Dar um nome para um ser humano é uma grande responsabilidade. É por meio do nome que a pessoa se relacionará com as demais. O nome é o cerne da identidade individual de cada um – é a marca de um ser distinto, que se identifica por aquela palavra. Diz-se até mesmo que o nome pode influenciar na vida futura profissional e amorosa da pessoa. Faz sentido. Exceto se você for herdeiro de um megaconglomerado aeroespacial, se chamar X Æ A-12 não ajudará muito a encontrar um amor. Ou um emprego.
No Brasil, há uma série de nomes que são, inclusive, proibidos. Dentre eles estão Calcinha, Inexistente, Dita-cuja, Taturana, Cadáver, Suruba, Andarilho, Bizarro, Sujismundo e – maravilhosamente, se você me perguntar – my precious. Triângulo é também um nome proibido. O que é surpreendente, por que as demais formas geométricas tão liberadas. Então, você pode batizar seu bebezinho de hexágono, cilindro, toroide ou octaedro. Mas, triângulo não.
Dar nome a coisas é bem mais fácil. Quando comecei este blog, não tinha certeza de nada. Mas, o nome O Cão Engarrafado parecia o único possível. E até hoje adoro. Especialmente quando alguem grita “Cão” na rua e eu olho. “Caledonia” para nosso querido bar, também foi assim. E quando a destilaria Lamas, de Minas Gerais, nos chamou para criar a primeira edição colaborativa de um single malt, nada parecia mais natural do que simplesmente estender o nome. “Lamas Caledonia”.
Acontece que descobrimos, surpresos, que Caledonia é um nome controverso para um whisky. Lisongeados, recebemos um puxão de orelha de uma certa associação internacional – a mesma que proibiu a Compass Box de usar ripas de madeira em seu Oak Cross. Um puxão seguido de uma medida mais, diremos assim, contundente. Segundo eles “Caledonia”, no rótulo de um whisky, poderia induzir o consumidor a pensar que se tratava de um scotch whisky. Mesmo com os dizeres “Lamas Destilaria – Minas Gerais” na base.
Por conta disso, o whisky recebeu outro nome, talvez, bem menos polêmico. The Dog’s Bollocks! Uma alusão direta aos documentos do cão, mas, também, uma expressão usada no Reino Unido quando algo é surpreendentemente bom. No final, acredito que a mudança tenha vindo em boa hora. A quarta edição é um tanto diferente das três primeiras, e seria até egoísmo de nossa parte não individualizá-la.
Nosso Dog’s Bollocks é um single malt triple-cask finished. A primeira expressão da Lamas a usar malte turfado, maturado em barris de ex bourbon e finalizado em barris de double IPA, combinado com malte não defumado finalizado em barris de rum, e malte defumado maturado em barricas que foram temperadas na destilaria com vinho moscatel brasileiro. Foram produzidas, ao todo, 500 garrafas. Desta vez, sem números individuais, para não dar briga.
O desenvolvimento do The Dog’s Bollocks seguiu semelhante à dos demais whiskies. A ideia surgiu de produzir um whisky levemente defumado, finalizado em moscatel. Afinal, os moscatéis brasileiros estão em diversos rankings de melhores vinhos do mundo. Aqui, a Lamas se superou. Comprou vinho moscatel especial, e temperou os barris cuidadosamente, para depois colocar seu Nimbus. A finalização levou quase um ano. Trocamos amostras e impressões durante este período. Inclusive, de outros whiskies, que estavam sendo desenvolvidos em paralelo com nosso Dog’s.
Dentre eles, duas amostras chamaram a atenção. Um single malt turfado finalizado em barris de IPA – o primeiro single malt turfado da Lamas. E uma amostra específica de malte não defumado, maturado nos barris do rum Norma. O mesmo do Lamas Rarus. Depois de alguma discussão, muitas doses e testes, resolvemos juntar tudo e acertar a proporção. Metade de Norma, 30% turfado IPA, 20% defumado Moscatel.
O resultado foi um single malt mais leve que as edições anteriores, mas igualmente complexo. O moscatel traz notas de levedura e chocolate branco, com o conhecido sândalo da cevada defumada da Lamas. O rum, coco e alcaçuz. E o turfado, um defumado apimentado e herbal, que amarrou tudo em algo coeso.
Mas faltava um único detalhe. Algo importantíssimo, capaz de determinar o sucesso ou fracasso de nossa criação no mundo. Que, pelo prólogo desta matéria, você já deve ter deduzido o que é. O elemento de identidade. O nome. The Dog’s Bollocks parecia perfeito para uma criação da Lamas Destilaria e deste Cão. É como queremos que as pessoas o chamem. Ou melhor, exclamem, ao tomar uma dose. The Dog’s Bollocks!
LAMAS THE DOG’S BOLLOCKS
Tipo: Single Malt
Destilaria: Lamas
País: Brasil
ABV: 46%
Notas de prova:
Aroma: enfumaçado e adocicado, com própolis e baunilha.
Sabor: frutas amarelas, coco, baunilha. O final vai se tornando progressivamente enfumaçado e apimentado.
Prezado canídeo,
Este single malt passa pelo processo de filtragem a frio?
Fala George. Não passa, e é cor natural 😉
Amigo Cão gostaria aqui de dar uma sugestão, que tal vender uma seleção pré-determinada de whiskies diretamente no site do Caledonia? Eu sei que tem que adaptar o site para virar e-commerce, mas além de whiskies, poderia vender também acessórios de coquetelaria, taças, camisetas temáticas e muitas outras coisas, que tal?
Prezado, realmente uma proposta interessante. Qual o tempo que passa nas madeiras?
Daniel, a idade nao é divulgada. Mas somando tudo, uns 5 anos