Estava pensando sobre algumas tradições. Coisas banais, que fazemos todo dia, sem nem perceber. Tipo cumprimentar alguém com um aperto de mão. Além de ser um negócio que não tem muita lógica, é uma prática meio anti-higiênica. Cara, eu sei lá onde você enfiou essa sua mão, mas vamos contribuir para a disseminação de todo tipo de moléstia. Aperta aqui. Isso sem mencionar quando a mão do coleguinha está molhada. Isso aí é água mesmo, seu porco?
Mas tradições são assim. Elas não precisam fazer sentido. Como, por exemplo, uma que criei aqui no Cão Engarrafado, e que reúne dois dos meus maiores interesses. Cinema e whisky. Há quatro anos, lancei uma matéria comparando os filmes do Oscar com certos rótulos. O post fez sucesso, e repeti a fórmula nos anos seguintes. É um post absolutamente inútil, que só seve mesmo para exercitar minha quase perturbadora capacidade de abstração.
Escolhi três indicados ao prêmio de melhor filme, que assisti e relacionei com suas almas gêmeas do mundo da melhor bebida do mundo. Da ingenuidade infantil de Jo Jo Rabbit à aflitiva agonia de Coringa, os indicados ao Oscar de 2020 estão incríveis (aliás, bem melhores do que nos anos interiores). Mas ficam ainda melhores com uma dose de whisky do lado. Vamos a eles.
JO JO RABBIT
Jo Jo Rabbit conta a história de Jojo Betzler, um menino de 10 anos durante o regime nazista. O garoto se vê como um ferrenho anti-semita, e descobre que sua mãe esconde, em casa, uma menina de dezesseis anos de origem judaica.
De certa forma, Jo Jo Rabbit se aproxima de dois outros filmes indicados ao Oscar no passado: Green Book e A Vida é Bela. Sua maior qualidade é também seu pior defeito. Que é tratar com leveza e às vezes até ingenuidade um assunto geralmente é tratado com severidade. No caso de Jo Jo, o regime nazista e o antissemitismo. O humor funciona – especialmente naquilo que não é dito – mas também acaba atrapalhando. Não há peso histórico onde deveria (sem spoilers aqui).
Se fosse um whisky, Jo Jo Rabbit seria, provavelmente, o Glenlivet Founder’s Reserve. Um single malt adocicado, leve e extremamente bebível, mas produzido com todo cuidado e atenção que somente uma das maiores e mais respeitadas destilarias do mundo poderia fazer.
CORINGA / THE JOKER
Não há muito a falar sobre The Joker além do que já foi extensamente dito e divulgado. Apesar de ser ambientado em Gotham City e de haver um certo Thomas Wayne, o filme não se parece como algo derivado de um universo de super-heróis. Não há nada de sobre-humano em the Joker, exceto, talvez, pela patológica violência de Fleck.
Além disso – como já disse por aqui – o filme de certa forma subverte a lógica do cinema. Todo mundo sabe como The Joker vai acabar. É como Titanic: a gente sabe que o navio vai afundar. O que importa, e interessa, é aquilo que acontece e leva àquele final.
Mas a melhor característica do filme é, de longe, sua atuação. Nem o roteiro (que é fraco) e nem a fotografia (que é ótima) estão aos pés da representação de Joaquin Phoenix. O ator é um megazord de coringas. Ele consegue aliar o humor de Jack Nicholson com a raiva de Heath Ledger, e, bom, sei lá o que o Jared Leto estava fazendo, então vamos deixar esse daí de lado.
Se fosse um filme, The Joker seria um Port Charlotte Scottish Barley. Esquisito, enfumaçado, medicinal, intenso, meio áspero nas pontas, mas excelente.
ONCE UPON A TIME IN HOLLYWOOD / ERA UMA VEZ EM HOLLYWOOD
Era uma Vez em Hollywood, dirigido por Quentin Tarantino, conta duas histórias paralelas. Uma totalmente inventada, e a outra também inventada, mas esparsamente baseda em fatos reais. A primeira é a de Rick Dalton (Leonardo DiCaprio), um ator que já viu dias melhores. Outrora um astro de filmes de guerra e westerns, Dalton agora luta para reerguer sua carreira, ao lado de seu dublê, Cliff Booth (Brad Pitt).
A segunda é a história de Sharon Tate, uma atriz que existiu de verdade, e que foi brutalmente assassinada por uma seita de jovens maníacos seguidores de Charles Manson. Há outros personagens de Hollywood de verdade mas de mentirinha, como Roman Polanski e Steve McQueen.
Era Uma Vez em Hollywood é um clássico filme de Tarantino. Diálogos irônicos e espirituosos e uma violência gráfica que se torna até cômica, de tão exagerada. Se fosse um whisky, o filme provavelmente seria o recém-chegado Buffalo Trace. Eminentemente americano e intenso, com uma complexidade quase informal.
Tenho 2 filhos, mestre e assistir filmes acabou ficando de lado, ainda que eu goste muito. Após recomendações, resolvi assistir o Coringa. Acabei levando 02 dias para finalizar a tarefa, o que me rendeu 02 dias de whisky hahaha – Arran Amarone, salvo engano.
Abraço!
Fantástico!!