk, mas aquele bem caro, que parece que foi parido por um caça F-117. Há um sortilégio de modelos por aí, alguns bem bonitos. Aliás, tão belos quanto inúteis. O triciclo é o contrário da coxinha de calabresa, que une o melhor dos dois mundos. Ele reúne, sobre três rodas, todo desconforto de uma motocicleta com a impossibilidade de usar o corredor de motos. Em outras palavras, se começa a chover, você fica molhado e parado no trânsito igual um carro. Ridículo.

Tô com a cueca toda molhada, que divertido kkkk

Devo confessar que eu me sentia assim um pouco com High-Rye Bourbons. Essa é uma subclasse não oficial de bourbons, que usam um pouco mais de centeio na receita de seu mosto. Ou seja, cinquenta e um por cento ou mais de milho, e algo em torno de 20 a 25 por cento de centeio. Essa regra, entretanto, não é escrita: é apenas uma denominação convencionada entre entusiastas da bebida. Temos ao menos um representante aqui no Brasil: o Bulleit Bourbon.

High Rye Bourbons, pra mim, pareciam um triciclo porque não eram nem uma coisa, nem outra. Não traziam o adocicado do bourbon whiskey, com sua maior palatabilidade. Mas, também, careciam daquele apimentado seco e herbal, típico do rye whiskey tradicional. Ao menos era assim que eu pensava, ao experimentá-los puros. Mas, ao tentar utilizá-los em coquetéis, minha opinião mudou sensivelmente. Um ótimo exemplo é o Revolver.

O Revolver é – mais uma – variação de Manhattan, ou fancy, se você preferir, que, basicamente, substitui o vermute por licor de café, e equilibra a receita com bitters de laranja. Ele foi criado em São Francisco, no bar Bourbon and Branch, pelo bartender Jon Santer, e começou a ficar famoso à medida que rumores se espalhavam sobre a maravilha que era aquela mistura. Mais tarde, apareceu no Bar Book de Jefferey Morgenthaler, em 2014, e no Three Ingredient Cocktail, de Robert Simonson.

Bourbon & Branch

O curioso nome do coquetel é – e aí esta matéria vai fazer sentido – baseado no destilado usado em sua base. Bulleit Bourbon (entenderam, bulleit, revolver. Eu também não achei a menor graça). Bulleit se encaixa perfeitamente no perfil do drink. O herbal apimentado se equilibra com o café, enquanto o adocicado ressalta as características do bitter de laranja. Morgenthaler, em seu livro, inclusive, recomenda que se use bourbons mais secos e apimentados. Em momento algum, sugere a substituição por rye.

Um ingrediente olvidado mas, importantissimo, é o licor de café. O mais conhecido é Kahlua. Este Cão sinceramente recomenda o uso de um licor mais intenso, com complexidade e capaz de complementar a estrutura do coquetel. No coquetel fotografado, o licor usado foi o Illyquore. Mas um palpite educado sugere que o Heering Coffee Liqueur ou DeKuyper fiquem geniais. Mas se isso for um impedimento para testar a receita, vá de Kahlua.

Assim, meus caros, olhem pela janela para ver se não está chovendo, peguem seus triciclos e preparem-se para comprar mais uma garrafa pro bar. Licor de café. Anotem, aí, a receita de um coquetel tão simples quanto complexo. O Revolver.

REVOLVER

INGREDIENTES

  • 60ml High-Rye Bourbon
  • 15ml Licor de Café
  • 2 dashes Orange Bitters
  • Zest de laranja
  • Parafernália para misturar

PREPARO

  1. Combine todos os ingredientes num mixing glass com gelo e mexa.
  2. desça numa taça coupé ou similar, e adicione o zest.
  3. Se estiver inspirado, pode fazer o ritual de serviço do Bourbon and Branch: aperte o zest sobre um fósforo aceso. Isso fará com que os óleos essenciais da laranja peguem fogo. É divertido e traz um aroma delicioso ao coquetel.

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