Old Parr 18 anos – Iguaria

Recentemente, um grupo de comensais elegeu uma iguaria islandesa, conhecida como hákarl, como a pior comida do mundo. Um dos corajosos provadores inclusive, disse que aquilo era “a pior coisa que eu já coloquei na minha boca“. Sem julgamentos de valor aqui. Ainda que eu nunca tenha provado, as descrições menos sintéticas fazem alusão a palavras pouco convidativas à mesa, como podre, ácido, putrefeito, urina e – brilhantemente em minha opinião – cocô. O que não é surpreendente. Hákarl faz parte do Þorramatur – o prato nacional da Islândia – e é feito de tubarão podre. Mais especificamente, o tubarão-da-groenlândia. Que possui carne venenosa devido à alta concentração de ácido úrico. É este processo de putrefação e cura que o torna (discutivelmente) consumível.

O tubarão-da-Groenlândia não é lá um bicho muito aprazível quando preparado como alimento. Mas, é menos ainda quando encontrado vivo. Suas barbatanas são pequenas, atrofiadas e cheias de marcas. O couro é áspero e irregular. O maxilar protuberante faz com que os dentes fiquem à mostra, e parasitas asquerosos se penduram em seus olhos e se alimentam de sua córnea – que aliás não servem para muita coisa além de reforçar já um ar repulsivo. Mas, apesar de tudo isso, o tubarão da Groenlândia é um bicho espetacular. Especialmente, por conta da longevidade.

Eu imagino um islandês dizendo “nossa, isso deve ficar uma delícia podre”. Gente.

Cientistas já sabiam que o tubarão-da-groenlândia era um bicho bem longevo. Mas, depois de um estudo aprofundado – com mais de vinte indivíduos – fizeram uma descoberta extraordinária. Ele é, provavelmente, o animal com maior expectativa de vida do mundo. O estudo mediu o nível de carbono-14 nas fibras das lentes oculares destes animais e descobriu que o maior deles – uma fêmea – tinha meio milênio de idade. E como se só isso não fosse incrível o suficiente, aprenderam que estes tubarões atingiam a idade reprodutiva apenas aos cento e cinquenta anos. Gente, sério, imagina esperar cento e cinquenta anos para, bem, enfim. Esqueçam.

Tudo bem que números como estes prescindem explicações. Mas, a história fica ainda mais esquisita quando pensamos que Thomas Parr – um homem conhecido por ser o mais longevo da história – faleceu aos cento e cinquenta e dois anos e nove meses. Se fosse um tubarão-da-Groenlândia, Parr esbarraria apenas na maioridade. Mas, como um homem, teve uma vida incrivelmente longa. Diz-se que seu segredo – assim como o dos tubarões – era a de ter poucas restrições alimentares. E tomar pouco banho, que lhe trazia um aroma próximo àquele do hákarl. O que não o impediu de ter um caso extraconjugal ao fazer um século de idade.

Por conta de sua longevidade, Thomas Parr – outrora um camponês comum – tornou-se uma celebridade. Logo antes de falecer, viajou para Londres, para conhecer o rei Charles I e foi tratado como um espetáculo. Adquiriu tamanha notoriedade que, após seu (cada vez mais improvável) falecimento, foi sepultado na abadia de Westminster – reservada para pessoas de grande proeminência na história britânica, como monarcas, primeiros-ministros, atores e cientistas. Parr também recebeu diversas homenagens. Dentre elas, uma de singela significação para os apaixonados por whisky. O blended scotch Old Parr – da qual o Old Parr 18 faz parte.

Depois de 152 anos, por que parar?

O Grand Old Parr foi lançado em 1871 pelos irmãos James e Samuel Greenlees, conhecidos comerciantes de bebida do século dezoito. Batizar seu mais importante blended whisky de Old Parr ressaltaria o tempo de maturação do produto, algo que, na época, era considerado sinônimo de qualidade – o que hoje é bem discutível. Após uma série de fusões e aquisições, o Grand Old Parr passou a fazer parte do portfólio da Diageo, a gigante por trás também da Johnnie Walker. Que mais tarde estendeu a linha e lançou o Old Parr 18 anos – antes conhecido como Old Parr Superior.

Em 2019, o Old Parr Superior passou por um rebranding, perdeu sua alcunha e colocou a idade em evidência. A garrafa, antes fosca, passou a ser a mesma de seu irmão mais jovem, o Old Parr 12 anos, e ganhou uma textura mais brilhante. O whisky passou a ser conhecido simplesmente como Old Parr 18 anos. O perfil do blend, entretanto, de acordo com a informação oficial, permaneceu inalterado – inclusive pelos seus malts base, que são Cragganmore e Glendullan. A diferença ficou por uma discreta redução na graduação alcoolica, de 43% para 40% – algo que, convenhamos, é uma tendência absolutamente natural do mercado de whiskies atual.

Em 2007 um importante jornalista internacional especializado em whisky escolheu o Old Parr Superior como whisky do ano, atribuindo-lhe uma nota de noventa e sete pontos. Nas palavras do especialista, o whisky era capaz de “incorporar muitas características distintas e criar algo único (…). Ele tem complexidade incrível, e é exatamente isso que um blend deve ser“. Outros, definiram o whisky como “extremamente enfumaçado“. Se este for o caso, e com toda vênia, meu olfato canino é pior que a visão do tubarão-da-Groenlândia.

Old Parr Superior

O Old Parr 18 me pareceu um whisky complexo – tudo bem – mas com defumação extremamente discreta. Ele é menos defumado e agressivo, inclusive, que seu irmão mais novo – o Old Parr 12 anos. E ainda que a complexidade esteja lá, ela advém, especialmente, da madeira. A maturação está claramente em evidência no Old Parr 18 anos, em detrimento de quaisquer características sensoriais trazidas pelo new-make. Inclusive a turfa. A nota predominante é a de nozes, com frutas cristalizadas e açúcar mascavo. O final que é apenas sensivelmente enfumaçado.

Um ponto importante a respeito do Old Parr 18 anos, e que não deve ser olvidado, é seu preço. O whisky custa, em média, 300 reais (em Agosto de 2021). É um preço espetacular para um blend com essa maturação. Quase tão espetacular quanto um bicho horroroso que vive meio milênio. E um custo-benefício excepcional para quem busca um whisky bastante maturado, complexo e fácil de ser bebido. Nada de notas improváveis e sabores desconcertantes e escatológicos. Ao contrário de hákarl, apenas um blended scotch whisky de perfil sensorial agradável e perfeito para quase qualquer situação.

OLD PARR 18 ANOS

Tipo: Blended Whisky
Marca: Old Parr
País/Região: Escócia – N/A
ABV: 40%
Idade: 18 anos

Notas de prova:

Aroma: caramelo, frutado e amadeirado.

Sabor: Nozes, madeira, frutas cristalizadas. Final longo e levemente enfumaçado.

5 thoughts on “Old Parr 18 anos – Iguaria

  1. Saudações caninas. Estou na dúvida de adquirir o Old Parr 18 ou o Chivas 18. Além de gastar um pouco mais, qual será que vou curtir mais? Obs.: Normalmente meus blendeds são consumidos nas noites de sexta, com gelo e bandas britânicas das antigas haha..

    Abraços!!!

    1. Caro Lucas, aí é sacanagem. Sou apaixonado pelo Chivas 18 – é meu go-to blend. Mas, veja, os dois são otimos. O Chivas é mais delicado e floral. O Old Parr, bem amendoado, puxado pra madeira e intenso. Vai do bebedor!

    1. Entre uma Mercedes Classe E e um Land Rover Discovery, qual você ficaria?

      Difícil, whiskies muito diferentes para serem comparados, não é?

      1. Provei e adorei o Old Par 18 anos. Bem equilibrado, mas com presença. Vou repetir em breve.

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