A Céline Dion tem uma música que diz que o amor pode mover montanhas. Com todo respeito, eu acho que a Céline errou. O amor é muito superestimado. Sem a menor sombra de dúvidas, o álcool supera qualquer forma de afeto como força-motriz da humanidade. Pegue, por exemplo, a história das ilhas caribenhas e do Reino Unido. Em 1655 a Grã-Bretanha capturou Jamaica, e começou um caso de amor (talvez ele mova montanhas) com o rum.
A bebida já era produzida naquela ilha, que possuía abundância de cana-de-açúcar. A Marinha Real britânica não hesitou em substituir o aristocrático brandy francês pelo refrescante e tropical rum. Os marinheiros eram diariamente abençoados com doses de destilado, muitas vezes combinadas com limão. Os marinheiros viam no rum não apenas um antídoto contra o escorbuto, mas também uma fonte de alegria em suas vidas a bordo de navios desprovidos de luz, com comida escassa e o constante medo de criaturas marinhas lendárias.
O rum tornou-se tão famoso que passou a ser usado como moeda de troca pelos corsários britânicos. Esses, um tanto menos comedidos do que os militares da respeitosa rainha, geralmente consumiam quantidades copiosas de bebida. Não era raro o caso de um navio pirata capturado facilmente pela marinha, visto que seus ocupantes não tinham condições sóbrias de lutar. Em pouco tempo, o rum – e seus barris – chegaram ao Reino Unido.
É surpreendente que apesar de tamanha conexão com a bebida tropical, a indústria do scotch whisky somente tenha se voltado para barricas de rum lá pela década de setenta, quando uma certa Springbank lançou um whisky exclusivo e caríssimo maturado na bebida. E é ainda mais inacreditável se pensarmos que muitas destilarias de rum sempre usaram barris de whisky. E é aí que entra o tema de nossa prova, o novo Glenlivet Carribbean Reserve.
Embora desejássemos compartilhar mais detalhes sobre este single malt sem idade declarada, a verdade é que ele, assim como o amor, guarda seus segredos com afinco. Sabe-se que o Glenlivet Caribbean Reserve foi maturado em barricas de ex-bourbon e depois teve um flerte com barris de rum jamaicano – o que chamam de “maturação seletiva”. A marca do rum também não é divulgada. Mas, que este Cão, num palpite educado, supõe que seja Appleton State, considerando sua nacionalidade. E é só.
Whiskies finalizados em barricas de rum têm se tornado cada vez mais comuns, uma conexão compreensível, uma vez que o líquido tropical acrescenta uma nota frutada e de coco que harmoniza com perfeição com a trindade de sabores do bourbon: mel, baunilha e caramelo. A grande questão é sempre o equilíbrio. Por conta da potência sensorial do rum, há um grande risco de se criar um whisky desequilibrado, puxado para o destilado de cana. Aqui isso não acontece. O Caribbean Reserve é equilibrado, com uma nota discreta do frutado do rum no final.
O The Glenlivet Caribbean Reserve foi lançado em abril de 2020 e é parte do core range da destilaria, juntamente com o Founder’s Reserve, 15 anos, 18 anos e o antigo 12 anos, em alguns mercados específicos. O Caribbean Reserve possui um preço um pouco superior àquele do Founder’s, seu rótulo de entrada. Na opinião deste Cão, o upgrade compensa: apesar de ser claramente um malte jovem, o Caribbean tem mais personalidade, e entrega uma experiência diferente de whiskies em sua faixa de preço.
Para aqueles que buscam um single malt com preço acessível, mas que vai além do comum envelhecimento em barricas de ex-bourbon, o The Glenlivet Caribbean Reserve é a resposta. Enquanto Céline Dion pode acreditar no poder do amor, nós, amantes do whisky, sabemos que o poder de uma boa bebida pode superar qualquer montanha. E o Caribbean Reserve é a nossa prova definitiva disso.
THE GLENLIVET CARIBEAN RESERVE
Tipo: Single Malt sem idade definida (NAS)
Destilaria: Glenlivet
Região: Speyside
ABV: 40%
Notas de prova:
Aroma: floral, com baunilha e abacaxi
Sabor: sabor frutado. Abacaxi, maçã. Final médio, progressivamente mais adocicado, com coco e baunilha.