Sobre Prioridades – Glen Moray Classic

Devemos ter prioridades. Foi a frase dita a mim por meu pai, em tom de negação, quando lhe disse que preferia continuar jogando videogame a ir à escola. E apesar de ter entendido seu sentido muito bem, fingi que não. Ou melhor, resolvi que iria adaptá-lo. Assim, para mim, a necessidade de ter prioridades tornou-se a justificativa para não fazer tudo aquilo que não queria, e – em grande parte das vezes – para justificar algo que desejava. Assim, meu conjunto de prioridades durante a infância englobava tudo aquilo que fosse comestível, e era excludente de todo tipo de higiene pessoal e atividade acadêmica forçada. Outras prioridades, além de comer, incluíam ler, assistir filmes, jogar videogame, procrastinar e contemplar o teto de meu quarto. Quando comecei a apreciar whisky, estabeleci também algumas prioridades. E os single malts da Glen Moray nunca estiveram entre elas. Por algum motivo, possuía pouca curiosidade sobre aquele whisky e, apresentada uma situação em que eu pudesse optar entre ele e um single malt conhecido, minha escolha sempre pendia para o segundo. Por conta disso, demorei muito tempo até experimentar o Glen Moray. A primeira vez foi na Escócia, em um bar próximo à sua destilaria. […]

Drops – Macallan Estate Reserve

Sabe o que James Bond e Harvey Specter tem em comum? Bem, além do terno? Ambos têm como whisky preferido o single malt The Macallan. No Brasil, podemos encontrar três das quatro expressões da The Macallan 1824 Series – o Amber, Sienna e Ruby, todos já revistos nestas páginas caninas. No entanto, além deles, caso você esteja de passagem em algum aeroporto brasileiro com destino para o exterior, poderá encontrar outras expressões da destilaria – Select Oak, Whisky Maker’s Edition, Estate Reserve. Estas são três dos cinco whiskies da 1824 Collection, que também conta com o The Macallan Oscuro e o raríssimo Limited Release MMXII. O Estate Reserve é a versão mais exclusiva da destilaria em nossos aeroportos. Sua composição inclui uma parcela de barricas de carvalho espanhol selecionado que antes foram usadas para envelhecer vinho Jerez – muitas delas, usadas pela primeira vez para whisky. A graduação alcoólica é sensivelmente mais alta do que a tradicional: 45,7%. Além disso, ele não é filtrado a frio, tornando-o bastante oleoso, marca registrada da destilaria. The Macallan é – com razão – um dos single malts mais respeitados do mundo. O cuidado com os detalhes em todo o processo produtivo chega a […]

Macallan Amber e os bastidores de The Macallan

Algumas semanas são mais importantes do que outras. A última, por exemplo, foi coroada pela realização de dois eventos importantíssimos. O primeiro deles foi o Oscar 2016. Uma festa eivada de polêmica, mas cujo clímax foi uma premiação que deveria ter sido realizada há muito tempo. O Oscar para o Leonardo DiCaprio. Existem certezas mais absolutas que outras. Mas no rol de certezas absolutamente absolutas, esta é provavelmente uma das maiores. O Leonardo DiCaprio merecia receber um Oscar. DiCaprio é um caso interessante. Começou como um ídolo adolescente, mas galgou uma impressionante carreira como ator, tendo participado de produções sobre a batuta de alguns dos mais importantes diretores da atualidade, como Woody Allen, Clint Eastwood e Martin Scorcese. Ele já foi agente secreto, falsário, milionário decadente e, por três vezes, expoente da sociedade e cultura americana. Sua indicação ao Oscar deste ano me obrigou a revisitar sua lista de filmes. E ainda que eu não escolha minhas películas com base nas estrelas masculinas, fiz uma constatação interessante. Eu provavelmente já vi todos os filmes do Leonardo DiCaprio depois de Titanic. E isso é engraçado, porque a participação de Leonardo DiCaprio no elenco nunca foi um fator determinante para eu escolher […]

Sobre a Força – Glenlivet Founder’s Reserve

Este não é um post sobre whisky. Me desculpem pela decepção. Este é um post sobre um modesto filme que transformou a internet em uma convulsão maníaca. Este é mais um post sobre Star Wars. Mas pode continuar lendo. Eu prometo que não contarei nenhum spoiler para estragar sua experiência. Ou talvez um só. Nada grave. Prometo que valerá a pena. Quando soube que J. J. Abrams dirigiria um novo filme da saga, fiquei apreensivo. Apreensão que só aumentou quando descobri que alguns personagens dos episódios IV, V e VI apareceriam. É que eu realmente gostava dos três primeiros filmes, e não queria ninguém estragando a imagem de Han Solo, Leia e mesmo Luke para as gerações vindouras. Mas assim que me sentei na cadeira de cinema, percebi que meus medos eram completamente infundados. O Despertar da Força é um caso raro de sucesso absoluto. Os números estão aí para comprovar. Ele arrecadou, só nas primeiras semanas, um bilhão de dólares. Foi a abertura de maior sucesso da história do cinema. Na modesta opinião deste ébrio Canídeo, o sucesso reside no equilíbrio. Mas não no equilíbrio da Força. No equilíbrio irretocável entre os elementos clássicos da saga e a inovação […]

Clássico Moderno – Glenlivet 18 anos

Sabe qual o maior problema dos remakes? É que raramente são melhores que os originais. Um claro exemplo disso é o filme Cidade dos Anjos. Caso você não saiba, Cidade dos Anjos é baseado em um filme europeu chamado Asas do Desejo, dirigido por Wim Wenders. Asas do Desejo esteve, por muito tempo, no meu top dez filmes preferidos de todos os tempos. Já Cidade dos Anjos, bem, esse passou longe. O argumento dos dois filmes é praticamente o mesmo. Um anjo que decide abrir mão da existência eterna para tornar-se humano. Em Asas do Desejo, sua motivação é compreender o significado da vida e experimentar e o prazer – e o sofrimento – de ter carne e osso. Essa experiência é personificada em uma bela trapezista de circo, pela qual o anjo se apaixona. O filme é de um existencialismo extremamente sutil, todo em preto e branco, e conta com as antológicas atuações de Bruno Ganz e Solveig Dommartin. Já Cidade dos Anjos é um pouco diferente. Em Cidade dos Anjos, um querubim estrelado por Nicholas Cage desenvolve uma paixão platônica pela Meg Ryan, que é uma médica. Ele não dá a mínima para o significado da vida ou […]

Tabula Rasa – Glenfiddich 18 anos

  Algumas pessoas têm manias estranhas. Quando era criança, tinha um coleguinha que gostava de morder gente. Ele tentava morder todo mundo, sem qualquer distinção de idade ou sexo. E de forma completamente gratuita. Como eu sabia de seu hábito, mantinha uma distância segura. Muito tempo depois, descobri que essa é uma compulsão mais ou menos comum, e que pode continuar durante a vida adulta. Chama-se Dacnomania. Nunca pude perguntar a ele como esse curioso hábito começara. Na verdade, nunca me permiti esta oportunidade – ter um bife arrancado do meu braço não estava nos meus planos. Talvez minha curiosidade mórbida frente um dacnomaníaco fosse menor do que meu instinto de autopreservação. Outra mania bem esquisita que vi – dessa vez em um programa de televisão – era de comer tijolos. Era uma moça, lá pelos seus trinta anos de idade. Seu pitoresco costume consistia em arrancar pequenos pedacinhos de parede, roer e depois engolir. Quando questionada, a moça disse que, quando criança, foi induzida por sua avó a tornar-se a primeira sommelier de paredes do mundo. Sua avó lhe contara que seu pai comia papel de parede e argamassa quando infante. Fascinada pela história, a menina resolveu provar por […]

O Cão Didático – Um Micro-Manual para Entender o Rótulo de um Whisky

Este texto foi originalmente elaborado para nossos amigos da charutando.com.br, portal dedicado à cultura do charuto no Brasil. Mas por sua relevância, resolvi também que faria constar deste blog. Porque, afinal, não é sempre que whiskies e utilidade pública se reúnem. Pode ser óbvio o que vou falar,  mas adoro combinar puros e whiskies.  Por isso, inclusive, que aceitei com orgulho fazer parte do grupo de colunistas da Charutando. Aliás, tenho uma poltrona na varanda de meu apartamento, estrategicamente posicionada ao lado de uma mesa baixa, exatamente para que possa me dedicar a esta saudável e extenuante atividade. A de fumar um bom habano, acompanhado, quase sempre, de algum single malt e de boa literatura. E ainda que este programa já seja, em si, excelente, sempre sentia que faltava algo. Havia lá um metafórico espaço vazio a ser preenchido, para que aquela sensação quase kitsch de conforto efetivamente decantasse. Não sabia bem o que era. Até que um dia, sendo forçado a escutar a seleção da Valeska Popozuda que meu vizinho insistia em ouvir no volume mais alto, finalmente entendi o que precisava. Música boa. Encomendei, então, um bom fone de ouvido. Aliás, um excelente fone de ouvido, capaz de […]

Sobre Adversidade / O Cão Econômico 1 de 3 – Glen Grant

John Lennon uma vez disse que a vida é o que acontece quando se está ocupado fazendo outros planos. Já William Cowper disse que a variedade é o tempero da vida. É verdade. Se juntarmos os dois, teremos que o verdadeiro tempero da vida é a infinidade de coisas que podem acontecer enquanto fazemos outra coisa. A vida é o que acontece quando você está pronto para dormir, mas pisa nas necessidades que seu cachorro fez no corredor, em sinal de protesto por não o ter levado para passear. Ou quando você está refletindo sobre o que vai beliscar, nu, na frente da geladeira, e ouve sua sogra entrando pela única porta que separa a cozinha do quarto de sua casa. Ou quando você acabou de colocar sua filha no berço, e chuta uma boneca que começa a cantar a música do Frozen. Ou ainda quando você já terminou, mas acabou de descobrir que sua esposa usou todo o papel higiênico e não o repôs. Talvez fosse mais fácil passear com o cachorro, usar uma bermuda, guardar os brinquedos e checar com antecedência o lugar do papel. Mas a verdade é que o imprevisto é a especiaria da vida. Seu […]

Sobre a Criatividade – Glenfarclas 12 Anos

Esses dias me perguntaram qual era meu livro preferido. Fiquei bastante tempo pensando. Um livro só? Não dá para fazer ao menos um top five? Gosto de quase tudo de Dostoievski. Gosto também de Camus, especialmente A Queda, e para os dias de mais testosterona, Hemingway. Vivo, Ian McEwan é excelente, principalmente Serena. Mas uma obra só? Aí acho que terei que escolher Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Marquez. Para quem nunca leu, o livro trata da trajetória secular de uma família – os Buendía – e do vilarejo por eles fundado, Macondo. Na verdade, a história pode ser interpretada como uma alegoria, em um mundo de realismo fantástico, para a América Latina. Macondo passa, ao longo de sete gerações de Buendías, por quase tudo que passou a América Latina, desde a chegada dos espanhóis. O único problema do livro é entender quem é quem. São mais de cinquenta personagens só da família. Isso faz com que muitos leitores tracem uma arvore genealógica dos Buendía, para auxiliar na leitura. Mas nem assim é fácil. Por dois motivos. Primeiro porque os Buendía não eram lá muito ligados nesse negócio de moralismo, então não adianta você tentar entender quem é […]

O Cão Clássico – Glenlivet 12 anos

Meu trabalho traz a oportunidade de conhecer uma boa dose de loucos. O mundo corporativo está cheio deles, de todas as espécies e graus de loucura. Um dos mais interessantes foi o Sr. Roberto, sócio de um escritório em que trabalhei. O Sr. Roberto era extremamente articulado, relativamente elegante e muito educado. Trabalhava bem e era muito eficiente. Enfim, o Sr. Roberto parecia um cara absolutamente normal. Até você ir almoçar com ele. Na hora da refeição, o Sr. Roberto tinha todo tipo de mania. Uma das mais estranhas era de, durante reuniões mais longas, comer esfihas de ricota, cortadas por nossa copeira em oito pedaços milimetricamente idênticos, como uma pizza. O Sr. Roberto passava reuniões inteiras com um minipedaço de esfiha na mão, e, eventualmente, o comia, pegando outro logo em seguida. Outro cara que tinha manias alimentares tão estranhas quanto as do Sr. Roberto, foi Napoleão Bonaparte. Reza a lenda que Napoleão não comia nada antes das batalhas. Por conta disso, voltava delas com uma fome monstruosa. Seu prato preferido – criado por seu chef pessoal após a batalha de Marengo – era Frango à Marengo. Napoleão gostava tanto daquele prato que sempre o pedia após a luta, […]