Essa semana marquei de encontrar um velho amigo em um bar. Acontece que o trânsito e o trabalho atrapalharam, e eu atrasei bastante. Chegando lá, o encontrei jogando paciência em uma das mesas na calçada. Ao invés de me cumprimentar, entretanto, ele simplesmente apertou minha mão e disse, com olhar vidrado nas cartas “Estava aqui pensando. A vida é como um jogo de paciência”.
Notando que eu havia interpretado sua frase como uma provocação por meu atraso, ele se sentiu obrigado a elaborar. Mas é. Não tem nada a ver com esperar. É que a possibilidade de você vencer ou perder uma partida depende, principalmente, da sua mão. Não é uma questão de técnica, ainda que a técnica ajude um pouco. Mas mesmo com todo talento do mundo, às vezes é praticamente impossível vencer, por conta da ordem em que as cartas foram embaralhadas. É como a vida.
Percebendo que eu ainda aparentava levemente insultado e, além disso, não inteiramente satisfeito com aquela filosofia, ele continuou. Não é como, por exemplo, damas. Se, ao invés de paciência, estivéssemos os dois jogando damas, o mais talentoso – ou o mais experiente – venceria – disse ele. E continuou – Damas não depende de sorte. Damas é um jogo de habilidade. Damas é puramente meritocrático.
![Menos neste caso.](http://ocaoengarrafado.com.br/wp-content/uploads/2016/03/odyssey1.jpg)
Enquanto bebíamos, continuei a refletir sobre o que ele havia dito. Era incômodo, mas fazia sentido. Sem querer polemizar, mas o mundo não é puramente meritocrático. O mérito certamente é vedete do sucesso. Mas há uma infinidade de outros fatores que podem contribuir para a vitória e que não dependem dele. Sorte é uma delas.
Embalado por esta filosofia de boteco, este texto é para você, que teve a improvável sorte de sair com as cartas da vida embaralhadas do jeito perfeito e conseguiu terminar o jogo sem virar o morto (perdão aqui pelo duplo sentido de mau gosto). Ou para você que, desafiando as adversidades, deu um show de técnica e terminou um jogo praticamente impossível. E para todos aqueles entre os dois extremos. Falarei hoje do Johnnie Walker Odyssey.
Antes de tudo, é preciso mencionar seu preço. Quando chegou ao Brasil, uma garrafa do whisky custava quatro mil e quinhentos reais. É isso mesmo, por extenso, para você não achar que eu coloquei um zero a mais sem querer. Atualmente, não é difícil ver um decanter destes por quase sete mil reais. Isso o torna o whisky mais caro já revisto nestas páginas Canídeas. Quase o dobro do segundo mais caro, o Royal Salute 38 anos Stone of Destiny. Dito isso, aqui vai a história por trás deste whisky.
O Johnnie Walker Odyssey foi o protagonista da épica viagem inaugural do John Waker & Sons Voyager, um humilde iate de cento e cinquenta e sete pés, desenhado à moda da década de vinte. Ao longo de seis meses, a embarcação percorreu mais de sete mil e quinhentas milhas náuticas, promovendo festas e degustações para consumidores chave em quinze dos mais importantes portos asiáticos.
Tom Jones, embaixador global da Johnnie Walker, fez o enorme sacrifício de permanecer a bordo do palacete flutuante durante todo o percurso. Sua estimativa é que, durante as paradas do Voyager, tenha conduziudo degustações para mais de quatorze mil consumidores, divulgando os produtos e a história da marca. A coroa da viagem, entretanto, foi o lançamento do Johnnie Walker Odyssey.
![Vida difícil, hein, Tom?](http://ocaoengarrafado.com.br/wp-content/uploads/2016/03/odyssey2.jpg)
Tudo que há no Odyssey transpira exclusividade. Seu belo decanter de cristal possui uma base arredondada, que permite que o whisky balance. A – peculiar – ideia é que a garrafa não caia com o movimento do mar. Seu estojo também possui um conjunto de roldanas que permite que a garrafa permaneça sempre na posição vertical. Porque claro, se você um dia levar seu whisky de sete mil reais em seu iate de cento e cinquenta pés, não conseguiria pensar em um desastre maior do que estragar sua tapeçaria, caso o whisky caia no chão.
O Johnnie Walker Odyssey é um blended malt, composto somente por três single malts. E desde que o queridíssimo Green Label foi praticamente extinto – hoje, disponível em pouquíssimos mercados – pode-se dizer que o Odyssey é, incrivelmente, o blended malt mais barato da marca do andarilho em muitos países.
A identidade dos single malts que o compõe é segredo. Adivinhar suas origens seria um blefe digno de um mestre no truco. Entretanto, este Cão diria que há um adocicado semelhante a mel de engenho, além de um certo defumado, com uma finalização própria dos single malts maturados em barricas de carvalho europeu de ex-jerez. É um blended malt extremamente equilibrado e encorpado. Não me atrevi a adicionar água, mesmo porque não há qualquer traço de aspereza, mesmo a quarenta por cento de graduação alcoólica.
Outro mistério por trás do whisky é sua idade. Não há nenhuma indicação da maturação mínima dos maltes que o compõe. Quem explica essa decisão é o master blender da Johnnie Walker, um homem predestinado, por seu sobrenome, a trabalhar no mundo das bebidas. Jim Beveridge. Nas palavras de Jim “temos mais de oito milhões de barricas para escolher (…) e há pouquíssimas que realmente poderiam ser utilizadas neste blended malt. Ele é bem maturado, mas a idade não é o que o define. A ausência de indicação de idade me permite escolher as melhores barricas quando estão em seu ponto ótimo”.
Segundo Jim, produzir um blended malt é um desafio muito grande. “Sou um master blender. Eu valorizo whiskies de grão enormemente. Tive que pensar muito quando me foi pedido que elaborasse um blended malt assim”.
![odyssey4](http://ocaoengarrafado.com.br/wp-content/uploads/2016/03/odyssey4.jpg)
Perguntar se um whisky deste valor vale a pena seria injusto. O Johnnie Walker Odyssey é uma criação sublime de uma das mais respeitadas marcas mundiais de blended whisky. Tecnicamente, ele beira a perfeição. Mas não é apenas isto. Ele é, na verdade, uma perfeita materialização do luxo que a Johnnie Walker emana. Ele é como atravessar o oceano em um iate gigante – ainda que eu nunca tenha atravessado o oceano em um iate gigante. Ou vencer aquele jogo praticamente insolucionável de paciência. O Johnnie Walker Odyssey é simplesmente vitória líquida.
Você até pode dizer que a vida é como paciência, ou na versão em inglês “solitaire” (solitário). E escolher entre o nome ou sua tradução é, mais ou menos, como aquela história entre o copo meio cheio e meio vazio. Mas lembre-se, um copo inteiramente vazio é uma dose de whisky que você ainda não tomou.
E vai que a próxima dose não é do Odyssey?
JOHNNIE WALKER ODYSSEY
Tipo: Blended Malt sem idade definida (NAS)
Marca: Johnnie Walker
Região: N/A
ABV: 40%
Notas de prova:
Aroma: Defumado, frutado, com bala de caramelo e frutas em calda.
Sabor: Levemente defumado, com frutas secas e especiarias, um pouco de caramelo. Bastante encorpado, com finalização média. O sabor inicial é adocicado com turfa, que vai, progressivamente, evoluindo para o jerez, até que a fumaça some completamente e resta apenas o frutado proveniente do vinho.
Como vai, Maurício?
Cara, lembro que quando comecei a me interessar por whisky e começaram a surgir aquelas dúvidas imbecis e sem qualquer utilidade do tipo: “quais os mais caros?” E lembro de ter lido sobre o Odyssey.
Não dá nem pra imaginar o grau de complexidade e qualidade dele. No jogo da vida teríamos que ter um excelente e improvável carteado para ter a chance de provar um desses haha.
Bom, talvez seja mais fácil beber um gole dele do que arrumar um iate gigante para cruzar o oceano, não?
Parabéns pelo ótimo texto!
Abraços, meu amigo!
Opa! Olha, eu provei o Odyssey, mas nunca viajei em um iate gigante. Então acho que a dose é mais fácil – e mais barata! Quer dizer, exceto se você tiver um amigo que tenha um iate. Aí o iate fica mais fácil… eheh
Abração!
Boa tarde, obrigado excelente trabalho que exerce. Trabalho em uma adega, e whisky sempre foi a parte mais difícil do meu trabalho, a alguns dias encontrei sua página, me ajudou muito. Sempre tive a curiosidade a cerca do odyssey, por ser um JW, muito caro, mas sempre encontrei informações vagas sobre ele, e encontrei tudo aqui na sua página. Aqui na loja temos ele, não é o whisky mais caro, mas, R$4000,00 em uma única garrafa é muito dinheiro.
Né? O seu preço está bem bom, já vimos ele lá pelos 7k reais!
Qual a idade desse wiski?
Tá escrito no texto 🙂