Sol alto no limpo céu de verão de 1809. Uma multidão tão vasta quanto eclética se reunia sobre a grama de Newmarket Heath. Havia homens, mulheres e crianças de tão distintas classes sociais que aquele mais parecia um experimento babélico da estratificação social inglesa do século dezenove. Fazendeiros locais dividiam espaço com fidalgos e burgueses. Em comum, semblantes que ora demonstravam curiosidade, ora antecipação. Do meio do burburinho – tão comum nestas grandes aglomerações – se podia distinguir uma frase “mil milhas em mil horas, por mil guineas“.
Aquela era a aposta de um homem e a razão de tamanha reunião. Seis semanas antes, o Capitão Robert Barclay havia apostado contra seu conhecido, James Wedderburn-Webster, que ele conseguiria correr mil milhas em mil horas por mil guineas. Um desafio que, mesmo para os padrões atuais, seria um tanto arrojado. Não apenas fisicamente, ainda que correr vinte e quatro milhas por dia, ao longo de seis semanas, já esteja no limiar do impossível. Mas financeiramente também. Mil guineas, atualmente, corresponderiam a aproximadamente quatro milhões de libras – ou vinte e quatro milhões de reais. Aquele realmente não era um desafio para um homem qualquer.
Mas o Capitão Barclay estava longe de ser um homem qualquer. Sua força física e estamina eram extraordinárias, e somente se equiparavam a seu espírito empreendedor e destemor. Tanto é que em 1825, fundou a destilaria Glenury, próxima ao rio Cowie, na Escócia – muito provavelmente com parte dos proventos recebidos de suas apostas. Destilaria, esta, que mais tarde se tornaria uma das únicas três a receber o royal warrant (leia mais sobre isso aqui) graças ao bom gosto de um certo Rei William IV – o que permitiu que a destilaria orgulhosamente se rebatizasse de Glenury Royal.
Mas toda gloriosa história não seria tão gloriosa não tivesse algum percalço. Neste caso, uma série de percalços enfrentados pela Glenury Royal – dentre eles um enorme incêndio – que culminaram em seu fechamento um século e meio mais tarde, em 1985. Naquele ano, sob a batuta da Diageo, a Glenury Royal foi fechada e demolida. Seu estoque, porém, sobreviveu – centenas de barricas maturando um líquido que jamais seria novamente produzido. E é justamente este precioso destilado que compôs o coração do mais novo – e último – lançamento da série Blue Label Ghost & Rare. O Blue Label Ghost & Rare Glenury Royal.
Lançado em julho de 2019 no Reino Unido, e em Dezembro no Brasil, O Johnnie Walker Blue Label Ghost & Rare veio para completar o “trio de Blues” que evidencia destilarias que já foram demolidas ou desativadas. Os outros dois lançamentos da série foram o enfumaçado Ghost & Rare Port Ellen, e o carnudo Ghost & Rare Brora. Além de Glenury Royal, o blend leva boa parte de outras duas destilarias fantasmas, Pittyvaich e Cambus – esta última, uma destilaria de grão. Outros maltes como Glen Elgin, Inchgower, Glenlossie, Glenkinchie e Cameronbridge completam o blend.
Em comparação aos outros Blue Label Ghost & Rare, o último lançamento é mais adocicado e vínico, e menos turfado. De certa forma, sensorialmente ele se aproxima mais do Johnnie Walker Blue Label tradicional – aliás, do trio, é o que mais se parece com o queridinho Blue – mas traz uma experiência mais amplificada. É mais intenso em seus aromas frutados, e também traz a impressão de ser mais oleoso e complexo.
No Brasil, o Blue Label Ghost & Rare Glenury Royal custa a pechincha de R$ 1.400,00 (mil e quatrocentos reais) aproximadamente. É bastante dinheiro – menos talvez para um certo Capitão Barclay. Mas, de certa forma, é um preço bem próximo àquele praticado em sua terra natal, o Reino Unido. Por lá, a garrafa custa algo como duzentas e setenta e cinco libras.
Determinar se este preço é justificado é bastante subjetivo. São aproximadamente quatrocentos reais a mais do que o Blue Label tradicional. Mas é apenas uma fração do preço de uma garrafa de Glenury Royal – o single malt – que custa mais de mil libras, ou seis mil reais, no mercado britânico. Assim, esta talvez seja uma ótima oportunidade para provar o whisky de uma destilaria silenciosa – uma oportunidade que jamais se apresentará desta forma. Ainda que, bem, esta lógica seja um tanto discutível.
E ainda que o Blue Label Ghost & Rare Glenury Royal não tenha sido o favorito da série para este Cão Engarrafado – este titulo pertence ao Port Ellen – este continua sendo um blend extraordinário. Daqueles capazes de converter os apaixonados por single malts, e demonstrar todo conhecimento e talento da maior marca de whiskies do mundo – a Johnnie Walker. Se o Ghost & Rare Glenury Royal existisse na época do capitão Barclay, ele certamente seria o destino de certas mil guineas.
JOHNNIE WALKER BLUE LABEL GHOST & RARE GLENURY ROYAL
Tipo: Blended Whisky sem idade definida (NAS)
Marca: Johnnie Walker
Região: N/A
ABV: 43,8%
Notas de prova:
Aroma: Adocicado e frutado, com frutas vermelhas, mel e baunilha.
Sabor: frutado (frutas em calda), nozes. Final longo, com açúcar mascavo, baunilha e frutas vermelhas. Álcool extremamente bem integrado.
Preço Médio: R$ 1400,00 (mil e quatrocentos reais)
Curiosamente mestre, este trio mostra o que realmente deveríamos encontrar no Blue Label.
Acredito que tb teria a preferência pelo Port Ellen.
Abraço.