Ligo a televisão e sou imediatamente lembrado. Estamos nos aproximando do Oscar, a mais conhecida – e consequentemente polêmica – premiação no mundo do cinema.
O Oscar é um déja-vu anual, quando centenas de celebridades se reúnem sob um tapete vermelho assistir a Merryl Streep levar uma estatueta para casa. Há também uma festa com entrevistas, onde você pode novamente ouvir informações relevantíssimas, como a que a Cate Blanchett é a mais bem vestida, e meios-discursos traduzidos para o português tão bem quanto os títulos dos filmes indicados.
Apesar do calvário que é ver a premiação, eu gosto do Oscar. E me obrigo a, anualmente, assistir ao maior número de filmes com indicações. Não sei bem porque, afinal, minha opinião sobre eles é tão relevante quanto a de uma criança de três anos sobre astrofísica.
Este ano, porém, resolvi colocar este inútil exercício de tenacidade em bom uso. Escolhi quatro filmes que assisti e os relacionei com algo que tenho mais liberdade para faler sobre. Whisky. O resultado foi esta improvável lista, comparando alguns momeados pela Academia com o melhor líquido do mundo. Pode parecer inútil, e na verdade é. Mas com um pouco de abstração, você poderá escolher o filme a assistir com base em seu paladar para whisky.
And the Oscar goes to…
Hell Or High Water
Hell or High Water – A Qualquer Custo, em português – conta a história de dois irmãos que fazem de tudo para salvar o sítio da família, no interior do Texas. De tudo, menos renegociar o vencimento da dívida (o que resolveria o problema, mas aí, não teria filme). Como nos clássicos filmes de faroeste, os irmãos preferem recorrer às vias de fato assaltando bancos. A primeira impressão que temos é que os dois são caubóis amadores, desesperados e com pouca metodologia. No entanto, no decorrer do filme, percebe-se que há uma certa meticulosidade. E que há muito mais por trás de seus atos do que simplesmente proteger um pedaço de terra seca.
O filme tem um quê de Paris, Texas. Sem a Natassja Kinski. E sem a direção de Wim Wenders, e sem a profundidade existencialista deste. Mas, assim como ele, há muitas cenas de deserto, estradas retas e lugares (para ser politicamente correto) pitorescos.
Ainda assim, Hell or High Water é um bom western. Um western que se passa nos tempos modernos. Assim, nada mais natural do que escolher o Bulleit Bourbon como seu acompanhante ideal. Um whiskey que se autodenomina Frontier Whiskey, com rótulo torto e cara de mal encarado. Mas, na verdade, um bourbon recém-lançado (a Bulleit foi fundada em 1987), relativamente domesticado e excelente para coquetelaria ou para se tomar puro. Prazer descomplicado sem apelação.
La La Land
Cara, como eu odeio musicais. Só tem uma coisa no cinema que me irrita mais do que aquele momento em que o personagem começa a cantar um diálogo com o outro: gente comendo pipoca. Mas, por sorte, em La La Land não tive que aturar nenhum destes martírios.
Minha sessão estava praticamente vazia, e as músicas não atrapalham – nem contribuem, veja bem – para a narrativa. Então tudo bem. La La Land é, aliás, basicamente isto. Uma comédia romântica musical para quem não gosta muito de comédias românticas, nem musicais. O que é uma outra forma de dizer que ele não é bom nem como comédia, nem como musical. Por outro lado, a leveza do filme, aliada à excelente direção de Damien Chazelle, o tornam difícil de se detestar.
Por conta disso, talvez seu par perfeito no mundo dos whiskies seja o Chivas Regal 18 anos. Equilibrado e suave, seu principal propósito é agradar aos mais diferentes paladares. Apesar disto – e ao contrário do musical de Chazelle – o Chivas 18 agradará tanto aqueles que procuram suavidade quanto os que buscam personalidade.
Manchester a Beira Mar
Manchester by the Sea, milagrosamente traduzido como “Manchester a Beira Mar”, é um filme sobre tristeza e perdão. Só que bem mais tristeza do que perdão. A película conta a triste história – atual e pregressa – de Lee Chandler, um homem desiludido que se vê obrigado a assumir a guarda de seu sobrinho de dezesseis anos após a morte de seu irmão e pai do rapaz. Tudo no filme parece remeter a languidez. A tristeza dos personagens é complementada por cenas de Manchester cinza e cheia de neve, ao som de violinos tocando uma espécie de réquiem. É de se cortar os pulsos ao som de Mendelssohn. Há certo humor subliminar, mas o drama é o grande imperador do filme.
Drama e oceano. Nada mais apropriado, neste caso, do que um representante de Islay. Ficamos entre o Laphroaig Quarter Cask e o Ardbeg 10 anos. São whiskies defumados e com clara influência marítima. Assim como o filme, não são fáceis – inclusive, a Laphroaig admite que seus maltes são uma questão de “ame ou odeie”. Nós adoramos.
A Chegada
A Chegada (também incrivelmente traduzido fidedignamente do inglês The Arrival) é um filme de ficção científica de Denis Villeneuve, diretor de muitos filme quase-legais que a gente quase consegue gostar, como Sicario e Os Suspeitos (Prisioners). Mas, ao contrário de seus predecessores, The Arrival é realmente bom, sem quases.
O filme estrela Amy Adams no papel de uma talentosa linguista chamada pelos Estados Unidos para tentar se comunicar com uns extraterrestres – conhecidos como heptapods – que surgiram na Terra em naves parecidas com M&Ms gigantes. A missão de Amy é descobrir por que eles resolveram vir até aqui. Mas a tarefa não é simples. Porque – sem estragar o filme caso você não tenha visto – a linguagem dos ETs, assim como quase toda linguagem do mundo, passa pela noção que aquelas criaturas tem de conceitos como tempo e vida. Esses conceitos não apenas se expressam na linguagem, mas também nas atitudes dos heptapods.
Há romance, há drama familiar e há (bem pouca) violência. Afinal, é um filme de Hollywood. Mas, apesar de tudo isto, para este ébrio Cão, por trás de toda parte pseudo-científica, A Chegada é um filme sobre a linguagem, suas ambiguidades e limitações. E, bom, sobre ETs.
Talvez o whisky mais apropriado para descrevê-lo seja o japonês Yamazaki 12 anos. Complexo, mas capaz de ser apreciado mesmo por aqueles que não estão buscando descriptores aromáticos a cada gole. Uma pena que sua importação tenha cessado, e ele não esteja mais disponível em terras tupiniquins. Quer dizer, até ele voltar. E sumir de novo. E voltar. Não entendeu? Pare de ler e vá ver o filme.
Como vai, Maurício?
Hahaha comecei a semana me divertindo muito com o texto. A relação que vc traça entre os filmes e os whiskys é muito engraçada. E eu tb odeio musicais. Não faz o menor sentido. Talvez se eu beber um pouco mais eu encontre o sentido, ou não me importe mais haha.
Whiskys excelentes. Diria que bem melhores que os filmes.
Grande abraço!
Sim, depois fiquei pensando se não era injusto com o Chivas 18 anos, compará-lo ao La La Land….rs
Dos filmes mencionados acima tive o prazer de assistir neste final de semana “A Chegada”. Realmente é um grande filme e, ahhh tem um pouco de suspense também com relação ao real propósito dos alienígenas. Este foi o entretenimento de Sábado a noite após, claro, tomar meu velho Grand Old Parr. Abraços Mestre.
Verdade. Achei uma pena ele não ter recebido muitos premios. Entre os que assisti e que estavam concorrendo – e olha que não foram poucos – achei um dos melhores, senão o melhor.
Pena que o filme brasileiro Aquarius não foi selecionado, a companhia ideal para assistir seria um Old Eigth com uma bexiga de mortadela de tira-gosto. Hahaha!!!! Abraço!