New York Sour Clarificado

Plantar feijão no algodão e prender gelo no barbante usando sal são dois experimentos que quase toda criança já fez. Mas, a preferida, sem dúvidas, é o chafariz de Coca e Mentos. O experimento é tão famoso que há até composições artísticas, com fotos elaboradíssimas. A Coca-Cola com Mentos não é só um experimento científico infantil. É quase uma lenda.

E como quase todas as lendas, ela pode ser moldada ao prazer do interlocutor. A vovó diria que olha só, esse negócio explode porque é tudo porcaria, feito de borracha e produto químico. Meu filho, inquisitivo, indagaria o que aconteceria com o estômago dele se bebesse o refrigerante e engolisse uma balinha logo em seguida. Será que eu ia explodir também, papai? O mais curioso é que até pouco tempo, não havia consenso sobre a razão do curioso fenômeno.

Atualmente, a teoria mais aceita envolve tensão superficial e carbonatação. O mentos não é perfeitamente liso. Suas reentrâncias fazem que as ligações entre o líquido e o dióxido de carbono (o gás) se desestabilizem, causando o aparecimento de bolhas. Essas bolhas provocam mais bolhas, em uma reação em cadeia que culmina numa erupção curiosamente fascinante e ao mesmo tempo meio nojenta. A razão, entretanto, é vencida pela prática. Fazer o chafariz de coca-cola é divertido, independente do porquê.

Testar coisas está em nossa natureza. Desde criança até a fase adulta. O que muda, na verdade, é a experiência. E hoje trago uma para vocês, queridos leitores, ébrios cientistas da manguaça. O coquetel clarificado. Mais especificamente, o New York Sour clarificado, que ainda conta com um float de vinho tinto, que também é pura ciência.

A história do New York Sour vocês já conhecem, porque já falamos dele aqui. Apesar do sugestivo nome, o New York Sour não foi criado em Nova Iorque, mas sim em Chicago. Um bartender daquela cidade, em meados de 1880, começou a decorar seus whisky sour com um poquinho de vinho tinto. Naquela época, o coquetel era conhecido como Continental Sour ou Southern Whisky Sour. Mas durante a época da lei seca norte-americana, a invenção tornou-se popular na cidade de Nova Iorque.

O que talvez você não conheça é a história da clarificação – de bebidas, pelo menos. De acordo com o historiador de coquetelaria Dave Wondrich, no século dezoito já se usava de leite para clarificar misturas. A ciência, entretanto, tinha fundamento na necessidade. Como a maioria dos coquetéis era ácido, misturava-se leite para que ficassem menos agressivos ao estômago.

Descobriu-se que, misturando leite às bebidas ácidas, havia uma aglutinação quase instantânea. Ao filtrar essa mistura, tinha-se um coquetel visualmente translúcido, que retinha pouco da cor original, mas trazia todo seu sabor, aliado a uma textura incrivelmente sedosa. Aprendeu-se também, talvez na tentativa e erro, que os coquetéis clarificados duravam muito mais, e podiam ser armazenados por meses.

Note, entretanto, entusiasta da coquetelaria, que atualmente há outras técnicas de clarificação que não utilizam leite. Pode-se usar gel – agar agar, por exemplo – ou uma centrífuga de laboratório. Entretanto, como não sou proprietário de uma rede de diagnósticos e não tenho à minha disposição um equipamento de mais de cem mil reais, optei, resignado, pelo leite.

Além da técnica de clarificação, que já é fascinante por si, o New York Sour clarificado traz outra lição de ciência. A da densidade dos líquidos. Ao adicionar cuidadosamente o vinho tinto sobre o coquetel, você notará que os dois não se misturam. O vinho permanece na superfície do coquetel. Isso tem a ver com suas densidades. O coquetel clarificado é mais denso – e ainda mais denso do que o original, por conta da clarificação. O vinho é mais leve, e permanece na superfície.

Por isso óleo e água não se misturam também.

Mas agora, sem o papo pseudocientífico. Vamos à praxe. Façam seus mis-en-places e vamos a um drink que é melhor do que muita aula de ciências. Mesmo porque, na aula de ciências, você normalmente não pode beber sua experiência no final. O New York Sour clarificado.

INGREDIENTES

  • 200ml whisk(e)y (escolha o seu preferido. A receita original leva bourbon)
  • 100ml limão siciliano
  • 80 ml xarope de açúcar 1:2
  • 200ml de leite
  • Vinho tinto (para finalização)
  • gelo
  • filtro de café
  • funil
  • 3 mixing glass ou copos

PREPARO

  1. Monte o coquetel como se fosse fazê-lo em um mixing glass. Ou seja, adicione o whiskey, limão siciliano e o xarope de açúcar. Não coloque gelo. Só misture tudo.
  2. Essa parte é importante e não deve ser invertida. Num mixing glass (ou copo) coloque o leite. Depois, desça o coquetel sobre o leite. Observe que ele irá talhar quase instantaneamente. Não mude essa ordem. Adicionar o coquetel ao leite garante que todo líquido entrará em contato com o leite. O contrário causará irregularidade.
  3. Instale o filtro de café no funil, e coloque-o em cima do mixing glass. A ideia é que ele ajudará a filtrar a mistura.
  4. Desça a mistura inteira no funil com o filtro. Se tiver dado certo, vai começar a pingar o líquido clarificado.
  5. Reserve o líquido clarificado em uma garrafinha.
  6. Para servir, basta colocar gelo em um copo, adicionar o coquetel clarificado e depois, com a ajuda de uma colher, descer o vinho vagarosamente sobre a superfície.

Dicas:

  • As primeiras gotas do liquido clarificado não serão tão… clarificadas. O jeito mais fácil de resolver isso é simplesmente pingar de volta as primeiras gotas à mistura.
  • O coquetel deve ficar translúcido, sem pedacinhos de nada nadando ou boiando. Se isso acontecer, você fez errado. Faça uma nova filtragem, com novo filtro de café.
  • Você pode fazer uma segunda clarificação, ou uma segunda filtragem, para remover impurezas. Não vai mudar muito o sabor do seu drink, e a aparência fica bem melhor.
  • Limão é um ingrediente bem efêmero. Seu suco oxida rapidamente. Se você achar que está demorando demais, ou se não quiser dar uma de fiscal de filtragem, faça o processo de clarificação na geladeira. Vai garantir por mais tempo o frescor do limão.

9 thoughts on “New York Sour Clarificado

  1. Cão, perdão pela pergunta deveras ignorante, mas xarope de açúcar na proporção 1:2 seria uma parte de água para duas de açúcar ou o oposto? Obrigado!

    1. Opa! Fala mestre. Não tem essa coisa de pergunta ignorante. É 2 de água pra 1 de açúcar

  2. Que post legal! Fiquei pensando se não pega o gosto do leite mas o “gosto do leite ” provavelmente fica com os resíduos sólidos no filtro, correto? Muito legal, embora um pouco aflitivo! Haha

    1. Não fica não, ele puxa só uma notinha meio cremosa, mas, de sabor, nada. Agora, calmaí – para os intolerantes à lactose, não recomendo.

  3. Caro Maurício,

    Fiquei desconfiado com a possibilidade de interferência por diluição causada pela água adicionada com o leite. A partir da sua receita, executei a alquimia abaixo.

    Base.

    Whiskey 2
    Suco Limão 1
    Syrup 0,8
    Leite 2

    Transformei em medidas clássicas para coquetéis.

    Whiskey 2 oz
    Suco Limão 1 oz
    Syrup 3/4 oz
    Leite 2 oz

    Multiplique por 1,5 para tornar prático os ajustes em mente, que é a redução da participação da água presente no leite.

    Whiskey 90 ml
    Suco Limão 45 ml
    Syrup 33,75 ml
    Leite 90 ml

    Eliminei a quantidade de água que seria adicionada no syrup e utilizei apenas metade do volume de leite.

    Receita final.

    Whiskey 90 ml
    Suco Limão 45 ml
    Calda Agave 15 ml
    Leite 45 ml

    Realizei a filtração com duas folhas de papel-filtro e na geladeira para garantir o frescor do suco de limão.

    O resultado foi um filtrado amarelado, mas perfeitamente transparente, ou seja, o processo de clarificação funcionou perfeitamente. O sabor me agradou bastante.

    Grato pela dica. Tentarei a clarificação com outros coquetéis. Se tivesse crème de viollette tentaria um Aviation clarificado. Estou pensando em fazer um crème de violette tabajara a partir de Monin Violeta e vodka (50/50). Vou pensar.

    Forte Abraço

  4. Salve meu caro, sempre estou por aqui aprendendo com você mas nunca comentei nada… tenho uma dúvida sobre a validade desse processo de clarificação. Posso armazenar na geladeira por 1- 2 semanas?
    Desde já eu agradeço. E digo mais, que trampo legal esse seu aqui viu. Abraços de Minas Gerais.

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