Esta é a segunda parte da saga do whiskey irlandês, nosso herói etílico. Se perdeu o começo da jornada, leia aqui. Naquela oportunidade, congelamos a história quando a bebida encontrou suas primeiras dificuldades em seu percurso. O fogo amigo do whisky escocês, que se popularizou com a invenção do destilador contínuo. Retomaremos a partir deste ponto.
Em 1919 ocorreu a independência da Irlanda, que se separou do Reino Unido. Um acontecimento histórico importante, mas que causou instabilidade para o Irish Whiskey. A independência tornou o acesso dos irlandeses aos mercados lucrativos do império britânico mais difícil. Para piorar, o governo irlandês, que considerava as destilarias favoráveis à coroa, impôs taxas pesadas sobre a bebida, tornando seu consumo caro, mesmo dentro da Irlanda.
Soma-se a isso o fato de que o whisky irlandês era importado em massa, dentro de barricas, e engarrafado e cortado no destino. Isso – ainda que fosse uma prática mais econômica – facilitava sua falsificação ou adulteração. O whisky escocês, por outro lado, era importado em garrafas, o que atrapalhava bastante este trabalho.
Mas nem tudo estava perdido. Nosso protagonista, um pouco abalado pelos últimos acontecimentos, ainda andava de cabeça erguida. Afinal, o Whiskey Irlandês ainda possuía fama nos Estados Unidos. Quer dizer, até aquele fatídico ano de 1919, quando foi aprovado o Volstead Act – mais conhecida como a Lei Seca Norte-Americana. Com ela, o maior mercado de Irish Whiskey do mundo simplesmente desapareceu.
E ali estava nosso herói, em seu all-is-lost moment. Não havia mais esperança. A Lei Seca havia minado qualquer chance de sobrevivência para aquele espírito que fora, outrora, um dos mais adorados do mundo. Pisoteado pelo whisky escocês, inibido pelo governo irlandês e rechaçado pelos Estados Unidos, nada mais restara. E os anos se passaram, vendo as destilarias irlandesas fecharem, uma a uma. Em 1960, restavam apenas cinco, do que antes eram centenas: Corelaine, Bushmills, Jameson, Cork Distilleries e John Power & Sons.
Desesperadas para sobreviver, muitas destilarias se uniram. Em 1966, Jameson, Cork e John Powers se juntaram, formando uma liga da justiça – ou melhor, da etílica – irlandesa, chamada Irish Distiller’s Limited. Em 1975, as três suspenderam sua produção, transferindo-a para uma planta única, em Cork, que mais tarde se tornaria a mundialmente conhecida Midleton. No ano seguinte a Colaraine fechou suas portas e a Bushmill’s passou a ser a única destilaria de Irish Whiskey localizada na Irlanda do Norte. E apesar de tudo isso, o consumo de whiskey irlandês continuava a cair.
Mas em 1987 algo admirável aconteceu. Um cavalheiro chamado John Teeling adquiriu uma destilaria química – Ceimici Teoranta – com destiladores em coluna, e instalou lá dois alambiques. Ato contínuo, rebatizou o lugar de Cooley Distillery. Lá nascia a primeira nova destilaria de whiskey irlandês em mais de um século. Paralelamente, a Pernod-Ricard demonstrou interesse na Irish Distiller’s Limited. A compra, que aconteceu em 1988, colocou o whiskey irlandês de volta aos mercados internacionais, e alçou a Jameson a uma fama sem precedentes.
Nosso herói destilado havia atingido sua apoteose. Com a ressurreição da Midleton pela Pernod Ricard, investidores passaram a olhar de forma mais favorável aquele destilado. Até 2016, haviam sido abertas dezessete destilarias. Algumas artesanais – como a Dingle. Outras, bem maiores. A própria Midleton, observando o repentino crescimento de seu produto, investiu mais de cem milhões para duplicar sua capacidade produtiva, naquele ano.
A Pernod não foi a única gigante a voltar seus olhos para o destilado irlandês. A Diageo, em 2013, comprou a Bushmills. A William Grang and Sons – o mesmo império familiar por trás das escocesas Glenfiddich, Balvenie, Kininvie e Ailsa Bay – adquiriu, expandiu e modernizou a gigantesca Tullamore D.E.W. E no ano anterior, a Jim Beam, atual Beam Suntory, comprou a pioneira Cooley.
Em 2018, o número de destilarias continua a crescer. Há dezoito operacionais (ainda que algumas não tenham lançado seus produtos ao mercado), e mais dezesseis em fase de planejamento, de acordo com a Irish Whiskey Association. Com números assim, é impossível não enxergar que o Whiskey Irlandês está em uma fase importantíssima de retomada e redescoberta – O Renascimento do Whiskey Irlandês.
Outro setor indiretamente incentivado pela retomada do Irish Whiskey foi o do turismo. Em 2016, o número de visitantes foi de seiscentos e cinquenta mil, para as destilarias com centros de visitantes. E a projeção é que o número apenas aumente.
Espetacular a noticia da ressurreição do Irish Whiskey! Parabéns pelo artigo!
Opa, valeu Alemão!
Jameson um whiskey que deixa muito 12 anos no chinelo…
“Pisoteado pelo whisky escocês, inibido pelo governo irlandês e rechaçado pelos Estados Unidos, nada mais restara. E os anos se passaram, vendo as destilarias irlandesas fecharem, uma a uma.”
Juro que quase chorei quando li esse trecho!! rsrsrsrsrsrs!!
Dramático!
Interessantíssimo, mestre! Cara, eu realmente gosto de whisky (e o senhor já deve ter percebido hahahaha) e aprender sobre a história de nosso herói etílico, conhecer detalhes técnicos , etc só torna a experiência cada vez melhor. Até o momento só provei o Jameson Standard, mas vejo os whiskys como complementares e não rivais.
Grande abraço.
PS: Abri meu Kilchoman Sanaig e precisamos falar sobre isso hahaha.
Opa! O que achou do Sanaig?