Essa semana marquei de encontrar um velho amigo em um bar. Acontece que o trânsito e o trabalho atrapalharam, e eu atrasei bastante. Chegando lá, o encontrei jogando paciência em uma das mesas na calçada. Ao invés de me cumprimentar, entretanto, ele simplesmente apertou minha mão e disse, com olhar vidrado nas cartas “Estava aqui pensando. A vida é como um jogo de paciência”.
Notando que eu havia interpretado sua frase como uma provocação por meu atraso, ele se sentiu obrigado a elaborar. Mas é. Não tem nada a ver com esperar. É que a possibilidade de você vencer ou perder uma partida depende, principalmente, da sua mão. Não é uma questão de técnica, ainda que a técnica ajude um pouco. Mas mesmo com todo talento do mundo, às vezes é praticamente impossível vencer, por conta da ordem em que as cartas foram embaralhadas. É como a vida.
Percebendo que eu ainda aparentava levemente insultado e, além disso, não inteiramente satisfeito com aquela filosofia, ele continuou. Não é como, por exemplo, damas. Se, ao invés de paciência, estivéssemos os dois jogando damas, o mais talentoso – ou o mais experiente – venceria – disse ele. E continuou – Damas não depende de sorte. Damas é um jogo de habilidade. Damas é puramente meritocrático.
Enquanto bebíamos, continuei a refletir sobre o que ele havia dito. Era incômodo, mas fazia sentido. Sem querer polemizar, mas o mundo não é puramente meritocrático. O mérito certamente é vedete do sucesso. Mas há uma infinidade de outros fatores que podem contribuir para a vitória e que não dependem dele. Sorte é uma delas.
Embalado por esta filosofia de boteco, este texto é para você, que teve a improvável sorte de sair com as cartas da vida embaralhadas do jeito perfeito e conseguiu terminar o jogo sem virar o morto (perdão aqui pelo duplo sentido de mau gosto). Ou para você que, desafiando as adversidades, deu um show de técnica e terminou um jogo praticamente impossível. E para todos aqueles entre os dois extremos. Falarei hoje do Johnnie Walker Odyssey.
Antes de tudo, é preciso mencionar seu preço. Quando chegou ao Brasil, uma garrafa do whisky custava quatro mil e quinhentos reais. É isso mesmo, por extenso, para você não achar que eu coloquei um zero a mais sem querer. Atualmente, não é difícil ver um decanter destes por quase sete mil reais. Isso o torna o whisky mais caro já revisto nestas páginas Canídeas. Quase o dobro do segundo mais caro, o Royal Salute 38 anos Stone of Destiny. Dito isso, aqui vai a história por trás deste whisky.
O Johnnie Walker Odyssey foi o protagonista da épica viagem inaugural do John Waker & Sons Voyager, um humilde iate de cento e cinquenta e sete pés, desenhado à moda da década de vinte. Ao longo de seis meses, a embarcação percorreu mais de sete mil e quinhentas milhas náuticas, promovendo festas e degustações para consumidores chave em quinze dos mais importantes portos asiáticos.
Tom Jones, embaixador global da Johnnie Walker, fez o enorme sacrifício de permanecer a bordo do palacete flutuante durante todo o percurso. Sua estimativa é que, durante as paradas do Voyager, tenha conduziudo degustações para mais de quatorze mil consumidores, divulgando os produtos e a história da marca. A coroa da viagem, entretanto, foi o lançamento do Johnnie Walker Odyssey.
Tudo que há no Odyssey transpira exclusividade. Seu belo decanter de cristal possui uma base arredondada, que permite que o whisky balance. A – peculiar – ideia é que a garrafa não caia com o movimento do mar. Seu estojo também possui um conjunto de roldanas que permite que a garrafa permaneça sempre na posição vertical. Porque claro, se você um dia levar seu whisky de sete mil reais em seu iate de cento e cinquenta pés, não conseguiria pensar em um desastre maior do que estragar sua tapeçaria, caso o whisky caia no chão.
O Johnnie Walker Odyssey é um blended malt, composto somente por três single malts. E desde que o queridíssimo Green Label foi praticamente extinto – hoje, disponível em pouquíssimos mercados – pode-se dizer que o Odyssey é, incrivelmente, o blended malt mais barato da marca do andarilho em muitos países.
A identidade dos single malts que o compõe é segredo. Adivinhar suas origens seria um blefe digno de um mestre no truco. Entretanto, este Cão diria que há um adocicado semelhante a mel de engenho, além de um certo defumado, com uma finalização própria dos single malts maturados em barricas de carvalho europeu de ex-jerez. É um blended malt extremamente equilibrado e encorpado. Não me atrevi a adicionar água, mesmo porque não há qualquer traço de aspereza, mesmo a quarenta por cento de graduação alcoólica.
Outro mistério por trás do whisky é sua idade. Não há nenhuma indicação da maturação mínima dos maltes que o compõe. Quem explica essa decisão é o master blender da Johnnie Walker, um homem predestinado, por seu sobrenome, a trabalhar no mundo das bebidas. Jim Beveridge. Nas palavras de Jim “temos mais de oito milhões de barricas para escolher (…) e há pouquíssimas que realmente poderiam ser utilizadas neste blended malt. Ele é bem maturado, mas a idade não é o que o define. A ausência de indicação de idade me permite escolher as melhores barricas quando estão em seu ponto ótimo”.
Segundo Jim, produzir um blended malt é um desafio muito grande. “Sou um master blender. Eu valorizo whiskies de grão enormemente. Tive que pensar muito quando me foi pedido que elaborasse um blended malt assim”.
Perguntar se um whisky deste valor vale a pena seria injusto. O Johnnie Walker Odyssey é uma criação sublime de uma das mais respeitadas marcas mundiais de blended whisky. Tecnicamente, ele beira a perfeição. Mas não é apenas isto. Ele é, na verdade, uma perfeita materialização do luxo que a Johnnie Walker emana. Ele é como atravessar o oceano em um iate gigante – ainda que eu nunca tenha atravessado o oceano em um iate gigante. Ou vencer aquele jogo praticamente insolucionável de paciência. O Johnnie Walker Odyssey é simplesmente vitória líquida.
Você até pode dizer que a vida é como paciência, ou na versão em inglês “solitaire” (solitário). E escolher entre o nome ou sua tradução é, mais ou menos, como aquela história entre o copo meio cheio e meio vazio. Mas lembre-se, um copo inteiramente vazio é uma dose de whisky que você ainda não tomou.
E vai que a próxima dose não é do Odyssey?
JOHNNIE WALKER ODYSSEY
Tipo: Blended Malt sem idade definida (NAS)
Marca: Johnnie Walker
Região: N/A
ABV: 40%
Notas de prova:
Aroma: Defumado, frutado, com bala de caramelo e frutas em calda.
Sabor: Levemente defumado, com frutas secas e especiarias, um pouco de caramelo. Bastante encorpado, com finalização média. O sabor inicial é adocicado com turfa, que vai, progressivamente, evoluindo para o jerez, até que a fumaça some completamente e resta apenas o frutado proveniente do vinho.
Como vai, Maurício?
Cara, lembro que quando comecei a me interessar por whisky e começaram a surgir aquelas dúvidas imbecis e sem qualquer utilidade do tipo: “quais os mais caros?” E lembro de ter lido sobre o Odyssey.
Não dá nem pra imaginar o grau de complexidade e qualidade dele. No jogo da vida teríamos que ter um excelente e improvável carteado para ter a chance de provar um desses haha.
Bom, talvez seja mais fácil beber um gole dele do que arrumar um iate gigante para cruzar o oceano, não?
Parabéns pelo ótimo texto!
Abraços, meu amigo!
Opa! Olha, eu provei o Odyssey, mas nunca viajei em um iate gigante. Então acho que a dose é mais fácil – e mais barata! Quer dizer, exceto se você tiver um amigo que tenha um iate. Aí o iate fica mais fácil… eheh
Abração!
Boa tarde, obrigado excelente trabalho que exerce. Trabalho em uma adega, e whisky sempre foi a parte mais difícil do meu trabalho, a alguns dias encontrei sua página, me ajudou muito. Sempre tive a curiosidade a cerca do odyssey, por ser um JW, muito caro, mas sempre encontrei informações vagas sobre ele, e encontrei tudo aqui na sua página. Aqui na loja temos ele, não é o whisky mais caro, mas, R$4000,00 em uma única garrafa é muito dinheiro.
Né? O seu preço está bem bom, já vimos ele lá pelos 7k reais!
Qual a idade desse wiski?
Tá escrito no texto 🙂