Você já assistiu O Grande Lebowski? Já falei dele por aqui. O Grande Lebowski é um longa-metragem estrelado por Jeff Bridges e dirigido pelos irmãos Cohen, que, basicamente, conta a história de um cara – O Cara – que tenta substituir o tapete velho de seu apartamento após um mafioso urinar nele. No tapete. Não no Jeff Bridges. Durante sua jornada em busca de uma peça de tapeçaria a altura, o Cara se embriaga. Seu coquetel de preferência é o White Russian – feito com leite, licor de café e vodka. Durante pouco menos de duas horas de filme, ele toma nove White Russians.
O Grande Lebowski é um dos meus filmes favoritos. Sempre que o encontro passando na televisão, paro para assisti-lo. Da ultima vez que o revi, fiquei com uma vontade irresistível de tomar um White Russian. Logo que os créditos surgiram na tela, fui à dispensa checar se tinha todos os ingredientes. Licor de café e vodka estavam ao alcance das mãos. Mas faltava o ingrediente mais fácil. Leite.
Talvez tivesse sido mais fácil ir ao supermercado, mas a verdade é que o desespero é o pai da criatividade. E neste caso, a solução foi encontrada onde jamais poderia imaginar. Uma lata, encontrada próxima às papinhas de minha filha: Leite em pó para crianças. Rico em ferro, zinco, iodo e DHA. Seja lá o que DHA for. E no melhor estado “é-o-que-tem-para-hoje”, comecei a elaborar meu drink.
O resultado foi, na melhor das hipóteses, estranho. O leite em pó era muito doce, e possuía um gosto residual metálico que, devo admitir, não combinou nada com a vodka e o licor de café. O coquetel, para falar a verdade, lembrava, de leve, um White Russian. Mas era muito diferente para ser considerado como tal. Ele era, bem, ele era aquilo: um Quase-White-Russian.
E meu Quase-White-Russian passou a integrar o infinito rol de quase coisas do mundo. Como aquela quase-feijoada que você comeu no quilo da esquina, mas que só tinha feijão preto. Ou aquela quase-caipirinha que tomou na festa de formatura do seu primo ou sobrinho, mas que só tinha açúcar, limão e água.
Mas nem sempre um quase é ruim. Pelo menos no mundo dos destilados. Um exemplo é o Spirit of Broadside, um destilado produzido pela Adnams Copper House, a destilaria pertencente à cervejaria inglesa Adnams, que chega ao Brasil neste mês de outubro pela importadora Get Trade, responsável também pela importação das cervejas da marca. O Cão esteve no evento de lançamento do Spirit, que aconteceu na última segunda feira, 05 de outubro, no Empório Alto dos Pinheiros em São Paulo.
O Spirit of Broadside é um autoproclamado eau-de-vie-de-biére, cuja tradução estaria na linha de água-da-vida-de-cerveja. Ele também poderia ser definido como um “new-make-spirit”, que é o nome tradicionalmente dado pelas destilarias de whisky a seu produto sem ou com pouca maturação. Ou simplesmente como um destilado de cerveja, que, neste caso, é a Broadside – veja lá, que coincidência – feita pela Adnams. Você poderia também defini-lo como brandy de cerveja, que é um outro jeito menos francês de dizer eau-de-vie-de-biére. Mas como isso não tem a menor graça, o definirei como um quase-whisky. Logo mais explicarei o porquê deste quase.
Antes, vamos falar da cerveja Broadside. A Broadside é uma english pale ale, produzida com dois tipos de malte. Malte próprio para ales e o chocolate malt, que nada mais é do que malte de cevada queimada, usado em cervejas escuras, como a Guinness. O tal chocolate malt também é utilizado na elaboração do Glenmorangie Signet, um dos whiskies preferidos deste ébrio canídeo. O amargor da Broadside advém da utilização de lúpulos da variedade First Gold. O resultado é uma cerveja relativamente leve, mas com claro sabor de caramelo, amargor e carbonatação médias.
Para produzir o quase-whisky-eau-de-vie-de-biére, a Adnams destila o mosto de sua Broadside em destiladores contínuos de cobre, e não em alambiques. É uma técnica comum na produção de bourbons. O destilado sai da coluna com graduação alcoólica de aproximadamente 85%, para que seja posteriormente diluído. Segundo a Adnams, caso usassem alambiques tradicionais, o processo produziria um destilado cuja graduação variaria entre 55% e 60%, e consumiria muito mais energia. Mas não é por conta disso que ele não pode ser chamado de whisky. Whiskies podem ser destilados em destiladores contínuos.
Após a destilação e purificação – a remoção da cauda e cabeça do destilado, que contém substâncias tóxicas – o eau-de-vie resultante matura por doze meses em barricas de carvalho europeu, proveniente da Rússia, e altamente tostadas. Segundo a Adnams, as barricas vêm da Praskoveyskoye Distillery, uma destilaria russa que produz, principalmente, brandy. E aí está. É por conta deste tempo de maturação que o Spirit of Broadside não pode ser considerado um whisky. Por convenção, para que possa usar este nome no Reino Unido, a bebida precisa maturar por, no mínimo, três anos.
O Spirit of Broadside foi lançado em maio de 2012, quarenta anos após o lançamento da cerveja que lhe empresta a base. A cerveja Broadside, por sua vez, saiu dos tanques de fermentação da Adnams pela primeira vez em 1972, em homenagem ao ducentésimo aniversário da Batalha de Sole Bay, que ocorreu muito próxima à costa de Southwold, onde a cervejaria está instalada.
A Broadside Ale custa, no Brasil, em torno de R$ 22,00 (vinte e dois reais), enquanto que o Spirit of Broadside sai por R$ 370,00. O único lugar que vende o quase-whisky, por enquanto, é o Empório Alto dos Pinheiros. E minha sugestão para os whisky geeks como eu é que, se for comprar o new-make-spirit, leve também a cerveja. Tomar os dois separados é bom. Mas toma-los na mesma situação e compará-los, entendendo quanto aquele quase-whisky deve àquela cerveja é simplesmente fantástico. Ou não. Depende do seu conceito de diversão.
É difícil comparar o Spirit of Broadside com qualquer outra coisa. Ele é um destilado do mosto de uma cerveja elaborada, destilado em alambiques contínuos, e maturado em barricas de carvalho europeu proveniente da Rússia. Para compará-lo, seria preciso, primeiro, encontrar algo a ele comparável. Talvez ele seja mesmo como o meu White Russian. Mas, ao contrário dele, não há dúvidas que a experiência deu certo.
ADNAMS SPIRIT OF BROADSIDE
Tipo: New Make Spirit
Destilaria: Adnams Copper House
Região: Southwold – Reino Unido
ABV: 43%
Notas de prova:
Aroma: baunilha, açúcar refinado, grãos, levemente frutado.
Sabor: frutado, adocicado, com baunilha e algumas especiarias. Malte. O sabor demonstra claramente que é um destilado jovem, ainda que muito saboroso.
Com Água: Adicionar agua reduz o sabor frutado e ressalta as características de new-make-spirit.
Preço: em torno de R$ 370,00 (trezentos e setenta reais)
ADNAMS BROADSIDE ALE
País: Inglaterra
Cervejaria: Adnams
Tipo: EnglishPale Ale
ABV: 6,3% (garrafa) / 4,7 % (chope)
Notas de prova:
Aroma: frutas secas, açúcar mascavo.
Sabor: Açúcar mascavo, frutadas secas, amargor e carbonatação médios.
Preço: R$22,00 (vinte e dois reais)
O Lúpulo fica de fora do mosto para destilar, certo?
Sim senhor. Fica fora. É o mosto fermentado sem o lupulo!