Whiskies jovens (ou sem idade declarada) muito bons

“O tempo é a substância da qual sou feito. O tempo é um rio que me arrebata, mas eu sou o rio; é um tigre que me devora, mas sou o tigre; é um fogo que me consome, mas sou o fogo” escreveu Borges em sua Nova Refutação do Tempo. Desgraçadamente – para continuar no tema Borgiano – tenho tido bastante tempo para pensar nele mesmo. Não em Borges. Mas no tempo. Ultimamente, a passagem do tempo tem me trazido ansiedade. Almejo que tudo passe logo, para voltar àquele status quo. Trabalho normal, vida corrida. Aquele em que o tempo passa tão rapidamente que nosso anseio se torna justamente o contrário – que ele demore mais. Normalmente, a passagem do tempo não é muito querida. Exceto quando em quarentena e durante alguma aula chata de matemática. E – de acordo com o senso comum – com whiskies. É que muita gente acha que idade é sinônimo de qualidade em whisky. Mas este pensamento está absolutamente equivocado. Há características sensoriais de whiskies jovens que são praticamente irreplicáveis em whiskies mais maturados. A turfa, por exemplo. Whiskies turfados são, sensorialmente, muito mais turfados quando há pouca maturação. A influência sensorial da turfa […]

Bebendo o Oscar III – Filmes & Whiskies

Este é um post sazonal. Para ler as edições passadas, de 2017 e 2018, clique nos mencionados aqui. Uns bebem para esquecer. Outros bebem para lembrar. A frase, repetida em cancões de Ben Harper e dos Eagles, se aplica perfeitamente ao whisky. Mas poderia, também, muito bem funcionar para o cinema. Porque muitos assistem filmes para esquecer de seus problemas. Parabolicamente sair do corpo e viver outra vida. Outros, porém, usam as telas para relembrar. De seu passado, ou do pretérito do mundo. Refletir sobre questões importantes ou entender o status quo. Os indicados ao Oscar de melhor filme de 2019 atendem aos dois públicos. E a todos no meio do caminho. Seja pelo ora visceral, ora romântico retrato da sociedade mexicana da década de setenta em Roma, seja pelo lugar comum bem executado de Nasce uma Estrela. E para acompanhar estes longas, nada melhor do que, bem, whisky. Mas não qualquer whisky. Um que harmonize por semelhança com a película. Que lhe ressalte as características. Ou que amplie a sensação de conforto, paixão ou intensidade trazida por eles. Assim, ai vão quatro filmes assistidos por este Cão e devidamente combinados com o melhor destilado do mundo. Tudo, meu caro […]

Doze Glorioso – Famous Grouse 12 anos

Essa semana, enquanto pesquisava um pouco mais sobre o whisky deste post, curiosamente esbarrei em uma página sobre o Glorious Twelfth. E graças à minha falta de foco e gosto pela procrastinação, resolvi perder alguns minutos lendo sobre ele. O Glorious Twelfth ocorre no dia doze de agosto, e é perfeito para todos aqueles cujo conceito de diversão inclui pagar centenas de libras, pisar em poças de lama e ser picado por insetos inconvenientes. Tudo isso pela oportunidade de matar seu próprio jantar. É que o Doze Glorioso – como poderia ser cretinamente traduzido para nossa língua lusitana – marca o início da temporada de caça ao Tetraz, um pássaro típico do Reino Unido. Apesar de polêmico, o Glorious Twelfth continua incrivelmente popular. Estima-se que a caça à tetraz movimente mais de cento e cinquenta milhões de libras por ano. Eu, que tenho preguiça até de ir até a geladeira, não consigo conceber uma ideia pior que essa. Além de caro e sujo, a atividade beira o impossível. O tetraz é uma ave bastante ágil, que consegue mudar de direção de voo quase instantaneamente. Por isso, inclusive, que é uma das mais cobiçadas para caça. Apesar de se espalhar por grande parte do Reino Unido, a maior […]

Do Autocontrole – Black Grouse

Hoje vou falar sobre autocontrole. Autocontrole – ou melhor, a ausência dele – é o que te faz comer aquele quarto (ou quinto) pedaço de pizza. Ou tomar a terceira saideira no bar. Ou mesmo continuar comendo aquele rodízio de sushi até acabar, ainda que o correspondente à fauna inteira do oceano pacífico já esteja, lentamente, se liquefazendo em seu estômago. A vida moderna oferece uma infinidade de oportunidades áureas para se despir totalmente do autocontrole. Maratonas da sua série preferida, rodízios infinitos de comida, lojas com descontos progressivos, smartphones e internet quando se está bêbado. E, finalmente e fatalmente, bares. Bares são uma espécie invertida de videogames de autocontrole. Porque toda vez que você perde – ou seja, toma mais uma – fica mais difícil de exercer o autocontrole para a próxima. E, assim como videogames, existem bares mais difíceis do que outros. Para meu azar – e iminente insolvência – um dos meus preferidos provavelmente seria classificado “hard as hell”. É que naquele bar, ao invés do garçom te servir uma dose, ele deixa a garrafa na sua mesa, com umas marcações. E você mesmo deve ser o juiz de seu bom senso, e colocar o quanto quiser […]

Seis Whiskies Para se Tomar com Gelo (e sem culpa)

Ontem, quando cheguei do escritório, a Cã perguntou se – ao invés de jantarmos fora – eu não queria pedir comida. Eu disse que sim, claro, afinal, estava cansado. E indaguei a ela o que queria. Pizza? Não, pizza não quero, estou gorda. Japonês? Não, quero algo quente. Uma massa? Não. Árabe então? Não, árabe não também. Hambúrger foi a derradeira opção, igualmente recusada. Mas afinal, amada Cã, o que você quer pedir? Ah, não sei, o que você quiser está bom para mim. Na verdade, eu queria qualquer coisa. Só não queria pensar muito. Tenho dias assim. Esse era um deles. No trabalho, me disseram para ouvir Penderecki enquanto traduzia um contrato de M&A, porque música clássica auxiliava na concentração. Mas o máximo que queria ouvir era Rolling Stones. Durante o almoço, recomendaram que pedisse o polvo. Mas eu queria mesmo era um belo mexidão. Me disseram para ver um filme do Godard. Mas meu desejo mesmo era ver um J. J. Abrams. Por fim, falaram que eu deveria ler Dostoievski. Aí concordei, afinal, a vida é muito curta para desperdiçá-la com literatura ruim. Mas hoje não, hoje eu não leria nada. Aliás, cinema, literatura e whisky tem muita […]

Drops – The Glenturret Sherry

Gosta do The Famous Grouse? Se respondeu sim, então conheça o Glenturret Sherry, edição especial da destilaria que é também o lar da famosa marca do tetraz (isso é o nome do pássaro do rótulo. Não. Aquilo não é um peru.) A Glenturret, localizada nas  Highlands Escocesas, fornece maltes para quase todas as expressões do Famous Grouse. Os outros single malts mais usados são The Macallan e Highland Park. Como consequência, apenas uma pequena parte da produção da Glenturret é engarrafada como single malt. A destilaria, além disto, é alegadamente – na verdade, de forma autoproclamada – a destilaria mais antiga ainda em funcionamento da Escócia. O Glenturret Sherry é uma edição especial limitada, sem idade definida. Ela  foi maturada em barricas tanto de carvalho americano quanto de carvalho europeu que antes continham vinho jerez. Isso proporciona  sabores de frutas e especiarias, com um leve sabor adocicado e de baunilha. Se estiver planejando uma viagem para a Escócia, não deixe de visitar a Glenturret. Você terá a oportunidade de fazer um tour pela destilaria, além de conhecer detalhadamente todo o processo de produção de um dos blended whiskies mais famosos do mundo (ele tem até famoso no nome), o Famous Grouse.

Drink do Cão – Green Gimlet

Uma improvável gota de suor escorrendo pela lateral das minhas costas não deixa dúvidas. Estamos quase no verão. O verão é a estação do ano em que tudo gruda. Cadeiras, maçanetas, o metrô, o corrimão da escada e seus braços.  E também aquele seu coleguinha, cujos braços também estão pegajosos, e a uma distância preocupante dos seus. No verão, tudo adquire uma aderência meio porca. O verão é uma prova de enduro físico infinito, em que o troféu é não chegar azedo no final do dia. Ele tem, inclusive, um odor característico. É aquele aroma que está no táxi que você pegou, no vagão do metrô que você entrou e no elevador do seu escritório. É algo que lembra um refogado de alho, cebola e pimenta. Um refogado de alho, cebola e pimenta absolutamente asqueroso. Talvez eu tenha chegado prematuramente à andropausa, mas o calor do verão é quase insuportável. Quase porque eu não tenho opção. Quando está frio, eu posso simplesmente colocar uma jaqueta ou malha. No calor não. No calor, a melhor opção é ficar nu. Mas isso eu só posso fazer em casa e, mesmo assim, correndo o risco de grudar no mobiliário. Além disso, o calor deixa […]

O Cão Econômico 3/3 – Famous Grouse Finest

Este é o último post de uma série de três provas sobre whiskies abaixo de R$ 100,00(*). Os outros foram Glen Grant e Teacher’s Highland Cream. Além dele, o Cão já visitou outros três whiskies nessa faixa de preço. Foram White Horse, Johnnie Walker Red Label e Suntory Kakubin. A criatividade do homem é infinita. Ela se manifesta em tudo produzido por nossa mente, seja tangível ou intangível. Das pinturas rupestres a Duchamp, das primeiras tendas aos arranha-céus de Dubai, estamos imersos em um oceano de criatividade. E isso não é novidade para ninguém. Mas há um ramo da inventividade humana que sempre me surpreende. Um ramo em que o homem realmente emprega todo seu potencial. O de nomear produtos. Dê uma olhada nas gôndolas de supermercados. Há uma miríade deles. Cachaças João Andante, torradas Peter Pão, croissants Croasonho, carnes Boi Vivant, tapete higiênico para cachorros Super SeCão. E meu preferido, talvez pelo mau gosto aliado à sutileza de uma britadeira: papeis higiênicos Pacu. Além do nome, há a embalagem. A embalagem é quase um convite para adquirir aquilo que ela carrega. Na época daquela promoção da Coca-Cola, sempre procurava meu nome nas latas. Se encontrasse, não titubearia em levar para casa. Mas […]

Macallan Sienna e um Novo Dia para Beber

A ficção está cheia de ébrios. Bons exemplos são Jack Torrence, de O Iluminado, e “O Cara”, interpretado por Jeff Bridges em O Grande Lebowski. Para você ter uma ideia, O Cara, durante os cento e dezessete minutos do filme, toma nove White Russians. Isso equivale a um coquetel a cada treze minutos de filme. Mas o mais célebre atleta ficcional do álcool é, indiscutivelmente, James Bond. O espião bebe mais do que um Escort XR3. Um estudo envolvendo médicos da Universidade de Nottingham mostrou que Bond, no decurso de suas histórias, tomou o equivalente a mil cento e cinquenta doses de álcool, em apenas oitenta e oito dias. Isso equivale a uma garrafa e meia de vinho, ou cinco martinis de vodka, todo dia. Mas James Bond não apenas bebe como se vivesse apenas duas vezes. Ele é uma biblioteca etílica. Prova disso é o diálogo que trava com M e o Sr. Donald Munger, ao tomar um cálice de Jerez pertencente àquele último, em Diamantes são Eternos. Bond diz “temo pelo seu fígado, meu senhor. Este é um Solera excepcional. Safra de 1951, acredito”. M, então, retruca “não há safra para Jerez, 007”, ao que Bond responde “Me […]