Há dias que realmente não queremos fazer absolutamente nada. Ontem foi um desses. Deitado no sofá, estava eu com uma preguiça petrificante de escrever um post. Eram cinco horas da tarde e eu pensava em tudo aquilo que poderia fazer, caso somente tivesse energia para levantar daquele meu leito. Sem mover sequer um milímetro de qualquer membro de meu corpo, pensava que poderia ir à academia, afinal, não corria há uma semana, e precisava me exercitar.
Poderia também cozinhar alguma coisa. Havia comprado ovos, pancetta e uma caixa de spaghettini no supermercado, e com alguma disposição e um pouco de auxílio do mundo digital, poderia improvisar um carbonara para o jantar da Cã e da Cãzinha. Mas não. Porque aquilo exigiria que eu me movesse, e aquele estado de pré-sonolência me embalava de uma forma irresistível.
Ao lado do sofá, a poucos centímetros do meu alcance máximo, havia uma garrafa do single malt que deveria ser o tema do post dessa semana. O Glenmorangie Nectar D’Or. Um ótimo whisky. Aliás, um dos três whiskies que fizeram com que eu começasse a me interessar pela bebida.
Mas para pegá-lo, seria necessário que eu me esticasse e saísse de minha posição de conforto, arriscando assassinar brutalmente a sensação de torpor que sentia. Com cuidado cirúrgico, movimentei os olhos em direção à garrafa, mobilizando o menor número possível de músculos de minha cabeça.
A visão da garrafa, com o rótulo recentemente reformulado, evocou em minha memória seus aromas e sabores. Algo como chocolate branco e baunilha, com um leve toque cítrico. Era um single malt extremamente doce, mas muito equilibrado. Li, com cuidado, o que já havia lido centenas de vezes no rótulo, que – graças a uma conveniência literária – estava virado em minha direção: extra matured in sauternes casks.
Lembrei-me do post que fiz sobre o Glenmorangie Quinta Ruban. Ah, se eu apenas tivesse energia para levantar do sofá e escrever um post como aquele. Mas não, a sensação de imobilidade havia me conquistado por completo. Quanto tempo será que eu conseguiria ficar completamente parado antes de ficar com câimbra, ou alguma coisa gangrenar? Deve ser bastante tempo, afinal, tem uns Sikhs que passam a vida toda com o braço levantado.
Naquele post, havia explicado o conceito de maturação extra, algo que teria sido inventado pela Glenmorangie com seu Glenmorangie Portwood Finish, e depois transportado para outros lançamentos da destilaria, como seu Quinta Ruban. No caso do Nectar D’Or, a maturação ocorre por dez anos em barricas de carvalho americano que antes continham bourbon, para que depois o destilado seja transferido para barricas de ex-sauternes francês, um vinho de sobremesa, onde passa mais dois anos antes de ser engarrafado. Quanto trabalho. Só de imaginar já ficava cansado. Será que se eu ficasse mais algumas horas imóvel grudaria no sofá?
Logo descobri que os Sikhs realmente eram esforçados. Meu pescoço começava a latejar, de leve. Será que seria hora de levantar? Não, a pequena dor na nuca não seria suficiente para superar a quase completa sensação de conforto que sentia. Entretanto, serviu para lembrar-me que os alambiques da Glenmorangie são os mais altos da Escócia. Cada um, com mais de cinco metros de comprimento. Por conta disso, apenas as moléculas mais leves do produto da destilação alcançam seu topo.
Já estava há boas duas horas imóvel. Deitara-me quando a Cã saiu com a Cãzinha para ir ao parque, e disse que não demoraria. Aliás, pedira que eu preparasse o jantar. Se ela voltasse e me encontrasse naquela posição, talvez eu tivesse um preço a pagar. E com este falso parônimo, lembrei-me que o preço de um Nectar D’Or no Brasil é de R$ 300,00 (trezentos reais).
Lembrei-me rapidamente que o Nectar D’Or recebeu vários prêmios em competições internacionais, como, por exemplo, a medalha de prata na International Wine and Spirits Competition de 2014 na categoria de melhores single malts das highlands, e medalha de ouro na International Spirits Challenge de 2014, na categoria de single malts de até doze anos. Talvez, se eu levantasse e preparasse aquele carbonara, trocaria a represália por uma recompensa, ainda que afetiva.
É. Talvez fosse mesmo a hora de me movimentar. Lentamente, levei meu pé em direção ao chão. Iria direto para a cozinha organizar o mis-en-place para começar a preparar o jantar. Mas não antes de me esticar para alcançar a garrafa e servir-me de uma dose daquele single malt espetacular. Para aquilo tudo sim, valia a pena vencer qualquer preguiça.
GLENMORANGIE NECTAR D’OR
Tipo: Single Malt Whisky com idade definida – 12 anos
Destilaria: Glenmorangie
Região: Highlands
ABV: 46%
Notas de prova:
Aroma: cítrico, bastante frutado, com laranja e maçã.
Sabor: levemente cítrico, com chocolate branco e coco. Bastante adocicado, mas longe de ser enjoativo. Final médio para prolongado, levemente picante, com predominância também de frutas cítricas.
Com água: A agua ressalta ainda mais as notas de coco e chocolate branco, e reduz um pouco o aroma cítrico. Com água ou sem água, fica excelente.
Preço: R$ 300,00 (trezentos reais)
Saudações, Cão.
Recentemente, comprei uma garrafa do Glenmorangie Néctar D’or, que, atualmente, não tem mais idade expressa.
Infelizmente, não senti todas as notas olfativas e gustativas aqui no post esposadas.
Pode ser, por óbvio, pelo fato de eu não estar habituado ao mundo dos uísques.
Mas estranhei o forte aroma e paladar de álcool.
Vou tentar mais uma vez nos próximos dias.
Como você mesmo já consignou noutro post, não literalmente, há dias em que nada que tomamos desce bem. Depende do nosso estado de espírito.
Meu receio é a procedência. Imaginava um single malt redondo, não austero. O álcool incomodou e isso me deixou um tanto quanto preocupado com a autenticidade.
Assim que provar novamente, retorno com maiores detalhes.
De qualquer sorte. Na próxima semana, estarei em São Paulo e pretendo visitar o “Caledonia Whisky & Co.”. Daí, se disponível o rótulo, poderei fazer a comparação.
Forte abraço.
Caro Henrique, como vai? O Nectar D’Or mudou um pouco nos ultimos anos. Deixou de ser 12 anos, passou a não ter idade declarada. Ganhou suavidade e perdeu vínico. Continuo gostando, mas parece um whisky mais jovem. Pode ser isso?