Dia Internacional da Mulher – Mulheres do Whisky II

Este é o segundo texto sobre mulheres no mundo do whisky, publicado aqui no Cão Engarrafado. O primeiro contou com a participação da Carolina Ronconi, autora do blog Meninas no Boteco. Confira o texto aqui.


Verão de 1932. A jovem Bessie Williamson desembarca na remota ilha escocesa de Islay. É seu primeiro dia em um trabalho temporário – datilógrafa de Ian Hunter, proprietário e diretor da Laphroaig, uma das mais conhecidas destilarias da ilha. Seu objetivo é permanecer por apenas três meses e reunir dinheiro para seguir seu sonho: tornar-se professora.

Hunter é um homem irascível, mas sua personalidade geniosa parece poupar a menina. Com o tempo ela ganha sua confiança, e aquele trimestre se estende por mais de meia década. A garota– agora com vinte e oito anos – não pensa mais lecionar. Atenta, tenaz e muito inteligente, ela aprende todos os detalhes do trabalho de Ian.

Em 1938 Ian sofre um derrame e falece alguns anos mais tarde. Sem filhos, deixa o negócio da família para Bessie, que acaba tornando-se a mais importante mulher na trilha do whisky até então. Em um dos mais difíceis momentos da humanidade – a Segunda Guerra Mundial.

Eram tempos de guerra, e Williamson consegue convencer o ministério da defesa do Reino Unido a poupar os armazéns da destilaria – que poderiam ser usados como depósitos secretos de armamento. Ela também percebe que sua destilaria precisa mudar de foco para prosperar. Começa então a viajar o mundo, como a primeira embaixadora mundial da bebida. Seu plano dá certo, e as vendas da Laphroaig decolam.

Bessie

Mas Bessie não é a única. Pelo contrário. Ela é uma das muitas mulheres que, com dedicação, esforço e talento, enfrentaram as regras de um mercado iminentemente machista, e provaram que o whisky está longe de ser uma bebida naturalmente masculina.

Conheça aqui mais quatro grandes mulheres importantíssimas para a história e apreciação da melhor bebida do mundo.

ELIZABETH CUMMING

Elizabeth Cumming foi a sobrinha de Helen e John Cumming, fundadores da destilaria Cardhu – hoje, um dos principais componentes dos mundialmente conhecidos blended scotch whiskies da Johnnie Walker. Elizabeth, no entanto, foi muito mais do que uma simples proprietária e diretora. Sob seu comando, a Cardhu foi reconstruída e expandida, ganhou fama e reconhecimento.

E foi graças a Elizabeth que a Johnnie Walker se interessou por aquele negócio. Se não fosse por ela, talvez a cena atual do whisky fosse bem diferente do que é.

ALWYNNE GWILT

Nossa vida pode mudar em poucos segundos. Esta foi a impressão de Alwynne, após participar de uma degustação de whiskies em uma conhecida loja de Londres. Sua paixão e identificação foi imediata.

Em 2011 Alwynne fundou o website misswhisky.com, que fornece informação sobre tudo aquilo que orbita a bebida. A página contém entrevistas com algumas das mais importantes mulheres para a indústria do whisky, além de notícias e histórias sobre o whisky e as incríveis mulheres deste universo. Seu objetivo é desmistificar a crença de que o whisky não é apreciado por mulheres.

ALICE ELIZABETH PARSONS

Alice Parsons é a autora do livro Lore of Whisky, uma das mais importantes publicações especializadas na bebida, e o primeiro livro sobre whisky escrito por uma mulher. A obra fornece um panorama completo das diversas variedades de whisky e sua produção. Segundo ela, o whisky pode mover qualquer pessoa. Seja algo adorado ou desprezado, todo mundo se interessa. Quem poderia discordar?

PAULA LIMONGI

Paula é a representante brasileira dessa lista de ilustres mulheres que apreciam whisky. Formada em jornalismo, Limongi tornou-se embaixadora da Chivas Regal na cidade que mais consome whisky per capita fora da Escócia – Recife.

Para Paula, beber a “água da vida” é algo cultural. Em Recife, Limongi cresceu rodeada pelo consumo de whisky – principalmente na praia, inclusive por mulheres. Sua avó, mãe e tias sempre apreciaram a bebida.

Hoje o trabalho de Paula é promover os whiskies da Chivas Regal e marcas relacionadas, como The Glenlivet e Ballantine’s, organizar degustações e atividades relacionadas a whisky em Recife, propagando – inclusive entre as mulheres – o gosto pela bebida que tanto nos fascina.

Monotemática – Grant’s Family Reserve

A querida Cã me disse hoje que quando estou produzindo algum texto para o blog, as vezes fico uma pessoa monotemática. Ela disse aquilo de uma forma meio neutra, quase como uma constatação científica. E aí, fiquei pensando se era um elogio ou uma crítica. Poderia ser um agrado, afinal, como escreveu Jenny Holzer uma vez em um de seus clichês-pastiches, “a monomania é um prerrequisito para o sucesso”.

Não consegui decidir qual o tom daquela sua frase. No entanto, enquanto refletia, acabei tendo meus pensamentos sequestrados por uma ótima ideia para mais uma prova deste blog.  Falar do Grant’s Finest, um whisky criado por um cara que também tinha uma certa fixação por whisky – William Grant. Antes de analisar o blended whisky, vou contar um pouco a história deste distinto cavalheiro.

William Grant nasceu em Dufftown, Banffshire, em 1836. Trabalhou em uma fábrica de sapatos e na famosa destilaria Mortlach, onde tornou-se rapidamente gerente. Mas William era um homem obstinado e ambicioso – ou melhor, monotemático. Seu sonho era possuir a própria destilaria. E isto tornou-se realidade quando soube que a Cardow (essa é a Cardhu de hoje em dia) venderia seus equipamentos. Com uma oferta de pouco mais que £119,00, conseguiu comprar tudo que precisava.

Menos do que custa um Glenfiddich 21 anos hoje em dia!

Vou ter aqui que fazer uma pequena intermissão em minha própria narrativa. É que disse que William era monotemático. Isso é mentira. Ele era algo como bi-temático. Sua segunda (ou primeira, vai saber) grande paixão era ter filhos. Grant tinha nove deles. Assim, tendo conseguido o equipamento, nada mais natural do que empregar a própria família como mão de obra para construir sua herança.

Em 1887 a obra estava concluída, e a destilaria foi ativada. William Grant batizou-a de Glenfiddich – que significa “vale do cervo”. Imagino que, neste ponto da história, nosso protagonista não sabia bem o que pensar. Se ficava feliz por ter atingido seu objetivo ou triste, por te-lo alcançado e agora não ter mais nada a perseguir.

Aparentemente, foi a segunda alternativa. Porque em 1892 ele resolveu novamente empregar seu sindicato hereditário para construir uma segunda destilaria quase adjacente à primeira. Aquela, por sua vez, foi batizada de Balvenie – em homenagem ao palácio homônimo pertencente ao Duque de Fife, também muito próxima. William faleceu em 1923, quando as duas destilarias já estavam bem estabelecidas.

No início, as duas destilarias forneciam exclusivamente maltes para a produção de blended whiskies, comercializados com um rótulo próprio, cujo nome variou bastante ao longo dos anos, até estabelecer-se finalmente como Grant’s Family Reserve. Onde desembocamos, finalmente, no blended scotch whisky tema desta prova.

O Grant’s Family Reserve possui, até hoje, os single malts The Balvenie e Glenfiddich em seu coração. Além deles há um terceiro single malt, de uma terceira destilaria construída em 1990. A Kininvie, também pertencente à família Grant. Estes três maltes são, aliás, justamente a composição de um blended malt já revisto nestas páginas caninas. O Monkey Shoulder. O Family Reserve, porém, leva também outros single malts, além de whisky de grão da destilaria Girvan – que, adivinhem, também é da familia Grant!

Girvan

Jim Murray, um dos mais conhecidos especialistas em whisky do mundo, em seu livro “Classic Blended Scotch“, descreveu o Grant’s Family Reserve como “um whisky espetacular, um dos mais complexos blends que a indústria jamais produzirá“. Este Cão, em sua humildade, está muito longe da envergadura e experiência de Murray. No entanto, ele suspeita que o grande crítico tenha sido sensivelmente hiperbólico em seu comentário.

O Grant’s Family Reserve é um blend leve – aliás, bem leve – de sabores suaves e quase nenhuma defumação. Ao contrário do que escreveu Jim, ele não é exatamente um whisky multifacetado (exceto no que se refere à garrafa triangular). Mas o que ele perde em complexidade, ganha em drinkability. Não há qualquer dificuldade em bebê-lo puro, além de ser um whisky ótimo como base para coqueteis que exigem scotches mais neutros.

No Brasil, uma garrafa do Grant’s Family Reserve custa, em média, R$ 80,00 (oitenta reais), para um litro do líquido. É um ótimo preço pela oferta. Assim, se você está em busca de um whisky bem honesto e que agradará a maioria dos gostos, o Grant’s Family Reserve é uma excelente opção. Pode ficar tranquilo e voltar a pensar em outra coisa. Deixe a monomania e a monotemática com a gente.

GRANT’S FAMILY RESERVE

Tipo: Blended Whisky sem idade definida (NAS)

Marca: Grant’s

Região: N/A

ABV: 40%

Notas de prova:

Aroma: adocicado, malte, mel.

Sabor: Adocicado, açúcar refinado, mel, cereais. Muito leve e fácil de beber. Bem menos agressivo do que outros whiskies em sua faixa de preço.

 Preço: em torno de R$ 80,00 (oitenta reais)

 

Luxo Portátil – The Trunk by The Macallan

O pôr do sol projetado em feixes, atravessando as diminutas janelas de um enorme hangar. Em seu interior, jatos executivos, helicópteros e automóveis de luxo, dividindo espaço com elegantes homens de terno. No porta-malas de um esportivo, uma belíssima caixa de couro, contendo três garrafas de single malt The Macallan e um curioso aparato cor de cobre.

Pode parecer o prólogo de algum filme de James Bond. Se fosse, no entanto, os homens estariam armados. Aquela curiosa peça de metal maciço provavelmente seria uma ogiva nuclear, pronta para aniquilar a cidade. E todos estariam tensos, aguardando a chegada do agente menos secreto do mundo.

Mas lá não havia nenhuma tensão. Aliás, muito pelo contrário. Todos pareciam relaxados, e conversavam animadamente com copos de whisky na mão. Porque aquilo não era um filme de espião. Era o Hangar Passaro Azul em Congonhas. Foi lá que aconteceu o lançamento de um exclusivíssimo kit da The Macallan na última quarta-feira, dia 22 de fevereiro. O The Trunk, um baú de madeira produzido artesanalmente, revestido de couro nobre e alcântara em seu interior. Interior, aliás, recheado de maravilhas.

O The Trunk contém um Ice Ball Maker – uma peça metálica capaz de moldar os famosos gelos esféricos, perfeitos para gelar a bebida, mas com a menor diluição possível – copos tumbler exclusivos e uma pinça de cobre. O kit ainda conta com uma garrafa de cada expressão da destilaria à venda no Brasil: Amber, Sienna e Ruby. Cada um sai pela pechincha de R$ 15.000,00 (quinze mil reais). Os baús são numerados e gravados a mão.

O Lançamento do The Trunk contou também com a participação da CB Air, conhecida empresa de fretamento de jatos e helicópteros executivos e da concessionária CB Motors, especializada em Mercedes-Benz. Os baús foram distribuídos nos automóveis e aeronaves e pareciam absolutamente integrados com o ambiente luxuoso. Aliás, um dos destaques do evento – além dos belos whiskies, claro – foi a possibilidade de visitar o interior das aeronaves e conhecer um pouco mais sobre seus detalhes.

Caso você esteja preocupado, ele também cabe dentro do seu Agusta AW139.

Apesar do peso do Ice Ball Maker, o The Trunk foi desenvolvido para ser totalmente portátil. As paredes da caixa e ferragens são ultra-resistentes e o peso é uniformemente distribuído quando carregado. As garrafas, copos e a peça de cobre são presas por resistentes tiras de couro, garantindo que mesmo na turbulência mais intensa, nenhum The Macallan seja desperdiçado no carpete de seu jatinho.

Se você se interessou pelo The Trunk e tem o capital necessário para a empreitada, saiba que há apenas onze peças disponíveis. Elas poderão ser adquiridas em contato direto com a Aurora, responsável pela importação dos single malts The Macallan para nosso país.

Tão portátil que cabe em um hangar gigantesco, junto com seus dois jatos particulares, dentro de sua Mercedes ML.

 

 

Bebendo o Oscar – Whiskies para assistir os filmes do Oscar

Whiskies para o Oscar - O Cão Engarrafado

Ligo a televisão e sou imediatamente lembrado. Estamos nos aproximando do Oscar, a mais conhecida – e consequentemente polêmica – premiação no mundo do cinema.

O Oscar é um déja-vu anual, quando centenas de celebridades se reúnem sob um tapete vermelho assistir a Merryl Streep levar uma estatueta para casa. Há também uma festa com entrevistas, onde você pode novamente ouvir informações relevantíssimas, como a que a Cate Blanchett é a mais bem vestida, e meios-discursos traduzidos para o português tão bem quanto os títulos dos filmes indicados.

Apesar do calvário que é ver a premiação, eu gosto do Oscar. E me obrigo a, anualmente, assistir ao maior número de filmes com indicações. Não sei bem porque, afinal, minha opinião sobre eles é tão relevante quanto a de uma criança de três anos sobre astrofísica.

Este ano, porém, resolvi colocar este inútil exercício de tenacidade em bom uso. Escolhi quatro filmes que assisti e os relacionei com algo que tenho mais liberdade para faler sobre. Whisky. O resultado foi esta improvável lista, comparando alguns momeados pela Academia com o melhor líquido do mundo. Pode parecer inútil, e na verdade é. Mas com um pouco de abstração, você poderá escolher o filme a assistir com base em seu paladar para whisky.

And the Oscar goes to…

Hell Or High Water

hell or high water - Cão engarrafado

Hell or High Water – A Qualquer Custo, em português – conta a história de dois irmãos  que fazem de tudo para salvar o sítio da família, no interior do Texas. De tudo, menos renegociar o vencimento da dívida (o que resolveria o problema, mas aí, não teria filme). Como nos clássicos filmes de faroeste, os irmãos preferem recorrer às vias de fato assaltando bancos. A primeira impressão que temos é que os dois são caubóis amadores, desesperados e com pouca metodologia. No entanto, no decorrer do filme, percebe-se que há uma certa meticulosidade. E que há muito mais por trás de seus atos do que simplesmente proteger um pedaço de terra seca.

O filme tem um quê de Paris, Texas. Sem a Natassja Kinski. E sem a direção de Wim Wenders, e sem a profundidade existencialista deste. Mas, assim como ele, há muitas cenas de deserto, estradas retas e lugares (para ser politicamente correto) pitorescos.

Ainda assim, Hell or High Water é um bom western. Um western que se passa nos tempos modernos. Assim, nada mais natural do que escolher o Bulleit Bourbon como seu acompanhante ideal. Um whiskey que se autodenomina Frontier Whiskey, com rótulo torto e cara de mal encarado. Mas, na verdade, um bourbon recém-lançado (a Bulleit foi fundada em 1987), relativamente domesticado e excelente para coquetelaria ou para se tomar puro. Prazer descomplicado sem apelação.

La La Land

La la land - O cao engarrafado

Cara, como eu odeio musicais. Só tem uma coisa no cinema que me irrita mais do que aquele momento em que o personagem começa a cantar um diálogo com o outro: gente comendo pipoca. Mas, por sorte, em La La Land não tive que aturar nenhum destes martírios.

Minha sessão estava praticamente vazia, e as músicas não atrapalham – nem contribuem, veja bem – para a narrativa. Então tudo bem. La La Land é, aliás, basicamente isto. Uma comédia romântica musical para quem não gosta muito de comédias românticas, nem musicais. O que é uma outra forma de dizer que ele não é bom nem como comédia, nem como musical. Por outro lado, a leveza do filme, aliada à excelente direção de Damien Chazelle, o tornam difícil de se detestar.

Por conta disso, talvez seu par perfeito no mundo dos whiskies seja o Chivas Regal 18 anos. Equilibrado e suave, seu principal propósito é agradar aos mais diferentes paladares. Apesar disto – e ao contrário do musical de Chazelle – o Chivas 18 agradará tanto aqueles que procuram suavidade quanto os que buscam personalidade.

Manchester a Beira Mar

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Manchester by the Sea, milagrosamente traduzido como “Manchester a Beira Mar”, é um filme sobre tristeza e perdão. Só que bem mais tristeza do que perdão. A película conta a triste história – atual e pregressa – de Lee Chandler, um homem desiludido que se vê obrigado a assumir a guarda de seu sobrinho de dezesseis anos após a morte de seu irmão e pai do rapaz. Tudo no filme parece remeter a languidez. A tristeza dos personagens é complementada por cenas de Manchester cinza e cheia de neve, ao som de violinos tocando uma espécie de réquiem. É de se cortar os pulsos ao som de Mendelssohn. Há certo humor subliminar, mas o drama é o grande imperador do filme.

Drama e oceano. Nada mais apropriado, neste caso, do que um representante de Islay. Ficamos entre o Laphroaig Quarter Cask e o Ardbeg 10 anos. São whiskies defumados e com clara influência marítima. Assim como o filme, não são fáceis – inclusive, a Laphroaig admite que seus maltes são uma questão de “ame ou odeie”. Nós adoramos.

A Chegada

arrival - o cao engarrafado

A Chegada (também incrivelmente traduzido fidedignamente do inglês The Arrival) é um filme de ficção científica de Denis Villeneuve, diretor de muitos filme quase-legais que a gente quase consegue gostar, como Sicario e Os Suspeitos (Prisioners). Mas, ao contrário de seus predecessores, The Arrival é realmente bom, sem quases.

O filme estrela Amy Adams no papel de uma talentosa linguista chamada pelos Estados Unidos para tentar se comunicar com uns extraterrestres – conhecidos como heptapods – que surgiram na Terra em naves parecidas com M&Ms gigantes. A missão de Amy é descobrir por que eles resolveram vir até aqui. Mas a tarefa não é simples. Porque – sem estragar o filme caso você não tenha visto – a linguagem dos ETs, assim como quase toda linguagem do mundo, passa pela noção que aquelas criaturas tem de conceitos como tempo e vida. Esses conceitos não apenas se expressam na linguagem, mas também nas atitudes dos heptapods. 

Há romance, há drama familiar e há (bem pouca) violência. Afinal, é um filme de Hollywood. Mas, apesar de tudo isto, para este ébrio Cão, por trás de toda parte pseudo-científica, A Chegada é um filme sobre a linguagem, suas ambiguidades e limitações. E, bom, sobre ETs.

Talvez o whisky mais apropriado para descrevê-lo seja o japonês Yamazaki 12 anos. Complexo, mas capaz de ser apreciado mesmo por aqueles que não estão buscando descriptores aromáticos a cada gole. Uma pena que sua importação tenha cessado, e ele não esteja mais disponível em terras tupiniquins. Quer dizer, até ele voltar. E sumir de novo. E voltar. Não entendeu? Pare de ler e vá ver o filme.

 

 

 

Drops – Compass Box The Lost Blend

Compass Box Lost Blend 3 - O Cão Engarrafado

Em 1903 o contista William Sydney Porter – mais conhecido como O. Henry e afamado por dar finais surpreendentes a suas tramas – publicou um livro de contos chamado The Trimmed Lamp. Dentre as historietas lá contidas havia uma intitulada The Lost Blend (o Blend Perdido).

The Lost Blend narrava as obstinadas tentativas de uma dupla de bartenders em criar um blend – na verdade, um coquetel – que seria capaz de imprimir a mais pura coragem até no mais covarde dos homens. Este blend teria sido encontrado em um barril misterioso, mas acabara. E agora, os dois homens tentavam, incessantemente, combinar os mais diferentes elementos etílicos de forma a recriar aquele destilado encantado. Porque, realmente, somente álcool mágico nos torna  mais corajosos.

O conto é quase um curta-metragem de youtube dos dias de hoje. Em suas cinco páginas, ilustra de uma forma bem humorada o cotidiano de um incomum bar em Nova Iorque, no início do século XIX. Mas apesar de O. Henry ter sido um dos maiores contistas de seu tempo – comparável a Mark Twain até – não há nada de extraordinário em The Lost Blend que o destacasse do restante da obra do escritor.

Acontece, porém, que mais de um século depois, aquela narração ganhou novamente um certo destaque. É que a Compass Box Whisky Co., uma boutique dedicada a criar blended whiskies de extrema qualidade, resolveu homenagear o escritor, lançando um blended malt com o mesmo nome do conto.

A história do The Lost Blend – o whisky, não a peça literária – é bem interessante. Em 2001 a recém fundada Compass Box criou seu primeiro blended malt, chamado Eleuthera. O nome teria sido inspirado pela ilha homônima nas Bahamas, onde John Glaser, ex-diretor de marketing da Johnnie Walker e presidente e fundador da Compass Box, concebera a ideia do whisky durante suas férias.

Compass box lost blend - eleuthera
Lugar bonito pra inventar um whisky.

Este Cão teve a oportunidade de experimentar o Eleuthera quando ele já fazia parte do passado. Ele fora descontinuado em 2004 – apenas três anos após seu lançamento – por conta da falta de um de seus ingredientes chave.  Um certo Clynelish de quinze anos de idade. Ao abandonar a produção de seu blended malt primogênito, John Glaser declarou que não teria conseguido encontrar nada que pudesse substituir aquele single malt. Assim, tomou a difícil decisão de extingui-lo.

Desde então, Glaser explorou todos os cantos da Escócia, de leste a oeste, norte a sul, por barricas que contivessem um substituto à altura. Demorou dez anos. Uma década depois ele finalmente o encontrou na forma de um barril de caravalho americano de  Allt-A-Bhainne. Para prestar homenagem ao finado Eleuthera, a Compass Box batizou seu novo (ou melhor, ressuscitado) whisky de The Lost Blend, em expressa referência à historieta de O. Henry. E aproveitando a temática de res derelicta, criou três rótulos diferentes, cada um com uma porção de coisas que teriam deixado de existir – algumas bem lúdicas, como o navio RMS Lusitania e o extinto Dodô (o pássaro, não o jogador).

A Compass Box Whisky Co. tem ganhado fama por sua reputação rebelde e desafiadora.  Tanto é que há alguns anos, a empresa lançou uma campanha de transparência na indústria do whisky, e resolveu divulgar a composição exata de todos os seus produtos. Apesar de protestos de grandes produtores e da Scotch Whisky Association, a Compass Box contornou o problema e até hoje mantém sua campanha ativa. Graças à rebeldia da empresa, aliás, sabemos que o The Lost Blend é composto exatamente de  70.8% Clynelish, 22% Caol Ila e 7.5% do precioso Alt-A-Bhainne. Não há filtragem a frio nem utilização de corante caramelo.

O The Lost Blend é equilibrado e distinto ao mesmo tempo. É um blended malt que agradará tanto aqueles que são apaixonados pelos maltes turfados quanto os que apreciam whiskies adocicados. E mais, é um blended malt que certamente agradará até mesmo aqueles que preferem tomar apenas single malts. Isto é, se você tiver a sorte de encontrar um. Por conta da raridade do Allt-A-Bhainne, o The Lost Blend foi lançado como uma edição limitada, de 12.018 garrafas.Quando estas estiverem esgotadas, ele se juntará a todas aquelas coisas ilustradas em seu rótulo.

Quer dizer, até que outro substituto à altura seja encontrado.

COMPASS BOX THE LOST BLEND

Tipo: Blended Malt sem idade definida

Marca: Compass Box Whisky Co.

Região: N/A

ABV: 46%

Notas de prova:

Aroma: Aroma adocicado e floral, com um pouco de fumaça e carvão.

Sabor: Mel, frutas adocicadas, dama-da-noite (sério!), uvas passas. Final progressivamente mais seco e defumado.

Disponibilidade: apenas lojas internacionais.

 

Por que não devemos ignorar blended whiskies

Blended Whisky - O Cão Engarrafado

Não sei se você acompanhou essa história, mas a Univerisdade de Oxford elegeu a expressão “pós-verdade” como a mais emblemática de 2016. Segundo eles, pós verdades são “circunstancias em que fatos objetivos são menos importantes em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e crenças pessoais”. Ou seja, mentiras.

Mas não quaisquer mentiras. Mentiras que apelam para a pior parte das pessoas: a emocional. É tipo quando alguém espalhou que a carne do McDonald’s é de minhoca. Ou quando Donald Trump disse que o Obama fundou o Estado Islâmico. Ou ainda quando minha filha disse que não tinha comido macarrão na hora do almoço e que me amava, só pra comer de novo na hora do jantar

E ainda que alguns boatos soem mais críveis que outros, sabemos muitos são tão verdadeiros quanto o cabelo do referido presidente eleito. O problema das pós-verdades é que elas estão por toda parte, mas, principalmente, na internet. Porque, na internet, todo mundo tem opinião sobre tudo e nenhum compromisso. Inclusive eu, escrevendo este texto. É como se meu modem equivalesse a um título internacional de especialista na vida.

Livre-docente
Livre-docente

Até assuntos que não deveriam ser nada polêmicos possuem pós-verdades. Como, claro, o whisky. A frase “só tomo single malt” traz, por trás de algo que parece uma escolha inocente, uma pós-verdade bem extrema. O falso conceito de que single malts são whiskies superiores aos blended whiskies. Que estes últimos são dedicados às massas, enquanto que aqueles são a bebida das pessoas esclarecidas.

Informações Burocráticas

Antes de tudo, vamos explorar aqui as diferenças entre blended whiskies e single malts. Estes últimos, são produtos de uma única destilaria, produzidos exclusivamente de cevada maltada, destilados em alambiques de cobre e maturados por, no mínimo três anos, em barricas de carvalho.

Blended whiskies por sua vez, são uma combinação de single malts de destilarias diferentes com whisky de grão. Este, produzido com quaisquer grãos, fermentado e, normalmente, destilado em destiladores contínuos. Whiskies de grão também devem descansar em barris por, no mínimo, um triênio.*

A maioria dos blends visa equilíbrio e suavidade. São produtos desenhados para agradar o maior número de pessoas. Vou fazer um paralelo com outra coisa que adoro aqui. Carros. Um blended whisky de luxo – desses que custam o preço de um single malt – é como um belo sedan executivo. Uma Mercedes-Benz classe E, por exemplo. Confortável, espaçosa e boa para quase tudo.

Single malts são um samba de uma nota só. Seus sabores são menos diversificados, mas, normalmente, muito mais profundos. Há geralmente um espectro de aromas e sabores claramente predominante. São produzidos de forma a ressaltar certas características. No nosso exemplo automobilístico, equivaleriam a um Porsche Carrera. Robusto, extremamente ágil e uma delícia para quem gosta de dirigir. Mas um terror para quem tem dor nas costas, ou só quer chegar do ponto A ao B sem pensar muito.

É, mas eu ainda prefiro o Porsche.

Okey. Você pode preferir o Porsche. Você pode, inclusive, argumentar que o Porsche Carrera é para quem se importa, para os esclarecidos sobre automobilística. E que a classe E é um sofá com rodas. Um belo sofá com rodas.

O problema desse argumento é a parte do esclarecido. Você pode ser esclarecido sobre whiskies e automóveis, mas será mesmo que aplica todo este conhecimento aristotélico em outros campos da sua vida? Bem, vamos falar sobre blends.

Blends não existem apenas no mundo dos whiskies. Eles estão por toda parte. Muitos vinhos – inclusive aquele Chateau Latour de três mil dólares – são blends de diferentes uvas. A maioria dos cafés são blends. Perfumes são blends. Aliás o perfume mais famoso de todos os tempos, Chanel No. 5, mais conhecido pelos homens como a única roupa que Marilyn Monroe usava para dormir, é um blend.

Olha, quando aquele Neanderthal resolveu que aliviaria sua lascívia com aquela Homo Erectus ou Sapiens (me ajudem aqui) duvido que a preocupação de criar uma “blended criança” – quer dizer, a gente – tenha passado pela sua cabeça.

Não passou. Mas eu só tomo single malts.
Não passou. Mas eu só tomo single malts.

Pode ser, porém, que você não use perfume, dirija apenas esportivos e beba apenas single malts, cafés single origin e vinhos single grape. Neste caso, você provavelmente é uma pessoa insuportável, e eu não quero te conhecer.

Mas estamos falando de whisky.

Perfeitamente. Perdão pela tergiversação. Responda então por que você bebe whisky. Se você é como este Cão, você provavelmente o faz porque acha que é a melhor bebida do mundo. Ao menos concordamos em alguma coisa.

Se este for o caso, então imagino que o importante é que a bebida seja gostosa. Que o sabor lhe agrade, lhe faça relaxar ou potencialize momentos alegres com seus amigos, ou mesmo sozinho. Neste caso, então, talvez a classificação não importe muito.

A falácia de que single malts são superiores a blended whiskies tem uma origem muito simples. Blended whiskies costumam ser o ponto de partida para aqueles que apreciam os maltes. É um processo de descoberta e ruptura. Ao descobrir o mundo dos single malts, rompemos com os blended whiskies – é uma quebra necessária e inevitável para que possamos nos arriscar. Até que, certo dia, descrevemos um arco imaginário, e voltamos a apreciá-los pelo que realmente são, sem generalizações.

Aliás, um dos maiores inimigos dos blended whiskies é justamente ela. A generalização, cada vez mais frequente no mundo cibernético das pós-verdades. No entanto, a realidade é bem mais tonalizada. Há single malts excelentes e outros medíocres. Assim como há blended whiskies ótimos, e outros que preferia ter minha língua arrancada por um pit-bull e dilacerada a ter que provar novamente.

Um exemplo de excelência são os blends produzidos pela iconoclasta Compass Box, uma boutique de whisky dedicada a criar apenas produtos de altíssima qualidade, desafiando as regras e tendências de mercado. É curioso que mesmo aqueles que tomam apenas single malts, tendem a excepcionar a Compass Box.

Algo tão prosaico como o desdém por blended whiskies passa também por algo que está bem em voga ultimamente, e está longe de ser trivial. A busca por identidade. A maioria das pessoas bebe blended whisky. Blended whiskies correspondem a aproximadamente 90% de todo consumo mundial de whisky. Então, apreciar e conhecer single malts soa como um diferencial. Algo que lhe define e separa do comum.

E tudo bem, porque ninguém vai matar o outro porque ele está tomando um Chivas ao invés de um Glenfiddich. Mas em muito maior escala, é justamente isto que está no âmago de todo discurso de ódio e intolerância. A busca de uma identidade própria, julgada superior às demais, que acaba levando a polarização e a extremos.

Tipo o dele.
Tipo o dele.

Talvez eu não devesse dar tanta atenção a isto. Afinal, se há liberdade inofensiva no mundo, é a de se beber o que bem quiser. Mas da próxima vez que desprezar um blended whisky em prol de um single malt, lembre-se de um provérbio inglês que se aplica perfeitamente aqui: muito ao leste já é oeste.

 

(*) existem também blended malts e blended grains, como você deve saber. Mas vamos deixá-los fora disto, por enquanto.

Drops – Tobermory 10 Anos

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Você gosta de mergulho? E águias? E por que não rali automotivo? Se respondeu sim para as três perguntas, seu lugar no mundo existe. É que essas coisas que aparentemente têm pouca relação são as principais atrações da ilha de Mull, na Escócia.

Mull é a segunda maior porção de terra das hébridas interiores – um arquipélago a oeste da parte continental da Escócia – com mais de oitocentos e oitenta quilômetros quadrados de, bem, absolutamente nada. Apesar da extensão territorial, a ilha possui apenas três mil habitantes.

Mas além de automóveis off-road, aves de rapina e recifes de coral, Mull também possui uma atração para os amantes de whisky. É a destilaria Tobermory, localizada no vilarejo homônimo, o maior da ilha.

A destilaria Tobermory produz duas linhas diferentes de whisky. A primeira, com o mesmo nome da destilaria, é composta de whiskies pouco turfados, com notas cítricas e de especiarias. A outra, Ledaig, é defumada, com sabor de iodo e fumaça. E a espinha dorsal da primeira – Tobermory – é justamente o whisky da foto. O Tobermory 10 anos.

O Tobermory 10 é cítrico e levemente defumado. Sua defumação, no entanto, não vem da queima da turfa, mas do uso de água que corre por depósitos daquele material. A água é recolhida de uma barragem próxima aos lagos Misnish, e bombeada até a destilaria. O whisky é engarrafado a saudáveis 46,3% após dez anos de maturação em barricas de caravalho americano que antes contiveram bourbon whiskey.

Além do Tobermory 10, a destilaria produz versões de quinze e vinte anos. Já os Ledaigs possuem expressões com dez e dezoito anos de maturação. Há alguns anos houve também uma edição especial, interessantíssima. Um whisky maturado por 42 anos, chamado Dùsgadh. Mas a maturação não é a única coisa que o torna especial – a caixa e o rótulo foram produzidos com o cobre derretido dos antigos alambiques, quando foram substituídos.

Uma garrafa singela
Uma garrafa singela

Para o divertimento deste Cão, não seria necessário nem águias, nem jipes e tampouco pés de pato. Mas tão somente uma garrafa deste pequeno notável. O ótimo Tobermory 10 anos.

TOBERMORY 10 ANOS

Tipo: Single Malt Whisky com idade definida (10 anos)

Destilaria: Tobermory

Região: Ilhas

ABV: 46,3%

Notas de prova:

Aroma: cítrico, com um fundo de açúcar e baunilha.

Sabor: cítrico e seco, levemente defumado e iodado. Final progressivamente mais adocicado, mas com a defumação um pouco mais pronunciada. O álcool é muito suave e mal se nota a graduação alcoólica.

Com água: A água aumenta a impressão adocicada.

Disponibilidade: apenas lojas internacionais.

Doze Glorioso – Famous Grouse 12 anos

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Essa semana, enquanto pesquisava um pouco mais sobre o whisky deste post, curiosamente esbarrei em uma página sobre o Glorious Twelfth. E graças à minha falta de foco e gosto pela procrastinação, resolvi perder alguns minutos lendo sobre ele. O Glorious Twelfth ocorre no dia doze de agosto, e é perfeito para todos aqueles cujo conceito de diversão inclui pagar centenas de libras, pisar em poças de lama e ser picado por insetos inconvenientes. Tudo isso pela oportunidade de matar seu próprio jantar.

É que o Doze Glorioso – como poderia ser cretinamente traduzido para nossa língua lusitana – marca o início da temporada de caça ao Tetraz, um pássaro típico do Reino Unido. Apesar de polêmico, o Glorious Twelfth continua incrivelmente popular. Estima-se que a caça à tetraz movimente mais de cento e cinquenta milhões de libras por ano.

Eu, que tenho preguiça até de ir até a geladeira, não consigo conceber uma ideia pior que essa. Além de caro e sujo, a atividade beira o impossível. O tetraz é uma ave bastante ágil, que consegue mudar de direção de voo quase instantaneamente. Por isso, inclusive, que é uma das mais cobiçadas para caça.

Não, mais uma vez - eu não sou um peru.
Não, mais uma vez – eu não sou um peru.

Apesar de se espalhar por grande parte do Reino Unido, a maior população de tetraz está, justamente, na Escócia. Seu habitat natural é também característica do país – os campos de urze, que lhe servem de alimento. Por conta disso, o tetraz tornou-se o símbolo da Escócia. Assim, foi apenas uma questão de tempo até que ele se tornasse também o símbolo do produto nacional mais conhecido por lá – o whisky.

A tetraz é o símbolo dos blended scotch whiskies da Famous Grouse, já revistos algumas vezes por aqui. Apesar de um portfólio bem extenso – com grain whiskies e blended malts – apenas três expressões da Famous Grouse são encontradas oficialmente no Brasil. O tradicional Famous Grouse Finest, o defumado Black Grouse (agora rebatizado de Smoky Black), e o Famous Grouse 12 anos, a mais exclusiva das três.

A marca Famous Grouse teria sido criada por Matthew Gloag, sobrinho de outro Matthew Gloag, fundador de um empório chamado Matthew Gloag & Son, em 1842. Como você pode ver, criatividade em abundância corria pelas veias daquela família.

Matthew sobrinho, ao assumir o negócio de seu tio, resolveu que batizaria sua linha de blended whiskies em homenagem à ave simbolo de seu país. Não satisfeito, cheio de boas ideias e com um faro de raro bom gosto, teria pedido à sua filha Philippa que desenhasse o famoso galináceo para servir de símbolo.

Atualmente a Famous Grouse faz parte do Edrington Group. Em seu portfólio estão destilarias como The Macallan e Highland Park, além daquela que serve de lar espiritual para a marca do peru – quero dizer, tetraz – a Glenturret. No campo dos blended whiskies, o grupo controla também a marca Cutty Sark.

O peruzão da Glenturret.
O peruzão (ahem) da Glenturret.

Aliás, como já dito anteriormente por aqui, há um ponto interessante sobre o uso dos The Macallan. É que a destilaria utiliza somente os 26% centrais de seu processo de destilação para a fabricação de whisky. Neste percentual, os 17% centrais vão para os single malts. O restante (4,5% de cada ponta) é empregado na produção dos whiskies da linha Famous Grouse. Todo o resto – 75% – é descartado.

O Famous Grouse 12 anos é um whisky relativamente encorpado, bastante equilibrado, levemente puxado para o adocicado e com nenhuma – ou talvez pouquíssima – defumação.  Os principais single malts em sua fórmula são Glenturret, The Macallan e Highland Park. Este Cão também suspeita de que haja Glenrothes, ainda que isto não passe muito de um palpite educado.

No Brasil, uma garrafa de um litro do Famous Grouse 12 custa em torno de R$ 200,00 (duzentos reais). Uma pequena fração do que custaria uma caçada no Glorious Twelfth, e um preço alinhado com os demais blended whiskies de sua categoria à venda em nosso mercado. Para aqueles que procuram um blended whisky encorpado, equilibrado mas com personalidade, o Famous Grouse 12 é um tiro certeiro. Este sim, é o verdadeiro Doze Glorioso.

THE FAMOUS GROUSE 12 ANOS

Tipo: Blended Whisky com idade definida (12 anos)

Marca: Famous Grouse

Região: N/A

ABV: 40%

Notas de prova:

Aroma: mel, açucar mascavo, frutado.

Sabor: frutas secas e caramelo. Relativamente encorpado, com final progressivamente mais seco e com especiarias.

Com Água: Adicionar agua reduz o sabor frutado e ressalta as especiarias.

 Preço: em torno de R$200,00 (duzentos reais)

Disponibilidade: disponível no Brasil

Double Smokey Mondays – Cateto Pinheiros & O Cão Engarrafado

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Não tem nada para fazer na próxima segunda feira? Gosta de whiskies defumados? E de charutos? Se você atende aos três requisitos, provavelmente vai adorar participar desta edição da já tradicional Smokey Mondays, do Cateto Pinheiros .
 
Nesta edição o convidado é este Cão Engarrafado, que falará sobre a melhor coisa do mundo em estado líquido. Whiskies defumados. Serão provados três deles – Black Grouse, Laphroaig Quarter Cask e Ardbeg Ten, acompanhados, claro, de um belo charuto – H Upmann Half Corona.
 
O Cão explicará um pouco sobre os tipos de whisky, história e o processo de fabricação destas maravilhas liquefeitas, além de harmonização com o belo habano.
 
O preço disso tudo? R$ 150,00 (cento e cinquenta reais), incluindo três doses (uma de cada whisky), o charuto, a apresentação e a alegria de aproveitar uma segunda-feira a noite. O evento será na segunda-feira, dia 06 de fevereiro de 2017, e começa às 19:30. A aula terá início às 20:30, e levará em torno de 1 hora.
Interessou? Quer saber mais? Então clique aqui para ver todas as informações sobre o evento e participe!
 

Whiskies sem Idade declarada (Ou qual a idade do Red Label?)

Idade do whisky - Red Label - O Cão Engarrafado

O Cão Engarrafado está fazendo dois anos. Por isso, nada mais apropriado do que um texto especial sobre idade, para coroar a data.

Luis Buñuel disse em seu livro O Último Suspiro que a idade é algo que não importa, exceto se você for um queijo.

Entendo a disposição e o otimismo da frase de Buñuel. Principalmente para um livro com aquele título. No entanto, não sei se concordo com ele. Nem quanto à parte dos queijos, nem das pessoas. Primeiro porque existem queijos jovens muito bons para o meu gosto. Mas afinal, o que eu realmente sei sobre queijos?

Nada.

E no alto de minhas três décadas e pouco, não sei muito sobre envelhecer também. O prognóstico, porém, não é muito animador. Porque pelo que pude perceber nos últimos anos, a paciência e o poder regenerador do sono somente diminuíram, enquanto que a circunferência abdominal e a ressaca cresceram exponencialmente. Por outro lado, gosto de pensar que tenho me tornado mais experiente.

Role model
Role model

Mas não é apenas com queijos e pessoas que a idade é um ponto controverso. Com whiskies também. Num passado não muito distante, fomos induzidos a acreditar que quanto mais velho, melhor. Apesar disso, muitos whiskies excelentes – e outros nem tanto – não possuem idade declarada em seus rótulos.

A prática é mais comum e antiga do que parece. Exemplos disso são o Chivas Regal Extra, Logan Heritage, Famous Grouse Finest, Macallan Amber, Sienna e Ruby, Glenlivet Founder’s Reserve, Laphroaig Quarter Cask e, é claro, os Johnnie Walker Red, Double Black, Gold Reserve e Blue Label. Aliás, um dos whiskies mais caros já vendidos em leilão – um Macallan M – não tem idade declarada. Mas afinal, quantos anos tem estes whiskies?

Bem, antes de responder esta pergunta, deixe-me explicar de uma forma bem porca o que significa a idade impressa – ou não – na garrafa de sua bebida preferida. Whiskies – a grande maioria deles, sejam eles blends ou single malts – são uma mistura de componentes de diversas idades. A diferença essencial é que em single malts, há whiskies de uma única destilaria*, enquanto que blends são a combinação de whiskies de procedências variadas.

De acordo com as Scottish Whisky Regulations de 2009, a idade informada no rótulo deve corresponder ao tempo de maturação do whisky mais jovem que está em sua composição. Por exemplo, no caso do Royal Salute 38 anos Stone of Destiny, o whisky mais jovem que está lá dentro possui trinta e oito anos, sem prejuízo de haver whiskies ainda mais maturados na mistura!

O produtor, entretanto, tem a liberdade de não informar a idade. Nestes casos, quando a informação não está lá, convencionou-se chamar estes whiskies de “no age statement” (em português “sem declaração de idade”) ou “NAS”.

Demi: NAS
Demi: NAS

Para estes, é virtualmente impossível determinar, com absoluta certeza, quantos anos tem o whisky. Mas podemos afirmar que é mais do que três anos. É que para que um scotch whisky possa ser chamado de scotch whisky, ele deve ser maturado por, no mínimo, um triênio em barricas de carvalho com volume menor ou igual a setecentos litros.

Mas vamos aqui deixar algo claro. Isso não significa, necessariamente, que o whisky sem idade declarada tenha apenas três anos. Aliás, é bem improvável que este seja o caso. É mais provável, no entanto, que haja alguma parcela de um whisky jovem. E que isso levou a destilaria, ou marca, a preferir esconder a idade do produto. Assim, aí está. Qual a idade do Red Label, por exemplo? Bem, no mínimo três anos.

Até aí, lindo. O Red Label é um whisky de entrada, então nada mais natural do que sua mascarada juventude. Só que a história começa a ficar meio surreal quando pensamos naquele Macallan M, arrematado por US$628.000,00. Este também tem, no mínimo, três anos.

Pode parecer loucura, e talvez até seja um pouco. Mas é também liberdade. E liberdade é um pré-requisito essencial para algo muito positivo em um mercado tão competitivo. Criatividade.

A liberdade de não se informar a idade permite que a destilaria – ou marca – crie produtos com mais criatividade. Whiskies jovens possuem características diferentes daqueles mais maturados. Os whiskies turfados e jovens de Islay, por exemplo, têm seu paladar defumado e medicinal bem mais pronunciado do que seus pares mais maturados. Então, se a ideia for criar um whisky com predominância de fumaça, whiskies jovens são a escolha natural. É provavelmente por isso que o Glenfiddich 125 e o The Macallan Rare Cask Black escondem seus tempos de maturação.

Além disso, a idade, per si, é um conceito relativo. Voltando ao exemplo lá de cima. Não adianta eu me enganar, pensando que à medida que envelheço, automaticamente me torno mais experiente. A única e inexorável certeza é que ficarei mais gordo. Minha banha, no entanto, não virá acompanhada de maturidade. A maturidade passa pela experiência. Colecionar anos sentado no sofá mirando o teto pode parecer confortável. Mas é também uma perda de tempo terrível.

Rumo à sabedoria
Rumo à sabedoria

E o mesmo ocorre com whiskies. Barris podem ser utilizados várias vezes, mas cada vez que são reutilizados, perdem um pouco da capacidade de transferir seus sabores para o destilado. Assim, talvez um whisky de trinta anos maturado em uma barrica de terceiro uso – ou melhor, reuso – não seja tão saboroso quanto um doze anos que passou sua breve vida em carvalho de primeiro uso.

Deixa eu tentar explicar usando um paralelo que me ocorreu agora. Saquinhos de chá. Imaginem que um dia chego em casa tarde. As crianças e a esposa dormindo. Eu, porém, estou tão esgotado quanto agitado, e preciso de algo para me acalmar e esperar o sono chegar.

Talvez por insanidade ou mal gosto, tomo a improvável decisão de, ao invés de whisky, beber um chá. Aqueço a água e adiciono um saquinho desses de camomila. O único que encontro. Espero um pouco e depois tomo.

Mas ainda estou um pouco insone, então resolvo que vou tomar outra xícara. Só que aquele era o último saco, então eu simplesmente completo aquele recipiente com água, e espero a infusão. Esta, por sua vez, demora bem mais tempo. Porque o saquinho já quase esgotou seus sabores da primeira vez que o utilizei. Então, para ter um chá tão forte quanto o primeiro, me vejo obrigado a esperar bem mais tempo. E acabo dormindo.

Com barris a coisa acontece mais ou menos assim, também. A influência de um barril de ex-bourbon de carvalho americano de segundo uso é – mais ou menos – setenta por cento inferior àquela de um de primeiro uso. No caso de terceiro uso, ou reuso, o percentual cai para dez. Aí vai um gráfico desenhado sem qualquer esmero no paint, para ilustrar:

idade
É quase assim, só que com escala.

Assim, unindo whiskies de idades diferentes com base em suas características, e não no tempo que passaram nos barris, as destilarias e marcas têm mais liberdade para perseguir o objetivo principal de qualquer produtor de whisky deveria ter antes de se preocuparem com esse papo de idade. Fazer algo que tenha um sabor bom.

Liberdade, porém, é algo complicado. Porque ela pode ser usada para o bem, mas também para objetivos mais, diremos, assim, egoístas. Acontece que os estoques de whisky muito maturado são limitados, e o seu consumo mundial – assim como minha barriga – só tendem a aumentar nos próximos anos.

A solução encontrada pela maioria das marcas e destilarias foi dada no começo deste texto. Misturar whiskies mais jovens com aqueles mais maturados, na tentativa de atender à crescente demanda, e não informar a idade no rótulo da garrafa. Cobrando um preço equivalente àquele do whisky com a idade estampada no rótulo, claro.

A tendência da indústria de lançar whiskies sem idade declarada é clara. Porém, preocupar-se muito com isso parece, a este Cão, um exercício de futilidade. Já provei whiskies sem idade declarada excelentes, bem como alguns com mais de duas décadas que não são nada além de – para usar uma palavra educada – interessantes.

Talvez devêssemos dar menos atenção ao número estampado no rótulo da garrafa, e mais ao seu conteúdo. Experimentar, ler, tentar entender mais. Separar, por nossa conta, o marketing daquilo que nos parece feito com cuidado e propósito. Aliás, como já disse uma vez em outro texto, não só em relação a whiskies, mas a tudo. Assim poderemos amadurecer.

Talvez a idade não importe muito mesmo. O que importa é o que fazemos com ela.

 

(*) eu sei que há single casks e whiskies cujos componentes têm a mesma idade. E eu sei que blended whiskies levam, além de single malts, whisky de grão. Mas vamos deixar as coisas didáticas, okey?