Entrevista com Chris Morris – Master Distiller da Woodford Reserve

Tom Freston uma vez disse que a inovação e pegar duas coisas que já existem e juntá-las de uma forma nova. O que é verdade. Mas o que Freston se furtou a dizer é que, às vezes, a história não dá muito certo. Como por exemplo um certo carro voador, o Ave Mizar, já mencionado por aqui. O Mizar era a prova de que a soma entre duas coisas ruins sempre resulta em algo muito pior.

Por outro lado, o resultado da reunião de duas coisas boas – por uma mente criativa, aliando técnica e conhecimento – geralmente se torna maior do que a soma de suas partes. É o caso, por exemplo, do hambúrguer. E, na indústria do bourbon whiskey, de uma série de produtos da Woodford Reserve. E a mente criativa por trás da marca de enorme renome é Chris Morris.

Chris Morris não é um master distiller qualquer. Ele é o criador de produtos incríveis como o Woodford Reserve Double Oaked e o Woodford Rye. É também responsável pela Master’s Collection – uma série de edições períodicas limitadas da Woodford Reserve, que introduzem inovações no mundo do whiskey americano, como um single malt maturado em barricas virgens, um bourbon finalizado em barris de vinho tinto e um borbon que leva cevada defumada na mashbill.

Sonoma-Cutrer – Bourbon finalizado em Pinot Noir

Chris começou sua carreira em 1976 na própria Brown-Forman, a multinacional que detém a Woodford Reserve. Em 1997, tornou-se aluno de Lincoln Henderson, o primeiro Master Distiller da Woodford Reserve. Em 2003, tornou-se o segundo – e é esta a posição que ocupa até os dias de hoje.

Entrevistar Morris não é exatamente fácil. A tentação é perguntar sobre todas as inovações já produzidas, e sobre os planos para o futuro. Ainda mais em um papo exclusivo. Afinal, a Woodford Reserve é aquele tipo de marca que dita tendências – que transforma a inovação em algo palpável – e, bem, palatável. O resultado da entrevista você confere a seguir.

Você é um dos mais respeitados master distillers da indústria do Bourbon. Como alguém vira um master distiller? Como foi seu começo?

Chris Morris: Servir como master distiller da Woodford Reserve é uma grande honra e uma grande responsabilidade. Minha jornada começou em 1976, quando iniciei minha carreira em nosso laboratório analítico e sensorial da destilaria. De lá, trabalhei na parte de engarrafamento, nossa tanoaria de barris, destilaria, nos armazéns de maturação e guarda de barris, bem como em vendas e marketing.

Em outras palavras, tive uma ampla gama de experiências em nosso setor. Durante essa jornada, também tive o privilégio de trabalhar uma quantidade significativa de tempo nas destilarias de scotch, irish whiskey e tequila. Minha última função antes de ser nomeado master distiller foi “Master Distiller in Training”. Isso me permitiu a oportunidade de dedicar 100% do meu tempo na preparação para a minha função atual. Foram necessários 28 anos de preparação e experiência, dois diplomas de pós-graduação e participação em vários seminários antes de minha promoção a master distiller em março de 2003.

A Woodford Reserve é parte da Brown-Forman, que também é proprietária da Jack Daniel’s. No entanto, a Woodford é vista como uma destilaria “craft”, artesanal. Como você mantém a característica “artesanal” ainda que faça parte de uma empresa tão grande?

Chris Morris: Woodford Reserve é capaz de permanecer “craft” dentro de uma grande empresa global, Brown-Forman, devido à estrutura da empresa. Na Brown-Forman, cada marca e sua destilaria operam como um negócio independente dentro do negócio maior. Woodford tem sua própria equipe de gerenciamento de marca, de produção e times locais específicos de vendas e marketing em todo o mundo. O diretor global de marca e eu somos parceiros encarregados de manter a qualidade da marca e seu desempenho nos negócios. Isso nos permite seguir nossa vocação, que se concentra na apresentação do sabor do produto.

Como membro de uma empresa multinacional (Brown-Forman), a Woodford Reserve se beneficia de sua rede de distribuição global (da Brown). Isso nos permite expor a Woodford a um número maior de consumidores em todo o mundo. Também nos ajuda a fazer avaliações precisas do volume da demanda do mercado por país. Isso é necessário para nós à medida que construímos nossos planos de destilação de longo prazo e estoque de barris.

O que faz Woodford Reserve tão especial, em sua opinião? Em outras palavras, como você convenceria alguém a beber Woodford ao invés de outro bourbon?

Chris Morris: Woodford Reserve é especial e se destaca de outros grandes bourbons do Kentucky por uma série de razões. A chave do seu sucesso é o nosso conceito Five Sources of Whisky Flavor e o equilíbrio resultante das Five Areas of Whisky Flavor. Nossa destilaria é a primeira nos Estados Unidos a utilizar a tripla destilação em alambiques de cobre (feitos na Escócia), a fermentar o dobro do tempo das outras, a usar a cepa de levedura Woodford Reserve e a amadurecer em barris personalizados de nossa própria tanoaria. Estas características de produção exclusivas permitem que o Woodford Reserve tenha um equilíbrio complexo de notas aromáticas doces, frutas e florais, especiarias, madeira e grãos.

Os Alambiques da Woodford (fonte: Whisky.com)

Até peço desculpas antecipadas pela declaração – mas eu adoro misturar Woodford Reserve. Acho uma ótima base para coquetéis. O que você acha de coquetéis com Woodford?

Chris Morris: Sou um grande fã de usar Woodford Reserve nos coquetéis. A melhor maneira de fazer um ótimo coquetel é usar a melhor base nesse coquetel. Começando em 1999, quando o Woodford Reserve foi nomeado o primeiro “Bourbon Oficial” do Kentucky Derby, nos tornamos perfeccionistas em Mint Julep. O Mint Julep adquiriu ao longo dos anos uma imagem bastante ruim e era raramente servido em bares e restaurantes por muito tempo. Devido aos esforços de Woodford, agora é possível desfrutar de um Mint Julep nos Estados Unidos e em muitos outros países.

Woodford também estabeleceu a competição Woodford Reserve Manhattan há 12 anos. Esta se tornou uma das competições de coquetéis de whiskey mais prestigiadas do mundo. Recentemente, Woodford foi nomeado o “Bourbon Oficial da Old Fashioned Week” em uma plataforma global. Assim, fica evidente que Woodford Reserve teve um papel importante no retorno de “Cocktails Clássicos” à popularidade.

A Woodford Reserve tem um Single Malt, certo? É como um single malt escocês ou há diferenças na produção e sensorial?

Chris Morris: A Woodford Reserve lançou o primeiro Single Malt Whiskey do Kentucky (Kentucky Single Malt) em 2009 por meio de nossa linha de produtos Masters Collection. Foi oferecido em duas expressões – uma envelhecida em barris previamente utilizados para maturar outra bebida, como muitos single malts escoceses e outra envelhecida em barris novos. Para mim, o malte envelhecido em barril virgem era o mais complexo dos dois.

Desde então, o novo movimento de microdestilarias nos EUA tem defendido Single Malts. Eu não queria que parecêssemos um seguidor em vez de os pioneiros que somos, então criamos o primeiro e único single malt do Kentucky. A utilização de milho e centeio na receita, bem como de uma barrica virgem carbonizada, resultou em um perfil de sabor que considero único no universo do whiskey.

Não poderia concordar mais! Agora, sobre finalização. Glenmorangie e Balvenie foram pioneiros na técnica de “finishing” (transferir um whisky para um tipo distinto de barril para agregar complexidade sensorial). A Woodford Reserve é pioneira nessa técnica nos Estados Unidos – com o chardonnay cask. Como vocês tiveram essa ideia? E…. continua sendo bourbon?

Meu interesse em finalização (de barricas, finish) começou com minha experiência na indústria de Single Malt Scotch. Notei que o uso de barris de vinho fortificado (porto, xerez, madeira etc.) era bastante comum. Por que ninguém estava usando barris de vinho varietal, eu me perguntei? Isso me levou a adquirir barris de chardonnay, pinot, cabernet, zinfandel e outros para testar a finalização.

Depois de muitas tentativas e erros, colocamos nosso aprendizado à prova com o lançamento do Chardonnay Finish da Masters Collection em 2007 e, apesar da tempestade que causou entre os aficionados dos bourbon, foi um grande sucesso. Desde então, também somos os pioneiros no acabamento Pinot Noir e, com nossas credenciais de acabamento estabelecidas, passamos para os acabamentos de vinho fortificado menos controversos.

8 thoughts on “Entrevista com Chris Morris – Master Distiller da Woodford Reserve

  1. Caro Maurício,

    O texto, como sempre, irretocável, mas a elegância da simplicidade, ou o contrário, de Chris Morris, confere toque especial ao post.
    Sou macaca de auditório do Woodford, o líquido, a garrafa é para perfume feminino. Impossível não derrubar após a 4ª dose, ou …quem sabe… um lance genial de marketing… Puta merda! Lá se foi meia garra para a toalha! Caralho! Amanhã vou sair e comprar outra garrafa…Claro, sou um engenheiro químico frustrado…
    Forte Abraço

    1. Haha, caro Socrates, melhor que o post, somente o comentário. Não, pera, mentira, tem muita coisa melhor que o post, mas não melhor que o Cris Morris. O comentário é uma delas.

      Sou bem apaixonado por woodford também. Voce ja provou o sonoma? Nossenhora. Polemico, mas genial

      1. Caro Maurício,
        Infelizmente não, pelo simples fato de nunca ter encontrado. Bourbon e Pinot Noir são duas coisas que funcionam plenamente em separado e que não passa na minha cabeça não funcionarem juntas. Eu sei eu sei, você já deixou claro que não é sempre assim.
        Forte Abraço

        1. Funcionam. É engraçado, voce tem que dissociar as duas coisas – se esperar um bourbon, não vai funcionar. Se esperar o pinot noir, também não. A combinação funciona justamente se você não tentar separar!

  2. Brother, meio off topic: o que me diz sobre o Laphroaig QA Cask? Adoro o Quarter Cask, mas tenho curiosidade nesse aí..

    1. Fala falcao, como tao as coisas? Bom ver voce por aqui de volta.

      Acho o QA cask mais ou menos. É um 10 anos meio diferentão. Iria no PX!

  3. Ótima entrevista, depois tem que consertar a legenda da foto dos alambiques! Saiu escrito ”alamiques”. Parabéns pelo conteúdo!

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