Aultmore 21 Anos – Otimismo

Quando eu tinha cinco anos, lembro-me de uma visita que fiz ao pediatra. Ele mediu meu pé, depois, a circunferência da minha cabeça. Com um sorriso de uma criança que acabara de descobrir uma confidência, disse, resoluto, que eu ficaria com mais de um metro e noventa e forte como um pit bull. E aí, trinta anos depois, lembrei dessa história, do alto da minha cabeçorra desproporcional, fixada num corpo que está mais para dachshund, a um metro e setenta e quatro do chão. Mas eu não fui o único a ser ludibriado com profecias de gigantismo por pediatras. É meio regra – você sempre vai ficar com dois metros e dez, jogar basquete com a agilidade de um sagui e ter a massa óssea de um braquiossauro. Mas, décadas depois, termina franzino, com uma estatura medíocre, pés que parecem duas raquetes e ossos empurrando sua pele nos lugares errados. Pediatras são naturalmente otimistas. Acho que é uma questão de expectativa da natureza humana. Você espera que o futuro seja extraordinário. É como, por exemplo, quando eu abro um whisky que nunca tomei na vida – O Aultmore 21 anos, por exemplo, que acaba de desembarcar no Brasil oficialmente. A […]

Suntory Yamazaki 12 anos II – 2020

Essa é a segunda prova do Yamazaki 12 anos neste blog. A primeira foi escrita em 2015 (leia a original aqui). Porém, devido à volta deste desejado rótulo às nossas terras, resolvemos revisitá-lo e fazer uma prova completamente nova. Se você tem um iPhone, abra seu teclado e procure o emoji de onda. Observe com atenção e deixe-me explicar porque esta imagem lhe parece tão familiar. O desenho é baseado em uma obra de arte clássica japonesa do período Edo. A Grande Onda de Kanagawa, uma xilogravura do artista Katsushika Hokusai – parte de sua icônica série de trinta e seis vistas do monte Fuji. Ela é provavelmente a obra de arte mais reproduzida do mundo. Está em muros, sapatos, camisetas, carteiras e até mesmo emojis. Ao longo dos séculos, a obra de Hokusai influenciou grupos e movimentos inteiros da arte. Como a Ar Nouveau, o Simbolismo, os Nabis e os pós-impressionistas. Suas xilogravuras trouxeram a noção de que a pintura é algo bidimensional. A ilusão de profundidade – quando há – é dada somente pela cor. Uma técnica tão importante que foi usada tanto por artistas tradicionalistas, como os primitivos italianos, quanto por ícones da arte moderna, como David […]

Bruichladdich Octomore 8.2 Masterclass – Drops

Algumas memórias são mais perenes que outras. Para whiskies também. Há rótulos que nem lembro de ter bebido – o que, na verdade, é ótimo e não é. Porque, por um lado, é uma desculpa pra beber de novo. Por outro, se eu não lembro, então é porque não era nada demais. Então é só uma desculpa pra beber de novo algo medíocre. Mas enfim, há outros tão arraigados em nossa memória que se tornam quase marcos etílicos. Um deles, para mim, é o Octomore – conhecido como o whisky mais defumado do mundo. Experimentei o Octomore (a edição 3.1) quando fui para a Escócia há uns bons anos. Vou contar como foi. Como um apaixonado por whiskies defumados, quando estive por lá, procurei o Octomore por toda parte, mas sem sucesso. Comentei isso com um rapaz de uma loja de roupas – não me pergunte por que entrei no assunto de whiskies com um vendedor de uma loja de vestuário masculino, talvez por ser a Escócia – que se compadeceu com meu ébrio sofrimento e recomendou um bar que possuía uma garrafa – o The Abbotsford. Corri tanto que quase me teleportei para lá. Apontei para o Octomore na […]

(mais) quatro whiskies que fazem falta no Brasil

Esta é a segunda edição de um post sobre whiskies que fazem muita falta no Brasil. Para ler a primeira edição, clique aqui . Talvez o momento atual, com um virus que tirou do Aedes Aegypti o monopólio sobre o apocalipse, não seja o ideal pra contar isso. Mas eu adoro viajar. E apaixonado por whiskies e comida que sou, uma das coisas que mais me fascina é a gastronomia. Amo descobrir novos sabores e juro que não há quase nada que eu não provaria. No Peru – quando viajei no ano passado – por exemplo, a primeira coisa que eu resolvi experimentar foi cuy. Que por aqui é conhecido como o fofinho e amável porquinho da índia. É uma iguaria no país, e restaurantes bem conceituados servem o prato. No final, me decepcionei. Tem gosto de frango, e eu detesto frango. Mas a experiência valeu a pena. Outra coisa que eles tem por lá são refrigerantes diferentes. Mais ou menos a mesma história das tubaínas por aqui, mas alguns são bem grandes e famosos. O maior deles é a Inca Kola. Se eu pudesse definir o que é a Inca Kola, em uma frase, eu diria que ela tem […]

Celebridades e suas marcas de whisky

Esses dias estava vendo um programa sobre os passatempos das celebridades. Um que me chamou a atenção foi o Nicholas Cage. Ele coleciona animais raros. Uma vez, o Nicholas Cage comprou um polvo de 150 mil dólares, porque, segundo ele, isso aprofundaria sua compreensão sobre outras formas de vida, e melhoraria sua carreira. Sinceramente, moluscos devem ter um péssimo gosto por cinema, porque só de ver a cara do Nicholas Cage, já pulo pra outro filme. Outro que me surpreendeu foi o Tommy Lee Jones. Além de ser especialista em interpretar ele mesmo nos mais variados papéis, Tommy é um entusiasta ferrenho do polo equestre. O ator cria cavalos para o jogo – conhecidos como ponies – em seu rancho no Texas, financia dois times e tem um centro de treinamento de polo em Buenos Aires. Já a Angelina Jolie possui uma enorme coleção de adagas, e o Brad Pitt, de bonecas da Barbie. O que talvez explique o relacionamento conturbado entre os dois. Há, porém, celebridades com hobbies – ou talvez negócios paralelos – menos aleatórios. Muitas delas, por exemplo, gostam tanto de whisky que resolveram lançar suas próprias marcas. Um passo que, para mim, parece absolutamente natural: o […]

Teacher’s Highland Cream (Escocês)

Hanna Arendt uma vez escreveu que ” Das coisas tangíveis, as menos duráveis são as necessárias ao próprio processo da vida. O seu consumo mal sobrevive ao acto da sua produção “. Se não fosse por um hiato de poucas décadas – e talvez minhas dúvidas sobre as preferências alimentares da filosofa – poderia jurar que Hannah escrevera o excerto depois de pedir uma batata frita de delivery. Há poucos alimentos mais efêmeros do que a batata frita de delivery. Nem carne, nem massas, sofrem tanto. Nem mesmo o hambúrguer, companheiro inseparável da batata frita, apanha desse jeito. Vinte minutos em um espaço confinado, no baú do entregador, são suficientes para transformar a mais deliciosa e crocante fatia em um negócio frio, mole e murcho. Batatas fritas definitivamente não viajam bem. Outro produto que sempre ouvi que não era o mesmo depois da viagem – neste caso, uma transatlântica – é o whisky Teacher’s. Produzido na Escócia e transportado em tanques estanques, o Teacher’s era cortado (diluído) e engarrafado no Brasil. O processo tornava a logística mais barata, e permitia que o Teacher’s tivesse preço de combate por aqui sem sacrificar a qualidade. Porém, ouvira de mais de um bebedor […]

Bebendo o Oscar 2020 – Relacionando filmes e whisky

Estava pensando sobre algumas tradições. Coisas banais, que fazemos todo dia, sem nem perceber. Tipo cumprimentar alguém com um aperto de mão. Além de ser um negócio que não tem muita lógica, é uma prática meio anti-higiênica. Cara, eu sei lá onde você enfiou essa sua mão, mas vamos contribuir para a disseminação de todo tipo de moléstia. Aperta aqui. Isso sem mencionar quando a mão do coleguinha está molhada. Isso aí é água mesmo, seu porco? Mas tradições são assim. Elas não precisam fazer sentido. Como, por exemplo, uma que criei aqui no Cão Engarrafado, e que reúne dois dos meus maiores interesses. Cinema e whisky. Há quatro anos, lancei uma matéria comparando os filmes do Oscar com certos rótulos. O post fez sucesso, e repeti a fórmula nos anos seguintes. É um post absolutamente inútil, que só seve mesmo para exercitar minha quase perturbadora capacidade de abstração. Escolhi três indicados ao prêmio de melhor filme, que assisti e relacionei com suas almas gêmeas do mundo da melhor bebida do mundo. Da ingenuidade infantil de Jo Jo Rabbit à aflitiva agonia de Coringa, os indicados ao Oscar de 2020 estão incríveis (aliás, bem melhores do que nos anos interiores). […]

Dalmore Cigar Malt Reserve – Forma e Função

Esta matéria foi originalmente escrita para o website charutando.com.br . Porém, com o lançamento oficial do Dalmore Cigar Malt Reserve no Brasil, reproduzimos aqui o conteúdo. Ferdinand Porsche uma vez disse “Se analisarmos a função de um objeto, seu formato geralmente se tornará óbvio”. Em outras palavras, a concepção, o desenho de certo objeto, deve ser escrava de seu propósito. Ferdinand Porsche realmente entendia muito sobre o design de automóveis, mas, provavelmente, nunca viu um talher de peixe na vida. Vou começar pelo garfo. O garfo de peixe é simplesmente um garfo comum, sensivelmente menor, mais gordo e com um dente a menos. E não há nada de especial nele além disso. Nada em seu projeto torna a tarefa de levar o animal marinho à boca mais fácil. Por essa razão, o garfo de peixe simplesmente não deveria existir. Mas o pior não é ele. O pior mesmo é a faca de peixe. A faca de peixe é um dos objetos da cutelaria que mais me intriga. Porque, para falar a verdade, ela não é boa para nada. Mas ela é especialmente ruim para se usar no peixe. Aquela reentrância – cujo propósito deveria ser auxiliar na separação das espinhas […]

Blue Label Ghost & Rare Glenury Royal

Sol alto no limpo céu de verão de 1809. Uma multidão tão vasta quanto eclética se reunia sobre a grama de Newmarket Heath. Havia homens, mulheres e crianças de tão distintas classes sociais que aquele mais parecia um experimento babélico da estratificação social inglesa do século dezenove. Fazendeiros locais dividiam espaço com fidalgos e burgueses. Em comum, semblantes que ora demonstravam curiosidade, ora antecipação. Do meio do burburinho – tão comum nestas grandes aglomerações – se podia distinguir uma frase “mil milhas em mil horas, por mil guineas“. Aquela era a aposta de um homem e a razão de tamanha reunião. Seis semanas antes, o Capitão Robert Barclay havia apostado contra seu conhecido, James Wedderburn-Webster, que ele conseguiria correr mil milhas em mil horas por mil guineas. Um desafio que, mesmo para os padrões atuais, seria um tanto arrojado. Não apenas fisicamente, ainda que correr vinte e quatro milhas por dia, ao longo de seis semanas, já esteja no limiar do impossível. Mas financeiramente também. Mil guineas, atualmente, corresponderiam a aproximadamente quatro milhões de libras – ou vinte e quatro milhões de reais. Aquele realmente não era um desafio para um homem qualquer. Mas o Capitão Barclay estava longe de […]

Kilchoman Port Cask Matured (2018)

Uma vez, contei a vocês como me apaixonei à segunda vista pela incrível Bowmore. O que não contei é que, na mesma viagem, me desiludi com uma destilaria que antes nutria altas expectativas. A Kilchoman – na data de minha viagem, a menor, mais jovem e mais promissora destilaria da ilha de Islay, famosa por seus whiskies enfumaçados. Não que tenha detestado o lugar. Longe disso. Considerando seu tamanho e juventude, a Kilchoman se saía muito bem. Mas a comparação, talvez injusta de certo ponto de vista, com algumas de suas vizinhas, como Bruichladdich e Bowmore, à deixava em desvantagem. Não havia nada de errado com os maltes da Kilchoman. Mas, minha impressão, é que não havia nada de extraordinário também. Porém, foi apenas bons dois anos depois, em outra viagem e do outro lado do Oceano Atlântico, que minha impressão se dissipou. Durante uma visita ao incrível Flatiron Room de Nova Iorque, pude provar o Kilchoman Port Cask Matured – single malt da destilaria com 50% de graduação alcoólica, e finalizado em barris de vinho do porto. E, como vocês sabem, tenho uma certa obsessão por whiskies e vinhos do porto. O Kilchoman Port Cask Matured 2018 é o […]