Aultmore 21 Anos – Otimismo

Quando eu tinha cinco anos, lembro-me de uma visita que fiz ao pediatra. Ele mediu meu pé, depois, a circunferência da minha cabeça. Com um sorriso de uma criança que acabara de descobrir uma confidência, disse, resoluto, que eu ficaria com mais de um metro e noventa e forte como um pit bull. E aí, trinta anos depois, lembrei dessa história, do alto da minha cabeçorra desproporcional, fixada num corpo que está mais para dachshund, a um metro e setenta e quatro do chão.

Mas eu não fui o único a ser ludibriado com profecias de gigantismo por pediatras. É meio regra – você sempre vai ficar com dois metros e dez, jogar basquete com a agilidade de um sagui e ter a massa óssea de um braquiossauro. Mas, décadas depois, termina franzino, com uma estatura medíocre, pés que parecem duas raquetes e ossos empurrando sua pele nos lugares errados. Pediatras são naturalmente otimistas.

Eu na praia, na expectativa do meu pediatra.

Acho que é uma questão de expectativa da natureza humana. Você espera que o futuro seja extraordinário. É como, por exemplo, quando eu abro um whisky que nunca tomei na vida – O Aultmore 21 anos, por exemplo, que acaba de desembarcar no Brasil oficialmente. A garrafa fechada é a promessa de uma experiência incrível, pungente, distinta. Totalmente fora da curva. Ainda mais para whiskies muito exclusivos e maturados. Mas, infelizmente, essa expectativa nem sempre é correspondida.

Vou começar contextualizando. Ainda que a história da Aultmore seja uma história de sobrevivência – ela seguiu viva durante a crise de Pattinson, o Volstead Act, a Grande Depressão e as duas guerras mundiais – ela nunca realmente brilhou sozinha, como ocorreu com alguns de seus célebres vizinhos. Ao contrário. Sua função sempre foi no backstage – Aultmore é ingrediente importante para blended scotches, especialmente a linha Dewar’s.

A Aultmore se localiza nas montanhas de Moray, ao norte de Keith, ao lado de uma estrada chamada Buckie Road – tanto é que, localmente, pede-se por uma “dose de Buckie Road”. É um ponto de difícil acesso e pouco povoado. Próximo à destilaria está uma área conhecida como Foggie Moss, que, na época da fundação da Aultmore, era bastante rica em turfa. Essas condições, aliadas à facilidade de se obter água, tornava a região da Aultmore bastante famosa entre os destiladores ilícitos, em meados do século dezenove.

O papel de coadjuvante da Aultmore mudou quando a Bacardi, sua proprietária, resolveu lançar em 2014 uma série de engarrafamentos de suas destilarias – a conhecida e modestamente batizada “The Last Great Malts of Scotland” – destaque para Aberfeldy e o delicioso Royal Brackla. Dentre eles, estava também o Aultmore 21 anos. Originalmente desenhado para o mercado de duty-free, o single malt passou a ser vendido também em mercados domésticos selecionados ao redor do mundo. Inclusive o Brasil.

O Aultmore 21 anos é um single malt premium, com perfil que remete a um blended whisky de luxo. Ele é bastante complexo – há mel, caramelo, baunilha, creme brulee e uma nota vegetal, herbácea. Mas é também um whisky delicado e equilibrado. O tempo aqui trouxe suavidade, e não intensidade. Não há arestas pontudas ou qualquer agressividade. E é aí que a maturação, que acontece em hogsheads de reuso fica aparente.

Aultmore

A suavidade da maturação também encontra equilíbrio no seu destilado, que tem corpo médio. Os alambiques da Aultmore são baixos, o que contribui para a passagem de congêneres mais pesados para o new-make. Porém, a destilação é lenta e incentiva o refluxo, tornando a bebida mais aromática e menos oleosa. O destilado não sofre filtração a frio, e não há adição de corante caramelo – a cor é totalmente natural.

Com essa descrição, o Aultmore 21 anos soa como um líquido extraordinário. E, para falar a verdade, ele realmente é. Mas é preciso talvez alguma experiência para entender seu posicionamento. É um single malt de mais de duas décadas de maturação, mas, cujo perfil sensorial, se aproxima de um blended scotch whisky de ultra-luxo. Um whisky delicado e complexo, equilibrado, sem turfa e herbal.

E talvez eu que tenha me equivocado na expectativa, e o problema esteja aí, e não no líquido. Porque no Brasil, uma garrafa do Aultmore 21 anos custa um pouco mais de mil reais. É um preço excelente para um single malt de 21 anos (que é o que ele é!). No entanto, é talvez um preço no máximo adequado considerando um whisky cujo perfil sensorial se aproxima de um blend de ultra-luxo. Cujo objetivo, aliás, é justamente o mesmo – trazer complexidade e delicadeza.

Então, minha recomendação aqui será dupla. Se você é um apaixonado por whiskies suaves e delicados, ou blended scotch whiskies de ultra-luxo, que aliam complexidade a suavidade, como o Dewar’s 25 anos, o Aultmore 21 será um single malt perfeito para seu paladar. Mas, alinhe suas expectativas – exceto, claro, se você for um pediatra.

AULTMORE 21 ANOS

Tipo: Single malt com idade definida (21 anos)

Destilaria: Aultmore

Região: Speyside

ABV: 46%

Notas de prova:

Aroma: Floral, cítrico, ervas (como sempre, as lícitas…).

Sabor: Herbáceo. Gramíneas, capim santo, levemente cítrico. Mel, caramelo, creme brulee. Final médio e adocicado.

*a degustação do whisky tema desta prova foi fornecida por terceiros envolvidos em sua produção. Este Cão, porém, manteve total liberdade editorial sobre o conteúdo do post.

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