O Cão Sofisticado – Kavalan Solist Vinho Barrique

Kavalan solist

Hoje vou falar do Kavalan Solist Vinho Barrique, whisky produzido em Taiwan, que ganhou prêmio de melhor whisky do mundo em 2015. Mas antes, vou falar um pouco de cinema. Do cinema. Do senhor cinemà: Jean Luc Godard.  Godard, muito além de uma referência em uma música do Legião Urbana, é, talvez, o melhor cineasta da história. O cinema do mundo inteiro foi influenciado por Godard. É possível ver referências a suas obras em diretores tão diferentes quanto Bernardo Bertollucci e Quentin Tarantino.

Mas vou confessar uma coisa: para mim, sentar no sofá e tentar relaxar com um filme do Godard é um exercício de futilidade maior do que tentar encontrar poesia em uma música do Mr. Catra.

É que cada plano e cada contraplano de seus filmes tem uma razão de ser. Um objetivo por trás, muito além de simplesmente contar uma história. Cada cena é milimetricamente montada para desconstruir dogmas férreos do audiovisual, ou para deliberadamente tirar o espectador de sua zona de conforto, reafirmando que aquilo é apenas um filme, e que o espectador é o que ele realmente é – um espectador de uma obra de ficção. Isso sem falar da fase Dziga Vertov, em que ele se volta para o cinema político.

Pode ser que eu seja simplesmente burro, mas, para mim, é impossível ver um filme do Godard fazendo outra coisa. Qualquer outra coisa, mesmo que, em uma situação normal, ela não fosse interferir muito na minha atenção. Tipo me coçar. Tenho medo de me coçar em um filme do Godard e a satisfação primitiva proporcionada pela coceira me fazer perder alguma referência.

Problema seu. Bjo flw vlw
Problema seu. Bjo flw vlw

De certa forma, Jean Luc Godard é o Kavalan Soloist Vinho Barrique do mundo dos whiskies. Genial, mas nem um pouco fácil. Para alguém que está esperando tomar apenas algo simplesmente palatável e agradável, a quebra de expectativa é comparável a pagar por uma massagem em um spa acabar sendo açoitado por um halterofilista.

Até aí, não há polêmica. Mas acontece que o Vinho Barrique ganhou, em 2015, o prêmio de melhor whisky do mundo pela World Whiskies Awards, uma das premiações mais importantes no mundo do whisky. E talvez por sua nacionalidade improvável, a notícia quase viralizou na internet – afinal, como pode o melhor whisky do mundo não ser escocês, e nem mesmo japonês?

E a razão, na humilde opinião deste canídeo, não é simples. Ou é, e eu sou estúpido, por isso tenho dificuldade em entender Godard. Parte da resposta provém do fato de que os jurados, na maioria dessas competições, fazem a avaliação às cegas, para que não sejam influenciados pela nacionalidade ou rótulo da bebida. Além disso, existe o fator experiência. Os jurados são, normalmente, pessoas experientes dentro do mundo dos whiskies. E isso faz com que aqueles que oferecem uma experiência mais intensa – como é o caso do Vinho Barrique – tendam a ser mais bem avaliados do que aqueles que, em tese, agradariam um paladar leigo.

Mas tudo isso é mera especulação. A única razão verdadeira e praticamente irrefutável é que o Solist Vinho Barrique é realmente surpreendente.

O Kavalan Vinho Barrique é whisky extremamente alcoólico (em torno de cinquenta e seis por cento), envasado sem qualquer diluição (cask strenght) sendo que cada garrafa é preenchida com whisky de somente um barril (single barrel). Isso, na prática, significa que a graduação alcoólica pode variar de garrafa para garrafa, e que pode haver pequenas diferenças em sabor e aroma entre elas. No exemplar que provei, a graduação era de 57%. E ainda que eu esperasse mais, o álcool estava lá para ser lembrado.

Sua maturação ocorre em barricas de carvalho americano. A Kavalan chamusca as barricas e as preenche com vinho branco e tinto. Depois, deixa que sequem por dois anos, para que sejam novamente chamuscadas antes de receber o destilado.

Este processo de preparação e maturação proporciona ao Vinho Barrique aromas de frutas secas e sabor de especiarias, mas não tanto quanto seria o caso de um whisky maturado em barricas de ex-jerez. Ainda que não exista qualquer idade estampada no rótulo, é presumível que seu destilado não tenha passado muito mais do que cinco anos em suas barricas. Basta lembrar que sua destilaria foi fundada em 2005.

Ainda que a Kavalan seja uma destilaria muito jovem, não é a primeira vez que foi reconhecida internacionalmente. Em 2010 seu Solist Ex-Bourbon Cask recebeu prêmio de melhor single malt do resto do mundo pela World Whiskies Awards, e, no mesmo ano, seu Kavalan Solist Sherry Cask recebeu medalha de ouro na San Francisco World Spirits Competition. Nada mau para uma destilaria com apenas dez anos de idade.

Praticamente o Jordi do mundo das destilarias.
Praticamente o Jordi do mundo das destilarias.

Infelizmente, o Kavalan Solist Vinho Barrique não está disponível em nossa terra. Aliás, ele não está disponível praticamente em lugar nenhum do mundo, o que provavelmente torna este post um dos mais inúteis da história deste blog. Acontece que, com a vitória pela WWA, uma horda ensandecida de gente comprou o estoque mundial do whisky, e as poucas garrafas que sobraram são vendidas a preços astronômicos. Fazendo uma pesquisa rápida no mundo virtual, podemos ver exemplares a preços que variam entre trezentos e quinhentos dólares.

E para falar a verdade, ainda que o Solist seja absolutamente delicioso para mim, nomeá-lo como melhor do mundo é difícil. Não porque ele não mereça o título. Mas porque nomear algo como melhor do mundo simplesmente não faz sentido – ainda que funcione para polemizar no mundo cibernético e aquecer os ânimos já belicosos ao redor de qualquer assunto. É como Godard. Talvez ele seja mesmo o melhor cineasta do mundo. Mas às vezes, só as vezes, eu prefiro ver um Tarantino.

KAVALAN SOLIST VINHO BARRIQUE

Tipo: Single Malt sem idade definida (NAS)

Destilaria: Kavalan

Nacionalidade: Taiwan

ABV: Variável – Cask Strenght

Aroma: frutas vermelhas, ameixa, canela.

Sabor: Frutas vermelhas, cereja, açúcar mascavo. O álcool está bem presente, principalmente no início. O final é longo, mas não tanto quanto seria de se esperar (e como aconteceria um whisky cask strenght se fosse maturado em barricas de jerez). Gosto residual de especiarias e – veja só – vinho.

Com água: A água beneficia este whisky, tirando parte do excesso de alcool do caminho. Torna-se mais fácil sentir as notas frutadas (frutas vermelhas) e de especiarias (canela). O final não se altera muito.

13 thoughts on “O Cão Sofisticado – Kavalan Solist Vinho Barrique

  1. Parabéns!!! Brilhante como sempre!!! Hilario, você conseguiu tornar um tema “inútil”, pois realmente acredito que nunca me aproximarei dessa garrafa, em uma leitura deliciosa e metáfora perfeita com Godard. Abraço

    1. Valeu Paulo! Tá mais facil ver Godard e entender do que encontrar esse Kavalan pra tomar de novo!

  2. Ótimo texto. Gostei da comparação com Godard, que alinhando à degustação do Kavalan, tem tudo a ver! Parabéns pela sensibilidade!

    1. Opa, obrigado Marina! Continue nos acompanhando, legal saber que o blog também agrada o publico feminino 🙂

    1. Eduardo, infelizmente não. Na verdade, fique de olho em leilões de whiskies e no Mercado Livre. Mas é difícil mesmo assim. A produção é pequena e eles não tem muito interesse em vir para cá. Mas quem sabe um dia. Vamos torcer.

  3. Mesmo após quase dois anos do premio eles não aumentaram a produção. Preferem mante-la em pequena quantidade com maior margem provavelmente ?

    1. Nah, eles aumentaram. Eles inclusive expandiram o portfólio, mas a destilaria continua produzindo pouco para a fama que alcançou. Outra coisa é que o mercado deles está voltado para Ásia e Europa. Então duvido bastante que algum Kavalan venha parar em nossas terras – exceto, talvez, por algum parallel trade.

  4. Excelente post! Hoje provei o Kavalan Solist preparado para um coice mas fui acariciado de tantas maneiras pelo sabor que foi impossível não me apaixonar. O álcool é realmente presente (a garrafa que provei tem 58.6%) mas depois dele o que se revela são ondas constantes de suaves sabores. Tentei tomar vendo um filme de Godart mas acabei apenas abrindo a porta da varanda, deixando a vida entrar.

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