Sobre a Criatividade – Glenfarclas 12 Anos

Esses dias me perguntaram qual era meu livro preferido. Fiquei bastante tempo pensando. Um livro só? Não dá para fazer ao menos um top five? Gosto de quase tudo de Dostoievski. Gosto também de Camus, especialmente A Queda, e para os dias de mais testosterona, Hemingway. Vivo, Ian McEwan é excelente, principalmente Serena. Mas uma obra só? Aí acho que terei que escolher Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Marquez. Para quem nunca leu, o livro trata da trajetória secular de uma família – os Buendía – e do vilarejo por eles fundado, Macondo. Na verdade, a história pode ser interpretada como uma alegoria, em um mundo de realismo fantástico, para a América Latina. Macondo passa, ao longo de sete gerações de Buendías, por quase tudo que passou a América Latina, desde a chegada dos espanhóis. O único problema do livro é entender quem é quem. São mais de cinquenta personagens só da família. Isso faz com que muitos leitores tracem uma arvore genealógica dos Buendía, para auxiliar na leitura. Mas nem assim é fácil. Por dois motivos. Primeiro porque os Buendía não eram lá muito ligados nesse negócio de moralismo, então não adianta você tentar entender quem é […]

Drinque do Cão II – Penicillin

  Lembram-se quando falei sobre o sentido da palavra “serendipidade”? Quando a mencionei pela primeira vez, utilizei um exemplo que deixou muita gente excitada. O Viagra. O Viagra foi, fácil, uma das maiores serendipidades da história. Além dele, outra serendipidade incontestável foi a penicilina. Ela foi descoberta por acaso, pelo cientista escocês Alexander Fleming, em 1928. A penicilina foi provavelmente a segunda maior contribuição da Escócia para o mundo. Depois do whisky, óbvio. É que antes da penicilina, se você cortasse a perna e ela, porventura, infeccionasse, havia uma chance razoável de ter que amputá-la. E se você desse esse azar antes de 1846, sua perna teria que ser lentamente e cuidadosamente arrancada sem o uso de qualquer anestesia, enquanto você urrava de dor. Porque, bom, porque não existia anestesia, também.   E tudo bem que tomar antibiótico é chato, porque você fica com dor de estomago, e não pode beber. Mas sei lá, eu acho que eu prefiro passar uns dias sem beber nada do que perder um membro do corpo. E, se você pensar, foi mais ou menos essa a escolha que a penicilina te trouxe. A penicilina, assim, foi uma revolução para a humanidade. Para mim, uma […]

O Cão Clássico – Glenlivet 12 anos

Meu trabalho traz a oportunidade de conhecer uma boa dose de loucos. O mundo corporativo está cheio deles, de todas as espécies e graus de loucura. Um dos mais interessantes foi o Sr. Roberto, sócio de um escritório em que trabalhei. O Sr. Roberto era extremamente articulado, relativamente elegante e muito educado. Trabalhava bem e era muito eficiente. Enfim, o Sr. Roberto parecia um cara absolutamente normal. Até você ir almoçar com ele. Na hora da refeição, o Sr. Roberto tinha todo tipo de mania. Uma das mais estranhas era de, durante reuniões mais longas, comer esfihas de ricota, cortadas por nossa copeira em oito pedaços milimetricamente idênticos, como uma pizza. O Sr. Roberto passava reuniões inteiras com um minipedaço de esfiha na mão, e, eventualmente, o comia, pegando outro logo em seguida. Outro cara que tinha manias alimentares tão estranhas quanto as do Sr. Roberto, foi Napoleão Bonaparte. Reza a lenda que Napoleão não comia nada antes das batalhas. Por conta disso, voltava delas com uma fome monstruosa. Seu prato preferido – criado por seu chef pessoal após a batalha de Marengo – era Frango à Marengo. Napoleão gostava tanto daquele prato que sempre o pedia após a luta, […]

Doce Emoção – Balvenie Doublewood 12 anos

Você sabe o que é Epinefrina? Epinefrina é um composto químico, proveniente da modificação um aminoácido aromático, a tirosina. As glândulas suprarrenais do corpo humano produzem epinefrina em momentos de tensão. Quando secretada, a epinefrina tem como resultado o aumento da tensão arterial, contração muscular e estímulo do músculo cardíaco. Mas você já sabe disso, porque outro nome, bem mais popular para a epinefrina, é adrenalina. A epinefrina pode ser usada para combater parada cardíaca ou disritmias do coração. Mas como aprendemos com o cinema hollywoodiano e com Jason Statham, ela é mais frequentemente encontrada em descongestionantes nasais. Se ministrada em exagero, pode produzir uma lista infinita de resultados desagradáveis, sem dizer, muitas vezes, mortais. Entre eles estão palpitação, taquicardia, arritmia cardíaca, ansiedade, ataques de pânico, dor de cabeça, tremor, hipertensão e edema pulmonar. Enfim, você fica todo tremendo, com um medo inexplicável, seu coração quase explodindo e seu pulmão entra em colapso. Não sei você. Mas acho que eu prefiro ficar com o nariz entupido. O interessante sobre a epinefrina é que ela foi produzida pela primeira vez em laboratório em 1904. Só que ninguém sabe ao certo por quem. Dois cientistas – Friedrich Stolz, alemão, e Henry Drysdale Dakin, […]

Febre de Consumo – Dalmore 15 anos

Existem várias atividades que me proporcionam sentimentos conflitantes. Um deles é fazer exercício. Por mais que eu deteste qualquer tipo de esforço, sei que, para um Cão como eu, correr é essencial para a saúde. Além disso, tenho que admitir: depois de uns vinte minutos de trote rápido, a sensação é quase boa. Quase. Porque bom mesmo é tomar whisky e fumar charuto. Pensando bem, fazer exercício está, no máximo, no nível “recompensador” da escala de prazer deste Cão. Outra dessas atividades é ir ao supermercado. Assim como correr, ir ao supermercado é uma obrigação inevitável. Inevitável principalmente quando a Sra. “Cã” Engarrafada, solicita, com a suavidade de uma voadora no rim, que eu compre mantimentos para nosso lar. Pensando objetivamente, ir ao supermercado é um saco. Não há prazer nenhum em comprar litros de água sanitária, detergente e arroz agulhinha tipo um. Ou papel higiênico. Aliás, tenho um problema com isso. Sempre que passo o papel higiênico no caixa, entrego para a senhorinha com certo ar de vergonha. Eu sei que é perfeitamente normal se limpar. E que todo mundo faz isso, ou pelo menos deveria. Mas não consigo evitar esse sentimento de culpa infantil. Mas às vezes, com […]

Serendipidade – Glenglassaugh Revival

A língua portuguesa é fascinante. Para tudo há uma palavra. Algumas, inclusive, que são absolutamente redundantes, específicas e sem utilidade. Uma delas é “defenestrar”. Defenestrar é o ato de atirar algo por uma janela. Não basta jogar longe. E não vale ser através de uma porta também. Tem que haver uma janela envolvida. Defenestrar, assim, é uma palavra inútil. Primeiro porque quase ninguém sabe o ela significa. Depois, simplesmente porque não há dificuldade nenhuma em construir uma frase dizendo que algo foi lançado por uma janela. Aliás, é pior usar a palavra “defenestrar” para depois ter que explicar seu significado, do que simplesmente dizer que jogou certa coisa pela janela. Outra palavra mais específica ainda é serendipidade. Ou serendiptismo. Ou serendipitia. Serendipidade é tão estranha que nem o corretor ortográfico do Word a reconhece. Ela é uma adaptação da palavra inglesa “serendipity”, cujo significado é algo na linha de capacidade de uma pessoa de realizar descobertas bem-afortunadas por acaso; ou a ocorrência destas descobertas. A história está cheia de serendipidade. O forno de micro-ondas. A penicilina. E talvez a maior serendipidade de todas, uma tal pílula azul, cujo objetivo original era tratar dores no peito. Essa pílula havia sido pensada para contrair […]

O Valor da Persistência – Cardhu 12 anos

Este post começará com uma confissão. Eu detesto frango. Não há nenhuma carne que seja mais desprezível do que a deste galináceo. Quando conto isso, muita gente argumenta que frango não tem gosto de absolutamente nada, e que, portanto, é impossível não gostar de frango. Essas pessoas são absolutamente malucas. É óbvio que frango tem gosto. Tanto é que já ouvi que rã tem gosto de frango. Quando fui para o Peru há alguns anos, comi um prato que tinha Cuy (uma espécie de porquinho-da-índia gigante, muito apreciado por lá). Adivinhem? Tinha gosto de frango. Aliás, para o meu azar, uma porrada de coisas tem gosto de frango. Talvez estejamos mesmo na Matrix, e como as máquinas não sabiam o gosto real das coisas, fizeram com que tudo tivesse gosto de frango. As máquinas deveriam ter pesquisado um pouco mais. Imagine se tudo tivesse gosto de picanha? Ninguém se sentiria tentado a tomar a pílula vermelha. Argumente o que quiser: comer frango é sempre uma decisão racional. Eu aceito que você diga que come frango porque não tem muita gordura, e é bom para sua dieta; ou que frango é uma carne relativamente barata, então você pode fazer uma refeição sem […]

Sobre Cães e Profecias – Jura Prophecy

Essa semana estava batendo um papo de bar com um amigo. A certa altura da conversa, ele me disse que, apesar de gostar de ter nascido ser humano, se pudesse escolher, preferia ter vindo a este mundo como cachorro de madame. Vendo meu semblante curioso, ele passou então a enumerar os motivos. Cachorro de madame não precisa pagar conta nenhuma. Além disso, ganha carinho o dia inteiro e – quase – todas as necessidades são supridas sem nem precisar pedir. Tudo que ele precisa fazer é existir. Quando cheguei em casa, continuei pensando sobre isso. Eu nunca quis ser cachorro de madame. Então resolvi fazer uma lista de prós e contras de encarnar em um canídeo desses. Algumas vantagens são óbvias, sendo que a maior delas é que eu poderia andar nu em qualquer lugar, e ninguém acharia estranho ou me prenderia. E convenhamos, este é um forte ponto positivo. Mas não podemos olvidar de desvantagens claras. Uma delas é que eu, no melhor dos cenários, tomaria banho duas vezes por semana. E se eu tivesse o azar de encarnar em um Lulu da Pomerânia ou um Yorkshire, que são bem peludos, teria que suportar meu cheiro a vida toda […]

Inu Engarrafado – Yamazaki 12 anos

A combinação entre ambição e excesso de autoconfiança é perigosa. A história está cheia de pessoas com grandes sonhos e ideias que mudariam o mundo. Só que não. Um grande exemplo é o cara que inventou o sutiã masculino. Mas o meu preferido é o Sr. Dean Kamen. Já ouviu falar dele? Pois é. Sr. Kamen foi o inventor de um produto que, segundo informações que teriam vazado antes de seu lançamento em 2001, revolucionaria a história do transporte de pessoas. Algo que mudaria para sempre a humanidade e a forma com que ela se locomove. Segundo Kamen, os dias do carro estavam contados. Aquela invenção seria para o automóvel, o que o automóvel fora para o cavalo. Para piorar, em um claro momento de insanidade corporativa coletiva, aqueles que tiveram acesso à invenção estavam maravilhados. Steve Jobs disse que seria maior do que o computador. John Doerr (venture capitalist por trás da Netscape e Amazon), por sua vez, disse que seria ainda mais importante do que a internet. E em 2002, o grande visionário Dean Kamen finalmente decepcionou o mundo com sua invenção: o Segway, um diciclo elétrico, capaz de transportar uma pessoa em pé, a mais ou menos treze […]

Debutante – Glenfiddich 15 Anos

Quinze anos. Quinze anos, para uma pessoa, raramente é sinal de maturidade e equilíbrio. Com quinze anos, seu conceito de uma noite divertida provavelmente se aproximava de tentar fazer cara de mais velho para entrar em alguma balada ruim, com um RG falsificado, só para encontrar lá dentro outros adolescentes de quinze anos de idade, que também fizeram cara de mais velhos. Se bem que, nessa nova geração, não sei não – acho que seria algo como fazer yoga e depois tomar um suco de clorofila detox gourmet, tirando uma foto com um pau de selfie. Ou, no caso de um menino, cortar o cabelo de uma forma ridícula, para depois cobri-lo com um fone de ouvido igualmente ridículo e tão grande que até parece que foi arrancado do teto de um helicóptero. Mas, ao contrário do que acontece com seres humanos, no mundo do whisky, principalmente se estivermos falando de Glenfiddich, quinze anos é tempo suficiente para criar um produto incrível. Este é o caso do Glenfiddich 15 anos Solera. É um single malt que faz frente a whiskys muito mais maturados e elaborados, e até mesmo preda os irmãos mais velhos, como o 18 e o 21 anos, […]