Old Parr 18 anos – Iguaria

Recentemente, um grupo de comensais elegeu uma iguaria islandesa, conhecida como hákarl, como a pior comida do mundo. Um dos corajosos provadores inclusive, disse que aquilo era “a pior coisa que eu já coloquei na minha boca“. Sem julgamentos de valor aqui. Ainda que eu nunca tenha provado, as descrições menos sintéticas fazem alusão a palavras pouco convidativas à mesa, como podre, ácido, putrefeito, urina e – brilhantemente em minha opinião – cocô. O que não é surpreendente. Hákarl faz parte do Þorramatur – o prato nacional da Islândia – e é feito de tubarão podre. Mais especificamente, o tubarão-da-groenlândia. Que possui carne venenosa devido à alta concentração de ácido úrico. É este processo de putrefação e cura que o torna (discutivelmente) consumível. O tubarão-da-Groenlândia não é lá um bicho muito aprazível quando preparado como alimento. Mas, é menos ainda quando encontrado vivo. Suas barbatanas são pequenas, atrofiadas e cheias de marcas. O couro é áspero e irregular. O maxilar protuberante faz com que os dentes fiquem à mostra, e parasitas asquerosos se penduram em seus olhos e se alimentam de sua córnea – que aliás não servem para muita coisa além de reforçar já um ar repulsivo. Mas, apesar […]

Glen Scotia 15 anos – Darwinismo

Você provavelmente já ouviu falar de Charles Darwin. Charles Darwin foi um naturalista britânico, que fez uma longa expedição a bordo de um navio chamado HMS Beagle, comendo tudo de exótico que encontrava pela frente. Aliás, um de seus traços era justamente a curiosidade para saber o gosto de tudo vivo que encontrava. Durante sua viagem no Beagle, Darwin se esbaldou em bichos como iguanas, tatus (sem piadinhas com os Mamonas, por favor) e tartarugas gigantes. Darwin foi o primeiro hipster gastronômico. Mas não foi por conta de seu gosto excêntrico que Darwin ficou famoso. Foi porque ele que cunhou a teoria da evolução. De acordo com sua teoria – que, convenhamos, é uma certeza – todas as espécies de organismos se desenvolvem por meio da seleção natural. Essa seleção faz com que apenas os organismos mais capazes de sobreviver conseguissem se reproduzir. O que garante mais chances de manutenção daquela espécie, em um meio ambiente selvagem e desafiador. O exemplo clássico é a girafa. A girafa parece um bicho desajeitado e pescoçudo, mas é, na verdade genial. Por conta de sua altura e pescoço, ela é capaz de alcançar os frutos mais altos das árvores, impossíveis para espécies – […]

Union Virgin Oak Autograph – Quimera

Pegue elementos que funcionam bem sozinhos e os reúna em um único lugar. Você poderá estar diante de um fracasso galopante. Se você discorda, responda sinceramente, sem usar o Google. Você já ouviu falar sobre Honegar? E a Hula Chair? Provavelmente não, certo? O Honegar é mais ou menos o que o nome diz. É uma mistura, em partes iguais, de mel e vinagre de maçã. Ele foi inventado – ou melhor, relembrado – pelo doutor DeForest Jarvis. O médico teria examinado os fazendeiros de Vermont, e constatado que eram extremamente saudáveis. Ao analisar seus hábitos alimentares, descobriu que consumiam boa quantidade de mel e de vinagre. Daí surgiu a ideia de combiná-los. Ainda que bem intencionada, a invenção não vingou. Talvez porque a mistura soe como uma brincadeira de criança, como sopa de ketchup e guaraná, ou coca-cola com sal. A Hula Chair, por sua vez, era um dispositivo que combinava uma cadeira com um bambolê. Ela tentava reproduzir o esforço abdominal do uso do bambolê – o que era, claramente, um exercício – com o conforto de estar sentado – o que, geralmente, não é considerado um exercício. O problema é que a ideia era meio instável, porque […]

Macallan Triple Cask 15 anos – Dos Nomes

Uma vez, li uma matéria sobre como as montadoras escolhem os nomes de seus automóveis. É interessantíssimo. E complicado. O que parece natural é, na verdade, um complexo processo criativo. Primeiro, as companhias consultam seus departamentos de marketing para determinar palavras que refletem o perfil do veículo. Literalmente centenas de ideias são concebidas. Depois, especialistas de diversas áreas escolhem os nomes com base nos mais distintos critérios. Por exemplo, não pode ser uma marca registrada de alguma outra empresa. Não pode ser uma gíria, não pode ser um palavrão em outra língua e tem que soar bem. Isso tudo significa que por trás de todo Ford Pinto, Kia Besta, Mazda Laputa, Lancia Marica e Fiat Punto (experimentem arrancar o “n”) há uma equipe de dezenas de pessoas que falhou miseravelmente. Recentemente, uma das mais famosas marcas de single malt do mundo correu o mesmo risco. A The Macallan, ao lançar sua coleção Quest. A antiga linha 1824 foi substituída por uma de produtos com denominações, diremos assim, mais criativas – Quest, Lumina, Terra e Enigma. E tudo bem, porque os nomes soam bem e, de certa forma, transmitem a noção de sofisticação que a marca pretende passar. Porém – e […]

Lamas Nimbus Caledonia – Lançamos um whisky!

Se você gosta do Ashton Kutcher, talvez esteja familiarizado com uma importante conceito da teoria do caos. O Efeito Borboleta. De uma forma (bem) simplificada, a formulação estabelece que pequenos eventos podem ter efeitos não-lineares em sistemas muito complexos. Por não-lineares, leia-se, enormes ou insignificantes. Deixa eu dar um exemplo, sem usar o clichê da tal borboleta que causa um furacão. Há um provérbio alemão – mais tarde transformado em verso por Benjamin Franklin – que conta a história de um prego solto na ferradura de um cavalo. Um prego que poderia ter causado a queda de um cavaleiro, que levaria à ruína de uma batalha, que desembocaria na perda de uma guerra, e finalmente, na destruição de um reinado. Ou não. Porque, considerando todas as infinitas variáveis daquele momento – dentre elas um único prego na ferradura de um cavalo – seria impossível de dizer ao certo. E foi provavelmente, por conta do Efeito Borboleta – desta vez, em nosso favor – que lançamos um whisky. Sim, nosso primeiro whisky, com o rótulo do Caledonia Whisky & Co – nosso bar em São Paulo. O Lamas Nimbus Caledonia. Um single malt produzido em Minas Gerais pela destilaria Lamas. Uma […]

Suntory Yamazaki 12 anos II – 2020

Essa é a segunda prova do Yamazaki 12 anos neste blog. A primeira foi escrita em 2015 (leia a original aqui). Porém, devido à volta deste desejado rótulo às nossas terras, resolvemos revisitá-lo e fazer uma prova completamente nova. Se você tem um iPhone, abra seu teclado e procure o emoji de onda. Observe com atenção e deixe-me explicar porque esta imagem lhe parece tão familiar. O desenho é baseado em uma obra de arte clássica japonesa do período Edo. A Grande Onda de Kanagawa, uma xilogravura do artista Katsushika Hokusai – parte de sua icônica série de trinta e seis vistas do monte Fuji. Ela é provavelmente a obra de arte mais reproduzida do mundo. Está em muros, sapatos, camisetas, carteiras e até mesmo emojis. Ao longo dos séculos, a obra de Hokusai influenciou grupos e movimentos inteiros da arte. Como a Ar Nouveau, o Simbolismo, os Nabis e os pós-impressionistas. Suas xilogravuras trouxeram a noção de que a pintura é algo bidimensional. A ilusão de profundidade – quando há – é dada somente pela cor. Uma técnica tão importante que foi usada tanto por artistas tradicionalistas, como os primitivos italianos, quanto por ícones da arte moderna, como David […]

Union Malt Extra-Turfado – Fitzcarraldo

Fitzcarraldo, dirigido por Werner Herzog, é um dos mais incríveis e insensatos filmes de todos os tempos. Lançado em 1982, a película conta a história baseada em fatos reais de Brian Sweeney Fitzgerald – apelidado de Fitzcarraldo – um barão da borracha do começo do século vinte. Fitzgerald é admirador de música erudita e do tenor Enrico Caruso. Seu sonho maluco é construir uma enorme casa de espetáculos em Iquitos, no alto da selva amazônica, para ouvir seu ídolo cantar. Para tanto, Fitzcarraldo está obstinado a arrastar um navio a vapor completamente montado sobre uma grande montanha – subindo de um lado, descendo do outro. Seu plano é utilizar a embarcação para explorar as riquezas de certa bacia hidrográfica com a ajuda de indios, se capitalizar e construir o luxuoso teatro. Se o sonho de Fitz parece estupidamente ambicioso, o de Herzog foi além. É que o diretor, recusando-se a utilizar miniaturas e efeitos especiais, arrastou um barco a vapor de verdade, pesando mais de trezentas toneladas em seu set de filmagem. E ainda que o resultado na tela seja magistral, a sua execução foi trágica. Membros da equipe de Herzog morreram e índios sabotaram as filmagens. Mais tarde, o […]

San Basile White Dog – Raio X

Quando era criança, bati a cabeça bem forte. O que, num parêntesis, é uma explicação bem verossímil para certos comportamentos que tenho hoje. Eu estava me preparando para dormir, saí correndo e pulei na cama, mas devia estar empolgado demais, porque errei o alvo e fui direto na parede. Quanto aterrizei no travesseiro, não sentia metade da testa, mas percebia um líquido quente e viscoso que descia pelas minha têmpora esquerda, até a orelha. O resto foi drama. Mãe gritando, carro, hospital, raio-x. Raio-X. Quando o médico chegou com a imagem do raio-x na mão, minha mãe ficou aliviada. Nada demais, apenas uma meia dúzia de pontos na testa, que mais tarde se tornariam uma pequena cicatriz. Mas, mais do que isso, eu fiquei maravilhado com aquela foto. Então era assim que eu era por dentro. Uma intrincada combinação de pedaços que mais pareciam um vaso de porcelana quebrado e depois colado. Anos mais tarde – e sem qualquer relação direta com o acidente – vi uma série de outras imagens de raio-x, de coisas e bichos aleatórios. Achei bem legal. Um celular não é muito mais do que uma chapa cheia de furinhos e circuitos. E um pinguim – […]

Macallan Double Cask 12 Anos – Genética

A genética é uma coisa linda. É incrível que, apesar de parecer tão intangível, seja ela a responsável por quase tudo que fazemos. Como reagimos a estímulos, alguns de nossos gostos, nossas fobias naturais e nossa compleição física. Tudo isso, de certa forma, é influenciado pela genética. Veja o exemplo de meu querido filho, o Cãozinho. O Cãozinho é, fisicamente, bem parecido comigo. Mas o mais surpreendente mesmo são as semelhanças imateriais. Ele tem uma aptidão natural para o desastre. Algo que só pode ser explicado pela carga cromossômica que lhe transferi. Ele tropeça no próprio pé e derruba coisas que segurava do nada. Ele também é um voraz devorador de absolutamente qualquer coisa – onivoridade compartilhada com o pai glutão. Além disso, não é a criança mais atenta que eu conheço. Toda vez que o vejo parado, mirando fixo para um horizonte imaginário, sei exatamente o que está se passando por sua cabeça. Tudo. Tudo menos o que está à sua volta. E, num repente, ele – digo, nós – voltamos à realidade com aquele semblante meio bobo, como se tivéssemos sido teleportados para a realidade. Somos parecidos demais para não ser isso. Eu só sou trinta e dois anos […]

Tamnavulin Double Cask – Derradeiro

Ano novo. Uma das poucas festas que realmente aprecio. O otimismo exacerbado e a hipocrisia de fazer planos para um ano inteiro, mas mergulhar na inconsequência de uma noite. Minha imagem mental do ano novo sempre trazia fogos de artifício – normalmente refletidos em um mar de sorrateiras ondas – e um burburinho animado de pessoas de branco, tomando espumante. Mas aqui estou, no silêncio de meu quarto, na frente do computador, escrevendo. Não há fogos, nem champagne, nem barulho. Apenas um copo de single malt à meia luz e o tlec tlec produzido pelos meus dedos. Meu traje – no singular – neste momento não apenas seria inapropriado para participar de uma festa de ano novo como, provavelmente, seria impróprio para ir a qualquer lugar sem correr o risco de ser preso ou gerar um escândalo. E apesar disso tudo, sinto que estou justamente onde deveria. Dois mil e dezenove foi um ano agitado. Foram mais de quarenta e dois whiskies revistos, dezessete coquetéis apresentados e dez matérias sobre todo tipo de abobrinha relacionada a whisky. Mas meu trabalho não estaria completo por aqui sem um último post. A prova de um single malt de Speyside que corajosamente entrou […]