O cinema deve muito ao faroeste. Alguns dos melhores filmes da história usaram a temática daquele tempo sem lei. Um tempo em que destemidos e elegantes vaqueiros enfrentavam índios, perseguiam bandidos e encantavam frágeis donzelas indefesas. Um tempo em que a morte pelo gatilho era corriqueira, e que apenas homens resilientes e com valores íntegros sobreviviam. Ou não.
Ou não porque, assim como o cinema deve ao faroeste, o faroeste também deve ao cinema. Para começar, ninguém realmente se vestia ou se portava como Clint Eastwood ou John Wayne. Os valentes vaqueiros eram, na verdade, em sua grande maioria, absolutamente iletrados, mais ou menos bêbados, e raramente prezavam por quaisquer valores ou moral. Além disso, a criminalidade era relativamente baixa, e os conflitos com índios, praticamente inexistentes.
A imagem que temos hoje daquele tempo foi cunhada no cinema. O maior expoente, responsável por criar o gênero western como o conhecemos hoje, foi John Ford. De acordo com um grande amigo, crítico de cinema e entusiasta do álcool, Ford inventou o faroeste como gênero a ser levado a sério com No Tempo das Diligências (apresentando John Wayne ao mundo, em um entrada inesquecível e triunfal) e, depois, ainda inventou o faroeste moderno, ou revisionista, ou crepuscular, com O Homem que Matou Facínora, onde questionou toda a mitologia fundada por ele mesmo. E aí está a genialidade do gênero western. O western, na verdade, nunca aconteceu.
Assim como o cinema, a indústria de whiskey americano deve muito ao faroeste. A começar pelo fato de que as raízes da bebida estão lá. Ou, mais uma vez, talvez não.
Talvez não porque lá por mil e oitocentos, apenas uma pequena fração do que era destilado poderia hoje ser considerado Bourbon conforme nossos padrões atuais. Ou American Whiskey. É que os cowboys, como já apontado, não eram exatamente grandes conhecedores e bebentes sofisticados. Então qualquer coisa que envolvesse muito álcool era bem recebida nos saloons. Incluindo misturas com melaço, glicerina e ácido sulfúrico. Sim, ácido sulfúrico, aquele mesmo usado para derreter metais, pedras e, eventualmente, pessoas.
Isso não impediu que grande parte das marcas que hoje conhecemos e apreciamos ainda faça referência ao romântico tempo das diligências. Basta pensar nas famosíssimas Jack Daniel’s, Buffallo Trace e também nos whiskeys da High West. É o caso também do Bulleit Burbon: Frontier Whiskey, recentemente desembarcado no Brasil.
Apesar da alcunha – Frontier Whiskey – em referência aos whiskeys produzidos e transportados durante a colonização do oeste selvagem, o Bulleit não tem nada de fronteiriço. Ele é produzido no Kentucky e seu proprietário é a gigante Diageo (a mesma responsável pela Johnnie Walker). Além disso, ainda que já tenha havido no passado um whiskey homônimo, a Bulleit atual possui menos de três décadas. Seu compromisso com o velho oeste é o mesmo de um filme de John Ford.
A história da marca é que Thomas (Tom) E. Bulleit Jr., o bis-bisneto do imigrante francês Augustus Bulleit, resolveu que reviveria a antiga receita de whiskey de sua família. Uma receita que, na verdade, teria morrido com Augustus, há cento e cinquenta anos, na época dos vaqueiros. Para isso, Thomas fundou, em 1987, a Bulleit Distilling Company. Por conta de seu enorme sucesso, a empresa foi vendida para a Seagram’s, que, por sua vez, foi adquirida pela Diageo. Mas ainda que tenha alienado sua companhia, Tom até hoje trabalha como consultor para sua (outrora) marca.
Ainda que a Diageo não revele exatamente onde ele é fabricado, o boato que circula pelos saloons de hoje em dia é que seja na mesma destilaria responsável pelo Four Roses. Como a maioria dos bourbons, ele é uma mistura entre o destilado de coluna e aquele produzido em alambiques. Além disso, segundo a marca, água filtrada em calcário – comum na região de Lawrenceburg – é usada em sua fabricação.
Seu tempo de maturação é outro mistério. Como é comum com bourbons e cada vez mais frequente no universo de single malts, não há qualquer indicação de idade no rótulo do Bulleit. No entanto, sabe-se que, em média, o whiskey passa em torno de sete anos em barricas virgens de carvalho americano. É bastante tempo, considerando os barris novos e o clima quente do Kentucky.
A composição da Mashbill do Bulleit Bourbon é 68% milho, 28% centeio e 4% de cevada maltada. É bastante centeio. Isso lhe proporciona um sabor acentuado de especiarias, especialmente pimenta do reino. A tradicional baunilha ainda está lá, mas com um papel bem mais coadjuvante do que o costumeiro. Outro ponto incomum para este Bourbon é sua graduação alcoólica. Quarenta e cinco por cento. Havia uma versão com apenas quarenta, comercializada em alguns mercados, como o Europeu. Mas, para nossa sorte, a trazida para cá é a mesma consumida nos Estados Unidos e México. Os cowboys aprovariam esta decisão.
Para conseguir um Bulleit Bourbon, não é preciso assaltar um saloon ou sequestrar uma diligência. O whiskey já está à venda em muitas lojas especializadas, e sua distribuição aumentará ainda nas próximas semanas. Assim, fique de olho quando este forasteiro chegar em sua cidade. E agradeça por ele não ser um autêntico whiskey do oeste selvagem – afinal, ele é muito melhor.
Pelo jeito, o faroeste também deve muito à indústria do whiskey.
BULLEIT BOURBON – FRONTIER WHISKEY
Tipo: Bourbon Whiskey
Marca: Bulleit
Região: N/A
ABV: 45%
Notas de prova:
Aroma: Caramelo, açúcar mascavo, especiarias, frutas adocicadas.
Sabor: Adocicado e seco, com açúcar mascavo, especiarias e pimenta do reino.
Com Água: Água torna o whiskey ainda mais seco, e reduz a impressão do apimentado.
Preço: em torno de R$ 150,00 (cento e cinquenta reais)
Como vai, Maurício?
Um excelente texto, cheio de mistérios hahaha.
Me parece um whiskey muito interessante.
Vou aguardar.
Grande abraço!
Prezado Maurício, tudo bem?! Há alguns dias estava no supermercado com minha esposa fazendo compras rotineiras e me deparei com o Bulleit Bourbon na sessão de bebidas. Resolvi comprar as duas últimas garrafas que ali estavam e as acomodei em minha cristaleira. Os produtos da Diageo são relativamente fáceis de encontrar aqui em Fortaleza, e com bons preços! O valor que paguei por unidade foi R$ 95,00, razoável na verdade! Lendo seu post, achei interessante os 28% de centeio em sua composição, isso deve dar um realce diferente neste bourbon. O ABV de 45% foi uma surpresa pra mim neste whiskey, percentual maior que o Jim Beam Black – Excepcional bourbon (o acho muito, mas muito cheiroso!!) Também me identifico muito com o Jack Daniel’s no. 7. Espero que o Bulleit me surpreenda. Grande abraço!
Um belo texto, como todos outros! Parabéns!
Gostei do Bulleit, realmente bem apimentado, as agulhadas furam até a garganta, não que isso seja ruim, muito pelo contrário.
Não tão doce quanto outros bourbons (oi Jim Beam), a secura o torna um whiskey bem equilibrado.
Buenas, siga com este ótimo trabalho, há um tempo virei leitor assíduo das peripécias doCão!
Abraço!
Opa, obrigado Fabiano! Bulleit realmente é um bicho diferente por aqui!
Ola! Encontrei num free shop o Bulleit Rye (rotulo verde) a 45 dolares.
Alguma informação sobre?
Comprei duas garrafas e ainda não provei
Abraços
Belíssimo Rye, tanto para se tomar puro quanto para usar em coquetelaria. Comprou, provou? Abraço!
BLZ !
Obrigado
Seria possível você dizer, sem titubear, qual é melhor para o seu paladar: Woodford Reserve ou Bulleit?
Vejo que algumas pessoas elogiaram o Bulleit pela maior quantidade de centeio. Mas e no paladar, o que é melhor, Woodford ou Bulleit?
A título de curiosidade, em Brasília o Woodford está custando R$ 161; o Bulleit R$ 138.
Parabéns pelo trabalho no site, é uma valorosa fonte de conhecimento.
Diego, sem titubear é difícil. Não há verdades absolutas e nem respostas simples. Depende do uso. Para beber puro? Com gelo? Para coquetéis? Para substituir Rye whiskey em coquetelaria?
Prezado Mauricio, tudo bem? Sou iniciante e estou em dúvida entre o bulleit e o Evan Williams. Qual é mais fácil de beber? Qual possui menor presença de álcool no paladar? Grato!!
Fala Marcelo, desculpa a demora em responder. Respondi em outro comentário seu, depois dá uma olhada 😀
Ola Mauricio! Para um iniciante, com menos presença de álcool no paladar, qual você recomendaria entre WT81, Bulleit ou Evan Williams?
Marcelo, o mais “suave” deles é o Wild Turkey, sem duvida. Mas no custo-“benefício”, talvez ficasse com o Evan Williams. ABV intermediário, mas menos agressivo que o Bulleit. O Bulleit tem muito centeio na mashbill, o que o torna mais seco e apimentado, e pode afugentar iniciantes. Mas é um whiskey muito bom!
Fala Maurício boa noite meu querido, tudo bem ?!
Estou no momento bebendo uma dose de Buillet juntamente a uma cerveja Spaten, acho que esse whiskey trabalha super bem em coquetelaria.
Sempre faço um Manhattan ou um Boulevardier com ele.
E harmonizo com um Charuto Dona Flor.
Abç meu querido.
Prezados(as) Senhores(as),
Com a devida vênia, é mister que V.Sas. corrijam o texto, certo como é que o Jack Daniels NÃO é um Bourbon, mas sim um Tennessee Whikey.
Só a 1ª prova: o Jack Daniel NÃO pode e NÃO coloca em seu rótulo, “Bourbon”, mas apenas “Tennessee Whiskey”.
Acaso necessitem de outras provas, lhas enviarei.
Atenciosamente,
Fernando
Hehe, Fernando, essa é uma discussão boa. Vou explicar com a devida vênia, também de um advogado.
O Code of Federal Regulations diz que, para ser bourbon, o whiskey deve ter
a) de 51% a 80% de milho, sendo que, se tiver mais de 80%, será considerado um Corn Whisk(e)y;
b) sair dos destiladores (sejam alambique ou coluna) com no máximo 80% ABV
c) ir para os barris tostados e virgens de carvalho americano com no máximo 62,5% ABV
d) ser engarrafado com no mínimo 40% ABV.
Analisando atentamente os requisitos acima, podemos considerar que o Jack Daniel’s é sim um bourbon, ainda que se auto-denomine Tennessee Whiskey. O que diferenciaria os Tennessee Whiskeys dos bourbons seriam duas características: (a) obviamente, ser feito no Tennessee, ainda que existam bourbons do Tennessee) e (b) um processo a mais, ainda que subtrativo em sua essência, conhecido como Lincoln County Process. É a alardeada filtragem por carvão de bordo, por alguns apelidado de Charcoal Mellowing.
Então, bem, um bourbon feito no Tennessee que passa pelo Charcoal Mellowing não deixa de ser um bourbon. Mas passa a poder ser chamado de Tennessee Whiskey.
Porém, vou lhe dar o benefício da dúvida em relação a uma especificidade do Jack Daniel’s. Porque claro, nós, advogados, sempre gostamos de relativizar conceitos e buscar obscuridades nas leis. E há uma imprecisão. Uma zona cinzenta romântica. A mashbill da maioria dos Jack Daniel’s conta com justamente 80% de milho. E aí, há uma discussão bem inútil, se um whiskey que está bem no limite entre o bourbon e o corn whiskey, deve ser um bourbon ou um corn whiskey (veja referência ao requisito “a” acima).
Mas convenhamos, se ele não for um bourbon, ele será um Corn Whiskey. Ele jamais será simplesmente um Tennessee Whiskey, porque os requisitos para ser um Tennessee Whskey são mais restritivos, mas estão completamente englobados pelos requisitos mais permissivos das classificações previstas no Code of Federal Regulations.
O fato da Jack Daniel’s se autodenominar Tennessee Whiskey e jurar que não é bourbon tem um motivo claro – mercado. Eles podem se chamar de “o maior e mais conhecido Tennessee Whiskey do mundo”. Enquanto que, se se autodenominassem bourbon, teriam que brigar com mais afinco com marcas como Buffalo Trace e Jim Beam. Então, na verdade, é um subterfúgio para criar a impressão de que são algo mais especial – ou diferenciado – do que realmente são. O que, claro, não significa que sejam ruins. Adoro os Jack!
Seja como for, fiquei curioso com suas provas. Nos envie, por favor, no ocaoengarrafado@gmail.com . Gosto muito dessas discussões legais – me faz lembrar da época causídica.
Um abraço,
Maurício Porto
OAB/SP 278.978
Não tem recurso para essa sentença!!!
Mais fundamentada em terras tupiniquins eu duvido!!!
Forte abraço aos amigos que colaboraram com o melhor conteúdo da internet sobre o tema!
Excelente matéria!!!
Caro Marcio, muito obrigado!!
Caro Marcio, muito obrigado!!
Prezado Maurício. Que aula magna! Não conheço o Bulleit Boubon, pesquisando o assunto, tive a sorte de chegar até aqui. Fiquei com mais vontade ainda dessa experiência, fiz a aquisição agora mesmo pela net. A apreciação vai ficar mais especial depois desse excelente artigo. A Diageo deveria te mandar uma caixa de brinde! Abraço!
Hahaha! obrigado, meu caro! Vamos fazer força, um dia eu ganho 😀
Comprei hoje um Bulleit Bourbon com base nos textos deste ótimo site.!
Olá!
Ótimo texto, como sempre.
Por coincidência acabei de comprar o Bulleit e antes dele havia comprado o Wild Turkey, no qual eu gostei muito. Se for pra comparar, o Bulleit em relação ao Wild Turkey é uma bela pedrada no paladar. Me surpreendeu positivamente. Acho que vale muito a pena comprar. Pode ir, mas vá pela sombra!
Grande Maurício sendo um apaixonado pela coquetelaria de Bourbon como sou, nunca deixo faltar algum Bourbon em casa.
Acabo de sair de um carrefour aqui proximo de casa, fui para comprar hortaliças….
Acabo me deparando com um Builleit por R$ 100,00 o vasilhame, comprei-o sem pensar duas vezez.
Mais tarde partirei na busca por um Cinzano e um delicioso Campari.
Abç forte.
Gabriel….
Fala Maurício boa noite meu querido, tudo bem ?!
Estou no momento bebendo uma dose de Buillet juntamente a uma cerveja Spaten, acho que esse whiskey trabalha super bem em coquetelaria.
Sempre faço um Manhattan ou um Boulevardier com ele.
E harmonizo com um Charuto Dona Flor.
Abç meu querido.