Esses dias acordei e, como não encontrasse nada na geladeira que me apetecesse, fui com fome ao supermercado. E isso, como vocês devem saber, é péssimo. Ao invés de cuidadosamente separar os itens para um café da manhã saudável, resolvi fazer um voo solo pelas gôndolas que mais me interessavam naquele momento. A dos salgadinhos. Parei lá, contemplando em silêncio as dezenas de opções para aquele desjejum nutritivo.
Dentre inúmeros saquinhos coloridos, um chamou minha atenção. Batatinhas sabor picanha. Sabor. Picanha. E enquanto salivava pensando em um churrasco instantâneo, comecei a pensar o que faria aquilo ter, especificamente, o gosto de picanha. Porque picanha é uma coisa bem específica. O que diferenciaria, por exemplo, um salgadinho sabor picanha de um com gosto de contrafilé?
E aí, quando voltei para casa, resolvi pesquisar este fascinante mundo da comida deliciosamente artificial. A internet, prontamente, me apresentou um mundo de produtos estranhos. Batatinhas de sabores tão improváveis quanto borsh (isso é uma sopa), chocolate ao leite, salada césar – porque, se é para ser trash, melhor algo com sabor de comida saudável – e uma opção que quase me levou ao nirvana psicológico-gastronômico: chips com gosto de vieiras com alho e manteiga.
Acompanhei, na semana passada, com interesse comparável àquele que tive por esta delícia falsamente marítima, o lançamento de uma cerveja. A Brooklyn Improved Old Fashioned, que aconteceu no Bar Cateto, dia 11 de junho. A ideia era a mesma dos salgadinhos. Só que muito melhor. Porque, afinal, era cerveja. Uma cerveja com o mesmo perfil de sabor do clássico coquetel de whiskey. O Old Fashioned.
Antes de descrever como o pessoal da Brooklyn Brewery, localizada em Nova Iorque, conseguiu essa façanha, deixe-me fazer um mea culpa. Este não é um texto sobre whisky, mas sobre uma cerveja. Uma cerveja, entretanto, que guarda uma relação muito íntima com a melhor bebida do mundo. Uma relação, aliás, bem mais próxima do que aquela daquela batatinha com um aroma que remonta, remotamente, um corte bovino. Ela é, na verdade, a recriação em forma fermentada de um dos mais icônicos coquetéis que levam whiskey.
A Brooklyn Improved Old Fashioned faz parte de um projeto da Brooklyn Brewery e Garrett Olivier, seu brewmaster, de criar cervejas com perfil de sabor semelhantes àqueles dos melhores coquetéis do mundo. A primeira edição prestigiou o já prestigiadíssimo Manhattan. A segunda – que me dá ansiedade só de pensar – denominada The Concotion, foi uma releitura cervejeira do Penicillin, e teve o auxílio de seu criador, Sam Ross, para ser desenvolvida.
Para recriar o sabor do coquetel, ao invés de recorrer a alguma essência industrialmente produzida, Garrett usou como ponto de partida uma rye ale – ou seja, uma cerveja produzida com centeio – de forma a enfatizar o sabor picante proporcionado por aquele grão. Depois, deixou que a cerveja descansasse em barricas previamente utilizadas para maturar o Whiskey WhistlePig Rye. Esse estágio trouxe à bebida os sabores de fumaça e madeira. Por fim, foi desenvolvida uma tintura especial que emulasse os bitters e botânicos do Old Fashioned.
Nas palavras – traduzidas, claro – de Garrett “Existem coisas que você consegue fazer, e outras não. Por exemplo, não dá para replicar a sensação de calor proporcionado por um destilado. Mas você pode fazer outras coisas, e acho que fizemos bem. A parte mais difícil foi provavelmente balancear os componentes dos elementos do bitter, especialmente o cravo. Um pouquinho só já é muito. A outra parte difícil foi acertar na sensação da casca de laranja. Não usamos quaisquer extratos ou óleos comerciais (…). Acabamos oor usar uma casca de laranja asiática, desidratada a frio, que proporciona um aroma fantástico.”
O resultado, provado por este Cão, é realmente incrível. Aliás, incrível como a maioria das cervejas produzidas pela Brooklyn. Há um claro aroma cítrico, que é curiosamente complementado por uma sensação picante e, ao mesmo tempo, herbal. É uma sensação agradavelmente confusa. Tipo sentir vieiras em batatinhas pré-fritas. Mas vieiras de verdade.
Para experimentar a Brooklyn Improved Old Fashioned, não será necessário visitar algum país esquisito e comer salgadinhos de sabores improváveis – não que isso seja ruim. A BeerManiacs, mesma abençoada importadora que nos traz a deliciosa Ola Dubh, trouxe um número limitado de garrafas da cerveja para cá. O preço sugerido é de R$ 300,00. Elas serão vendidas em lojas especializadas, como, por exemplo, o Empório Alto dos Pinheiros e, claro, o Bar Cateto.
Para os ecléticos ébrios, a Improved Old Fashioned é uma cerveja obrigatória. E para os não tão ecléticos também. Porque você nem precisa gostar de cerveja. Basta admirar um bom whisky. E se você não gostar de um bom whisky – o que me faz perguntar por que você teria chegado até aqui no texto – basta ser fã de coquetelaria.
Este Cão garante. É uma experiência bem melhor do que qualquer batatinha.
BROOKLYN BREWERY IMPROVED OLD FASHIONED
Tipo: Rye Ale maturada em barricas de whiskey
Cervejaria: Brooklyn Brewery
País: Estados Unidos
ABV: 12.8%
Notas de prova:
Aroma: cravo, canela, especiarias, pão, pimenta do reino.
Sabor: picante e cítrica, com finalização longa, com cravo, canela e especiarias.
Preço sugerido: R$ 300,00
Só alguém muito sagaz conseguiria montar um comparativo entre os deliciosos salgadinhos com sabores improváveis e uma cerveja sabor old fashioned hahahaha.
Realmente muito interessante! Clássicos merecem total respeito!
Grande abraço!
Huhuhu… já acordei pensando na besteira que ia falar dessa cerveja!!
abraço!!
Fala mestre, grande Maurício, aí eu te pergunto: com os preços dessas cervejas que você tem nos mostrado, quem disse que whisky é caro?
Tudo é relativo 🙂
Caro Cão Engarrafado, não seja maniqueísta. Cheguei ao fim do seu delicioso texto, aliás muito bem escrito, e não gosto de uísque. Nunca consegui gostar. Mas gosto muito de cerveja. E esta aí experimentei com agradável surpresa no Mondial de la Bière deste ano. É realmente uma grata experiência. No mais, estamos de acordo. Grande abraço.
Caro Sait-Clair, este foi um comentário fantástico! A Improved é realmente muito boa. Aliás, quase tudo que a Brooklyn faz, é. Talvez minha cerveja número um seja a Sorachi Ace, seguida de perto por aquela maldade líquida que era a Cuvée Noire.
Ah, e sem maniqueísmos! Me sinto realizado que tenha chegado ao final do texto mesmo não gostando da água da vida. Whisky e cerveja têm muitos pontos em comum. Mas veja bem, acho que o denominador comum aqui é gostar de coisas boas. E nisso estamos afinados!