The Macallan Night on Earth in Jerez

Poucos sabem, mas a nobre tradição britânica de comer um pãozinho com marmelada foi fomentada por uma coincidência ibérica. Não sei se é lenda ou real, mas conta-se que, no final do século XVIII, uma embarcação espanhola carregada de laranjas amargas de Sevilha foi forçada a aportar em Dundee, devido ao mau tempo – quer dizer, à imprevisível e delicada brisa marítima escocesa. Eram laranjas renegadas — amargas e ligeiramente passadas — para o consumo direto. Mas não sem potencial. O senhor James Keiller, comerciante de tino aguçado e provavelmente o tipo de cara que mistura tudo da geladeira com ovo para evitar disperdício, comprou a carga inteira só porque estava barata, sem saber o que fazer com tamanha acidez. Felizmente, sua esposa, Janet Keiller, sabia que, se a vida te dá limões – ou melhor, laranjas azedas – o melhor é fazer marmelada. Nascia assim a marmalade de Dundee. Com o tempo, o (quase) doce ganhou fama, e as laranjas de Sevilha tornaram-se matéria-prima nobre em solo escocês. Mas essa aliança entre Espanha e Escócia não é exclusiva dos doces. Ela se repete no mundo do whisky. A conexão não é novidade. Ela é mais que secular, e data […]

Macallan Classic Cut – Elegância Violenta

Esta matéria foi originalmente publicada em 04 de Setembro de 2018. Em vista de sua chegada ao Brasil, a matéria foi atualizada em 23 de maio de 2024, com a nova edição. Fígado, favas e um bom chianti. Ou um grande amarone, se você preferir a versão literária à película. Literatura clássica, em especial a Divina Comédia de Dante. As Variações Goldberg de Johann Sebastian Bach. A belíssima cidade italiana de Florença. Parecem gostos de uma pessoa de sofisticação e cultura extraordinárias. E, na verdade, são mesmo. Incrivelmente, estes também são os interesses de um dos mais famosos vilões da ficção. O psiquiatra Hannibal Lecter, que aparece em obras como Dragão Vermelho e O Silêncio dos Inocentes. Lecter seria um cavalheiro quase perfeito, não fosse um pequeno detalhe. Ou melhor, um único gosto, que não tem nenhuma sofisticação. Hannibal gosta de comer gente. Gastronomicamente falando. Aliás, o sucesso de seu personagem, na opinião deste canídeo, está justamente aí. No equilíbrio entre a erudição e a mais gráfica e selvagem violência. Entre a polidez e a agressividade. Hannibal é Jekyll e Hyde, com o bônus do canibalismo. Em um mesmo personagem estão características aparentemente antagônicas, mas que se complementam lindamente. Se […]

The Macallan 25 – Bolo Real

Abro, com o cuidado de quem desarma uma bomba, a fatura de meu cartão de crédito. O fim do ano não ajudou. Faço uma apostinha mental: se for menor que certo valor, fico sem beber hoje. Confiro o número com perplexidade. Clonaram meu cartão – sussurro, severamente, para minha esposa. Não é isso não, é que eu passei o cabelo e a maquiagem da festa de fim de ano nele. Pisco de incredulidade. Mas a turma da maquiagem usou fulerenos endoédricos pra fazer o brilho e justificar esse preço? O que sucedeu foi uma discussão conjugal que culminou numa reflexão óbvia, mas necessária. Cada um tem uma percepção diferente de valor das coisas. Pra mim, é um absurdo pagar o equivalente às reservas de capital de Honduras em uma maquiagem. Mas beber este valor é justificável. E tem gente ainda mais louca. Teve um cara que pagou 7.500 (sete mil e quinhentas libras) por um pedaço de bolo de frutas do casamento da Kate com o Príncipe William. Isso foi em 2014, três anos depois do casamento. Aliás, bolos de frutas e whisky tem vários pontos de tangência. O perfil de sabor é um deles. Outra coisa, é que bolos […]

Highland Park 12 – Northman

Essa semana consegui finalmene separar três horas ininterruptas para assistir um filme que queria há algum tempo. The Northman, do Robert Eggers. Para quem não ouviu falar ainda, ele conta uma história bem conhecida. A de um jovem príncipe, que resolve vingar o brutal assassinato de seu pai – que, convenientemente, é o Rei – por seu tio. Um tio que usurpa o trono e subjuga sua mãe, a rainha. Se você começou a mentalmente cantarolar Hakuna Matata, está no caminho certo. A história é a de Hamlet, de Shakespeare, que também inspira O Rei Leão. Mas, assim como no Rei Leão, que subsititui os personagens shakespearianos por felinos e suricatos, há diferenças sensíveis na adaptação de Eggers. A elouquência elizabetana e psicologia sutil dão espaço para, bem, violência. Na verdade, violência brutal, flatulência, incesto, vísceras ao ar livre, suor, sujeira, vulcões, guardiões mortos-vivos de espadas lendárias e a Bjork sem olhos. Mas, incrivelmente, sem abrir mão da profundidade de seus pivôs. O príncipe Amleth – este é o nome de seu personagem principal, veja que coincidência – é regido pelo seu tempo. É a honra que motiva sua vingança, assim como Hamlet. O que muda, no entanto, é o […]

The Macallan Harmony Collection Rich Cacao

Quando eu era criança, fazia uma porção de coisas bobas sem muito motivo. Não coisas grandes, tipo me arrebentar de boca depois de desafiar as leis da física numa bicicleta e tal. Mas, pequenas experiências. Como, por exemplo, sentar em cima da mão durante a aula, para retirá-la depois e perceber uma certa concavidade no derriére. Tentar empurrar todas as cores daquela caneta multicolorida. Ou enfiar um alfinete na pelinha do dedo, só pra ver ele pendurado. Ou, então, a clássica de colocar uma mão na bacia quente e outra na fria, e depois as duas na morna, para notar que a fria ficou mais quente que a quente. Ou algo assim. Para falar a verdade, quando a gente cresce, não deixa de fazer essas coisas. Quer dizer, essas coisas não, mas coisas bem parecidas. Faz parte de nossa natureza fazer experimentações. Algumas, meio inúteis e sem graça. Outras, maravilhosas. E como um entusiasta de whiskies e gastronomia, para mim, pouca coisa supera a harmonização de sabores. E é justamente aí que entra o The Macallan Harmony Collection: Rich Cacao – recente lançamento da The Macallan. O The Macallan Harmony Collection: Rich Cacao foi desenvolvido pela whisky maker Polly Logan, […]

Macallan Sherry Oak 12 – Superabundância

Superabundância de escolha. Não, eu não tenho nenhuma forma mais sucinta – ou menos espalhafatosa – de descrever o fenômeno. E, para falar a verdade, foneticamente, até gosto. A palavra superabundância, com sua retumbante aliteração, cria um eco capaz de exaltar o conceito. Que vou explicar a seguir, depois desta pequena digressão introdutória. A superabundância de escolha acontece quando tomar uma decisão se torna um processo mentalmente esgotante, por conta do enorme número de variáveis e possíveis resultados. O conceito foi primeiro cunhado pelo escritor Alvin Toffler, em um livro de 1970, chamado A Terceira Onda. De acordo com Toffler, não ter alternativa é quase tão ruim quanto ter alternativas demais. Há uma espécie de arco de sastifação. Deve haver escolha, mas não tanta escolha a ponto de trazer insegurança. Tipo quando fui na farmácia comprar absorventes para a Cã, não sabia se era noturno, com ou sem abas, soft, ultra soft ou qualquer coisa assim, e fiquei morrendo de medo de levar bronca chegando em casa. Pode até parecer meio complicado, mas não é. Quando escolhi, por exemplo, ser advogado, ponderei uma infinidade de alternativas antes disso. Algumas pareciam obviamente equivocadas – como, por exemplo, jogador de basquete, visto […]

The Macallan Sherry Oak 18 anos – Oportunidade

Há um aforismo de Seneca que diz que a sorte é onde a oportunidade encontra a preparação. Por ser o pai do estoicismo, e por estar convenientemente separado por dois milênios e poucos de história, posso quase certamente afirmar que Seneca não proferiu a máxima durante uma palestra de coaching. Aliás, coaches que proventura leiam este post, por favor, sejam mais estoicos e resistam à tentação de empregar Seneca em suas apresentações. Mas, enfim, mal comecei e já estou a divagar. De volta, tenho minhas dúvidas sobre a irrefutabilidade do aforismo. E longe de mim falar de meritocracia, especialmente nessa prova. Mas conheço uma pá de gente, cujos nomes não vem ao caso, que está viva e bem só pela mais cândida sorte. Por outro lado, e confirmando Seneca, o Premio Darwin e o padre do balão estão aí (estou um pouco confuso sobre que tempo verbal usar) pra mostrar que às vezes um pouco de capacitação não faz mal a ninguém. De uma forma pouco estoica, devo sucumbir à tentação de “apetrechar” a máxima do filósofo e transmutar um pouco seu sentido. Muitas vezes, reconhecer que teve sorte exige preparação e oportunidade. Foi meu caso, por exemplo, quando provei […]

The Macallan Double Cask 15 anos

Três de Janeiro, onze da manhã. Nenhum compromisso à vista pelos próximos dois dias. Que delícia, fazia um tempão que almejava pela mais cândida agenda – penso. Acho que vou aproveitar para resolver algumas bobeirinhas que não conseguira, por falta de tempo. Tipo cortar o cabelo. Passo os dedos pela nuca, como se para reafirmar a necessidade da toza. Três meses sem cortar, meus mullets reminescem a um cruzamento entre o Billy Ray Cyrus do anos oitenta e uma samambaia. Ligo na barbearia costumeira, mas o telefone só toca. Naturalmente, em dois mil e vinte e dois, recorro ao Instagram. Recesso até o dia sete. Melhor esperar e pensar em alguma outra pendência. Já sei. Revisão do carro – que, aliás, há quatro meses suplica por um tal “serviço A”. Não estivesse acostumado à minha displicência, certamente já teria terminado em uma poça de óleo e chamas. Mas carros são tipo cachorros – quase o reflexo dos donos. E a única certeza que teríamos, pudesse meu carro pensar, é que ambos já tivemos tempos mais gloriosos. WhatsApp para a concessionária “oi”. Mensagem automática. Olá, agradecemos sua mensagem, estamos de férias coletivas até o dia onze, boas festas e um feliz […]

Whiskies para comprar no Duty-Free – 2021 / 2022

Tenho que confessar uma coisa óbvia. Estou com saudades de viajar. É tanta que eu tô com saudades até da parte ruim. De ficar com o nariz ressecado no avião, sentir aquela encostadinha constrangedora do passageiro do lado enquanto ele tenta se acomodar na cadeira justamente para não dar aquela encostadinha constrangedora. E do barulho, de dormir meio na vertical e de ficar horas sem fazer nada. Aliás, esses dias sentei na cadeira mais apertada aqui de casa, liguei o ar-condicionado no máximo e o secador de cabelo do lado, só pra tentar simular aquele desconforto aéreo-sonoro-ortopédico. Talvez, em 2022, essa minha ressaca passe, e eu finalmente possa alçar voo novamente. Entretanto, apesar de meu hiato aeronáutico, minha obrigação de apontar as melhores compras aos nobres e destemidos viajantes não foi olvidada. Por isso, preparei este derradeiro post – o último de 2021 – de um jeito meio que teórico, meio que por proxy. Então, não estranhem que não há foto para algumas garrafas, tampouco aquela tradicional composição da mala com as bebidas dentro, lá em cima. Fato é que provei todos os wiskies, com exceção do submencionado Maker’s Mark. Mas não as tenho mais – e também, nem foto. […]

Whiskies para dar de presente – Edição 2021

Eu até tento fugir, mas o fim do ano me persegue. Desta vez, foi meu Spotify. As musicas que você mais curtiu este ano, todas reunidas em uma só playlist. O ano é de dois mil e vinte e um, mas minha seleção musical reminesce de algum ponto entre noventa e nove e setenta e cinco. Noventa e nove e setenta e cinco para um redneck americano recém-mudado para Louisiana, bêbado, irritado e obeso. Esses dias, inclusive, comentei isso com minha querida Cã. Há uma pletora – para usar uma palavra incomum – de motivos que me fizeram casar com ela. Mas, o gosto musical certamente não foi um deles. Não há sequer um único ponto de tangência entre nossas mais ouvidas. Tudo bem, exceto por algum protesto durante uma eventual viagem de carro, isso não nos preocupa. Somos pessoas maduras. Mais ou menos. E já que o tom aqui é de maturidade, listas e final de ano, vamos ao tema perfeito desta matéria. Um apanhado de presentes para os apaixonados por whisky. Separei aqui alguns dos mais importantes lançamentos deste ano. Uma lista que não tem a pretensão de ser exaustiva, obviamente – mas vocês já sabem e não […]