Algumas semanas são mais importantes do que outras. A última, por exemplo, foi coroada pela realização de dois eventos importantíssimos. O primeiro deles foi o Oscar 2016. Uma festa eivada de polêmica, mas cujo clímax foi uma premiação que deveria ter sido realizada há muito tempo. O Oscar para o Leonardo DiCaprio. Existem certezas mais absolutas que outras. Mas no rol de certezas absolutamente absolutas, esta é provavelmente uma das maiores. O Leonardo DiCaprio merecia receber um Oscar.
DiCaprio é um caso interessante. Começou como um ídolo adolescente, mas galgou uma impressionante carreira como ator, tendo participado de produções sobre a batuta de alguns dos mais importantes diretores da atualidade, como Woody Allen, Clint Eastwood e Martin Scorcese. Ele já foi agente secreto, falsário, milionário decadente e, por três vezes, expoente da sociedade e cultura americana.
Sua indicação ao Oscar deste ano me obrigou a revisitar sua lista de filmes. E ainda que eu não escolha minhas películas com base nas estrelas masculinas, fiz uma constatação interessante. Eu provavelmente já vi todos os filmes do Leonardo DiCaprio depois de Titanic. E isso é engraçado, porque a participação de Leonardo DiCaprio no elenco nunca foi um fator determinante para eu escolher o que assistir. Minha conclusão então foi a seguinte. Eu provavelmente já vi todos os filmes de Leonardo DiCaprio porque o Leonardo DiCaprio não tem filmes ruins.
O outro evento que alçou essa semana à condição de extraordinária foi uma degustação de whiskies da linha 1824 da The Macallan, organizada pela Aurora, representante do single malt no Brasil, a Barbearia Corleone e, bem, este blog. Isso mesmo. O Cão Engarrafado.
Além dos conhecidos Amber, Sienna e o fantástico Ruby, os convidados puderam experimentar dois coquetéis elaborados com Macallan Amber. Um Apricot Whisky Sour e uma espécie de Boulevardier, que ao invés de Campari levava dois tipos de vermute. A degustação foi conduzida a três (ou seis) mãos, pelo brand manager Maurício Leme, o embaixador da Macallan no Brasil, Gianpaolo Morselli e por este Cão que vos escreve.
As informações passadas na apresentação mostraram por que The Macallan é – com razão – um dos single malts mais respeitados do mundo. O cuidado com os detalhes em todo o processo produtivo chega a ser exaustivo. Por exemplo, a destilaria é uma das únicas do mundo que conta com um profissional cuja única função é avaliar e escolher cada uma das barricas que irá maturar o whisky. É o master of wood, função hoje desempenhada por Stuart MacPherson.
Foi explicado que os Macallan não levam corante caramelo, e que os whiskies da série 1824 são produzidos considerando três fatores básicos. Aroma, sabor e cor. Estes três pilares devem sempre possuir uma constância, de acordo com o altíssimo padrão de qualidade da destilaria.
Uma curiosidade divulgada por Gianpaolo é que apenas dezesseis por cento do destilado – produzido no meio do processo de destilação no alambique – vira single malt. Do restante, nove por cento (quatro e meio de cada ponta) vai para blended whiskies, como Famous Grouse. O restante é simplesmente descartado. Foi também mencionado que a The Macallan realiza rodízio na posição de suas barricas nos warehouses. Se quer saber a razão disso, leia aqui.
Os convidados tiveram também a oportunidade de se divertir com histórias dos bastidores do single malt. Numa das situações narradas por Maurício Leme, Bob Dalgarno, o whisky maker da marca, tentava acertar a cor de determinado lote de Macallan Amber. Ainda que o aroma e o sabor estivessem corretos, a cor estava quase imperceptivelmente diferente da costumeira.
Bob então, após muitas reflexões sobre cada uma das milhares de barricas, ligou – às três horas da madrugada – para o distillery Manager da Macallan, responsável por toda a operação da destilaria e das grandes warehouses onde ficam as barricas. O whisky maker lhe pediu que separasse duas barricas específicas, que seriam a solução daquele improvável problema cromático. O Distillery Manager então, no breu da madrugada, praticamente invadiu o armazém da destilaria e separou as amostras, entregando naquela mesma noite a Dalgarno. O que impressiona na história é que a The Macallan possui mais de 230.000 barricas, e seu whisky maker conseguiu, somente pela lembrança e insistência, apontar duas específicas que salvariam aquele lote de Amber.
Aliás, não seria exagero dizer que o Macallan Amber, foi a estrela da noite. Além de ter brilhado durante a prova, foi o whisky utilizado nos os dois drinks oferecidos no evento. Ele é o segundo single malt na hierarquia da linha 1824, logo após o Macallan Gold. É também a expressão de entrada da destilaria aqui no Brasil.
A maturação do Macallan Amber ocorre em uma combinação de barricas de primeiro e segundo uso, tanto de carvalho americano quanto carvalho europeu. O tempo de maturação aqui é irrelevante. O que se procura é consistência, bem como um perfil de aroma, sabor e cor. A proporção das barricas utilizadas não é claramente divulgada, mas sabe-se que, no caso do Amber, a predominância é de carvalho americano. Todas as barricas utilizadas na linha 1824 foram previamente usadas para envelhecer vinho Jerez espanhol.
Por conta de sua maturação, o Macallan Amber é o que apresenta notas de caramelo e baunilha mais claras. Ele é o whisky mais adocicado da linha e, provavelmente, o mais versátil. Por isso sua escolha para a elaboração dos coquetéis.
Após experimentar os coquetéis e, mais uma vez, revisitar os The Macallan da série 1824, lembrei-me do Leonardo DiCaprio. Mas não porque single malts excepcionais me façam rememorar atores masculinos. E nem porque grandes filmes ficam ainda melhores acompanhados de uma dose de um bom single malt – ainda que isso também seja verdade.
É que existe uma grande semelhança entre os filmes DiCaprio e os The Macallan. Uma semelhança tão curiosa quanto a escolha de filmes do ator. Uma semelhança que fica clara ao se alinhar todas as expressões do single malt disponíveis em nosso país. É que realmente, meus caros, não existe um Macallan ruim.
MACALLAN AMBER
Tipo: Single Malt sem idade definida
Destilaria: Macallan
Região: Speyside
ABV: 40%
Notas de prova:
Aroma: Aroma de baunilha e frutas. Levemente cítrico.
Sabor: Mel, baunilha, cítrico, frutas cristalizadas. Final longo, frutado e com especiarias.
Com água: Final torna-se mais curto e o whisky fica menos picante. As notas doces e frutadas se ressaltam.
Preço: R$ 400,00 (quatrocentos reais)
Por que vc noticiou essa degustação só agora, depois que aconteceu? É como indicar um filme do Leonardo DiCaprio depois que saiu de cartaz.
Assim não dá! Isso não é degustação, é “disgusting”.
Calma mestre, essa aí foi fechada, mais para os convidados da própria barber. Haverá uma aberta que convidarei os convivas!
O que eu acho estranho e, ao mesmo tempo, me deixa triste com os novos whiskies da Macallan é uso, cada vez mais frequente, dos barris de ex bourbon! Mais ainda: essa conversa de que os whiskies NAS são equivalentes aos whiskies datados, comigo não cola! Deixei de acreditar em Papai Noel há bastante tempo… Tudo de bom!
João Pedro, essa é uma questão meio polêmica. Acho que existe muita coisa além da idade do whisky. Deve-se levar em conta o numero de utilizações da barrica (barricas first-fill tendem a maturar o whisky mais rápido), a espécie de carvalho (a curva de maturação de whiskies de barrica de carvalho europeu é mais pronunciada do que a curva de maturação de whiskies de carvalho americano, por isso whiskies com age statement normalmente são apenas finalizados em barrica de carvalho europeu, apesar de haver muitas exceções). Existe também, claro, a questão da constância. Não há como negar que o consumo de whisky no mundo aumentou. E as destilarias não dão conta de atender a um mercado tão grande e não perder constância. A Laphroaig, por exemplo, foi muito transparente ao dizer que estaria tirando seu Laphro 18 do mercado porque o estoque de barricas estava no final.
No caso da linha 1824 da Macallan disponível no Brasil (sem contar as expressões Duty-Free Exclusive), note que a maturação ocorre 100% em ex-jerez. O que muda é a espécie de carvalho. Ou seja, é carvalho americano, mas não é ex-bourbon, é ex-sherry. O Ruby é o unico da linha que é 100% first-fill-ex-sherry de carvalho europeu. Os demais são uma mistura.
Acho também que a idade do whisky é algo relativo. O Aberlour A’Bunadh, por exemplo, é um cask-strenght sherry que nunca teve idade definida. Desde seu lançamento, há mais de 50 (cinquenta anos), ele sempre foi NAS. Inobstante, é um dos whiskies melhor avaliados entre especialistas e consumidores de nicho. Basta ver que a nota dele é 4,5/5 na whisky exchange e 5/5 no Master of Malt. O mesmo podemos falar do Glenfarclas 105 e – com mais polêmica – sobre o Bruichladdich Octomore e Ardbeg Supernova.
Idade é também relativo no que tange a utilização das barricas. Whiskies com mais idade normalmente maturaram em barricas que já foram utilizadas mais vezes (é muito raro ver um 30YO numa barrica first-fill sherry, ainda que isso exista). Normalmente as (melhores) barricas de segundo uso ou de refill são utilizadas para maturar whiskies por décadas, enquanto que as barricas first-fill são usadas para maturar whiskies mais jovens. Isso ficou claro numa degustação que fizemos da Glenfarclas, em que dá para perceber claramente que o ganho que a madeira proporciona ao 30 anos é muito discreta perto da expressão 15 anos.
Dito tudo – tudo – isso, sim, a tendência de se criar whiskies NAS é uma forma que as destilarias estão buscando de solucionar um problema de estoque. Mas isso não significa, sempre, que o produto seja inferior. Acho que temos que provar mesmo todos para saber 🙂
Ainda, com fotos então, é com requinte de crueldade.
Hahaha, foi mal. Olha, eu prometo que da próxima faço num lugar mais feio!
Dear Dog in a bottle, parabéns pelo evento capitaneado por Vossa Excelência!
Aqui no interior a gente não fica sabendo da realização desses acontecimentos.
Parabéns também pelo Amber, que foi meu segundo Macallan, mas com o qual eu consegui perceber o diferencial de um whisky superior!
Abraços, Cesar.
Obrigado César :)!
Boa matéria…! Chegou a questionar a falta das linhas mais tradicionais no Brasil? Essa tendência de disponibilizar apenas os NAS, apesar de trazer produtos interessantes, dá uma impressão de que são “segunda linha”….pelo menos as de entrada da linha “Fine Oak” deveriam chegar também… Abs!
Douglas, acho que é na verdade uma estratégia. Alguns mercados são mais receptivos a whiskies NAS do que outros. Tem um pouco a ver com a maturidade do mercado, mas acho que não é só isso. Alguns mercados são mais conservadores, outros, mais abertos a novidades.
Há algumas semanas tive a oportunidade de comparar, ao mesmo tempo, o Fine Oak 12 e o Ruby. Tudo bem que a comparação é um pouco injusta (deveria ser um Fine Oak 18 ou superior). Mas a impressão que ficou entre os presentes é que o Ruby é um whisky mais complexo e bem mais “pensado”. A Macallan se sai muito bem com a liberdade de produzir algo sem a obrigação de ter uma idade estampada no rótulo. Apesar de que essa não é uma realidade para todas as destilarias e whiskies.
Agora, concordo! Bem que queria ver o Fine Oak por aqui!