Drunk Uncle – Metamorfose

Estamos em novembro, mas o comércio já sinaliza a – relativa – proximidade do natal. E com ele, vêm guirlandas, luzinhas coloridas, música brega e decorações verdes e vermelhas. Ah, e neve artificial num calor de trinta graus à sombra. Mas nada disso supera o mais temido personagem desta época do ano. Que não é o Grinch, caso tenham tentado adivinhar antes de chegar à próxima frase. Mas o tiozão do pavê. O tiozão do pavê vem em várias formas. Às vezes, ele nem é um tio. Mas um primo, uma tia, um amigo da família. É aquela pessoa que voce evita o ano inteiro, apenas para ter a insatisfação de ficar preso em uma conversa angustiante nas festividades de fim de ano. Sóbrio, ele já é desagradável, mas, manobrável. Bêbado – e você sempre o verá bêbado – fica pior. Porque lança mão de piadinhas como o tomate que foi no banco tirar extrato. Ou resolve que vai discutir política, religião, diversidade sexual ou a receita do dry martini como se aquela conversa fosse determinar o futuro da humanidade. O encontro com o tiozão do pavê é quase irremediável. Quase, porque há uma forma quase quântica de evitá-la. Algo […]

Affinity Cocktail – Semelhança

Você já reparou como às vezes dois filmes praticamente idênticos estreiam quase ao mesmo tempo? Às vezes, isso é maravilhoso, porque os dois são ótimos. Tipo Failsafe e Doctor Strangelove. Outras vezes, um é melhor que o outro, como Braveheart – que é um clássico – e Rob Roy. Que não é realmente ruim. Mas podia focar menos no Liam Neeson satisfazendo sua esposa na grama, e mais na história da Escócia. E em outras situações, todos são ruins mesmo. Muito provavelmente porque a ideia era péssima já no começo, e a turma entrou numa espécie de delírio e esforço coletivo para tornar a vida dos cinéfilos um pouco mais miserável. Como com O Inferno de Dante com Volcano. Ou Striptease e Showgirls (desculpa, Verhoeven, você é ótimo!). Ah, e aqueles quatro – sim, gente, quatro – filmes sobre meteoros que ameaçam acertar a Terra. Num deles todo mundo morre, no outro o Bruce Willis explode o asteroide por causa da Liv Tyler e nos outros eu nem lembro o que acontece. Só vem, meteoro. O fenômeno, aliás, tem nome. Twin Movies, ou, Filmes Gêmeos. E não é coincidência, transmissão de pensamento ou uma espécie de reiki aplicado ao cinema. […]

Quatro coquetéis de whisky para o frio

Eu adoro o frio. Poucos pequenos prazeres são tão grandes em sua singeleza como sentir o ar gelado nas têmporas. Perceber aquela deliciosa letargia nos dedos ao digitar. Contemplar o aveludado formigamento na ponta do nariz ao franzi-lo. E o vapor. Eu devo ser completamente maluco, mas a fumacinha que sai do nariz ao respirarmos no frio é uma lembrança contundente de que estou vivo. Trabalhar, tomar café, ler. Pra mim, até fazer exercício é melhor no frio, porque não tenho que beber o correspondente à vazão das cataratas do Iguaçu para repor o líquido perdido com o suor. Aliás, quase tudo fica melhor no frio. Inclusive, uma das minhas atividades preferidas, que não é a que você tá pensando. Ou talvez seja, se me conhecer bem: beber. Porque na verdade beber é meio como se vestir. Você faz o ano inteiro, mas o frio abre um leque muito maior de possibilidades. O que, claro, não significa que você deva beber qualquer coisa. Pelo contrário. Aqui no Brasil, a temporada de frio é uma rara oportunidade para você se esmerar em novas experiências. Ou aproveitar para revisitar aquele raro clássico, que pareceria até incivilizado em qualquer outra época do ano. […]

May Vesper – James Bond em Islay

“Um Dry Martini. Num cálice de champanhe. Tres partes de Gordon’s, uma parte de vodka, meia parte de Kina Lillet. Bata tudo até que esteja bem gelado, e depois finalize com uma fatia grande e fina de casca de limão. “. Eu nem preciso dizer que coquetel é esse. Porque você, caro leitor e entusiasta dos copos, já sabe. “Este drink é minha invenção. Eu vou patenteá-lo quando pensar em um bom nome“. E, mais para o final do livro – ou do filme, caso seja de sua preferência, ele finalmente bate o martelo “Acho que vou chamá-lo de Vesper“. Note que, no parágrafo acima, eu nem mencionei James Bond. E nem precisei. Você já sabia que era ele a partir da segunda linha deste texto. Ele é certamente o agente secreto mais célebre – e menos secreto – da ficção. Até quem não gosta da franquia sabe uma porção de coisas sobre ele. Que tem uma paixão por Aston Martins, bebe dry martinis e The Macallan – aliás, em quantidades pouco recomendáveis – e carrega a tal perigosa licença para matar. O que você não deve saber, a não ser que seja um fã muito dedicado, é que James […]

Whiskey Smash – Derivação

Quando em 1799, o biólogo britânico George Shaw recebeu um ornitorrinco para estudo, pensou que estivessem lhe pregando uma peça. “Acho que é uma preparação enganosa, por meios artificiais” descreveu. Shaw imaginou que algum maluco tivesse grudado o bico de um pato no corpo de um castor, e enviado de frete naval internacional da Austrália para a Grã-bretanha, numa estranha espécie de pegadinha interoceânica. A veracidade da espécime só realmente se revelou por meio de um exame bem mais detalhado. Para nós, hoje em dia, pode parecer ingenuidade de Shaw. Mas, temos que concordar em uma coisa. O Ornitorrinco é um bicho bem esquisito. Ele tem nadadeiras, pelos, bico e não tem estômago. Os filhotes bebem leite direto do pelo das fêmeas. Aliás, falado em filhotes, apesar de serem mamíferos e amamentarem as crias, os ornitorrincos botam ovo – uma special feature que levou mais uns cem anos para ser descoberta pelos cientistas. Por fim, e para coroar – perdão pela ambiguidade um pouco escatológica – os ornitorrincos são monotremes. O que significa, literalmente em grego “único buraco”, em referência a, bem, uma abertura abdominal que serve para uma porção de coisas na vida íntima dos ornitorrincos. Mas é curioso […]

Mamie Taylor – Antepassados

Ao assistir Jurassic Park, você deve ter grudado de tensão na cadeira durante a cena em que o tiranossauro persegue o jipe. Imagine, um animal desse tamanho e tamanha voracidade hoje em dia. O que você não sabe, provavelmente, é que o T-Rex, aquele enorme e ameaçador predador, é o ancestral mais próximo de um bicho bem pouco intimidador. A galinha. É isso aí. Ocorre que em 2003, dois cientistas – Jack Horner e Mary Scweitzer – analisaram a composição molecular do colágeno contido em um fêmur não fossilizado de T-Rex. E descobriram semelhanças incríveis com aquele contido nos ossos de galinhas e outras aves domésticas. Isso apontaria que há uma ligação de parentesco entre o dinossauro e o galináceo, perdida ao longo dos anos. O que me faz pensar que eu também iria detestar comer tiranossauro assado. Enfim, certos antepassados não são nada óbvios. Outros, porém, parecem ter diretamente inspirado seus predecessores. É o caso, por exemplo, de um coquetel incrivelmente popular hoje em dia, o Moscow Mule, e seu antecessor um tanto obscuro, produzido com whisky turfado, o Mamie Taylor. O Mamie Taylor leva scotch whisky, limão siciliano e ginger ale ou ginger beer. Exceto pela canequinha de […]

Highball Cocktail – Simplicidade Intrincada

Há coisas que parecem simples, mas são, na verdade, extremamente intrincadas. Os japoneses tem até uma palavra pra isso. Shibusa – ou shibui. Que na minha (assumo, limitada) interpretação da cultura oriental, poderia ser traduzido – não sem alguma perda – como “austero”. Shibusa definiria algo que fosse despojado de ornamentação excessiva. Algo que tivesse um equilíbrio fino entre o elegante e o bruto, o formal e o espontâneo. Entre o simples e o complexo. A palavra é, geralmente, aplicada a objetos – mais frequentemente, arte e moda. Ainda que quase tudo possa ser Shibusa. Pode ser uma comida. Que, aliás, cunhou o termo “shibui”, até hoje utilizado como sinônimo de adstringente. Uma bebida ou um coquetel, também. Por exemplo – e como não poderia deixar de ser – o Highball. O Highball é o tipo de coquetel que é incrivelmente fácil e ao mesmo tempo, inacreditavelmente intrincado. Se a frase anterior lhe parece um paradoxo, deixe-me explicar. Produzir um whisky-soda, ou melhor, misturar whisky com qualquer coisa com bolhas, é bem fácil. Se meu cachorro tivesse polegares opositores, ele provavelmente faria tranquilamente. A questão, aqui, são os detalhes que permeiam os ingredientes, e o cuidado no preparo. Em primeiro, […]

Saratoga Cocktail – Diversidade

Meu pai costuma dizer que o tempero da vida é a diversidade. Tenho que concordar com meu progenitor. Ainda mais em uma época do ano quanto o carnaval. Os bloquinhos são um exemplo. Fico fascinado com o ânimo das pessoas para ir nos bloquinhos, mas, tenho que assumir, não me vejo participando de um nem por dinheiro. Nem por dinheiro não, nem por whisky. Sou totalmente a favor de qualquer manifestação de alegria, ainda mais uma tão espontaneamente agregadora quanto o carnaval. Em especial os bloquinhos de rua. Não ligo nem um pouco para o trânsito causado, e – como dono de um bar recém aberto – nada me revolta a falta de movimento trazida pelas festividades. Mas os bloquinhos reúnem três coisas absolutamente equivocadas: cerveja ruim quente, suor e muita gente. Aliás, gente já seria um motivo mais do que justificável para me demover dos planos carnavalescos. Com calor, ainda pior. Odeio passar calor. Nem piscina quente, eu gosto. Aliás, nunca entendi essa tara das pessoas por piscinas quentes. Que coisa mais sem graça. Para qualquer atividade em uma piscina ficar minimamente interessante, é necessário adicionar ao menos um de dois elementos – álcool ou jogo. Talvez tenha sido […]

Patsy Cocktail – Jack Daniel’s Tennessee Calling

Já contei isso por aqui, mas vou contar novamente. Quando era criança, me perguntavam constantemente o que eu queria ser quando crescer. Por uma efêmera fase, queria ser astronauta, até descobrir que eles bebiam o próprio xixi (leia mais sobre isso aqui). Depois, pensei em ser caminhoneiro. Mais tarde, piloto de helicóptero. Quando atingi a pseudo maturidade da adolescência, resolvi que seria desenhista. E quando menos percebi, por pura e espontânea pressão paterna, virei advogado. Gosto de minha profissão, e não me arrependo. Mas, assumo, durante o exercício, poucas vezes vi espontaneamente acesa a chama da paixão pelo ofício. Longe de ser uma atividade natural, ser advogado foi um gosto adquirido. E por muito tempo permaneci assim, até, finalmente, descobrir a razão pela qual eu nasci. Ou não. Graças a um convite da Brown Forman. É que os malucos da Brown, responsáveis pela Jack Daniel’s, resolveram me convidar para ser jurado da semifinal de um concurso de coquetelaria. O Jack Daniel’s Tennessee Calling, que aconteceu no final de novembro de 2019, no Tulum Bar, em São Paulo. E, devo dizer, foi um dos trabalhos mais divertido das minha vida. Avaliar coquetéis, ouvir histórias e inspirações e discutir com meus pares […]

Quatro Coquetéis de Whisky para o Verão

Você, querido leitor, deve estar ansioso para o verão. Quase todo mundo está. Mas eu não. Peço perdão por emitir aqui uma nota dissonante, mas detesto o calor. E, consequentemente, nosso escaldante verão tropical. É que são seis e meia da manhã de um sábado. Acordei há trinta minutos, em uma poça de suor, depois de passar metade da noite virando o travesseiro, em busca do lado mais fresco. Eu não percebi quando aconteceu, mas imagino que em algum momento no meio da madrugada o ar-condicionado parou de funcionar. E inexplicavelmente, como num processo de auto-imolação, meu quarto chegou à temperatura do sétimo círculo do inferno. No frio, temos escolha. É só colocar casaco, cobertor. Ou ligar um aquecedor. O frio traz oportunidades talvez até românticas. Como acender uma lareira – se você tiver uma, que não é meu caso. O calor não. O calor é desagradavelmente incontornável. No calor, mesmo com todo ar condicionado do mundo, a chance de você grudar na mobília ou no banco do carro é de cem por cento. E tem a parte do whisky. Beber whisky é sempre uma delícia, mas é bem melhor no frio. O que, claro, não significa que haja certos […]